segunda-feira, 22 de abril de 2013

Conga

Feio demais...

Porque festa de aniversário sem presente não é festa, não é? O aniversariante já festeja dezessete primaveras, a infância já era e a sanha por presentes devia ter arrefecido? De acordo, mas é aquilo: certas infâncias parecem tardar e a de Wesley olha só, é uma delas. E adolescência é uma transição complicada. Os pais concordaram em ser a primeira festa com bebida, mas só cerveja. Nenhum destilado. Os brigadeiros e cachorros-quentes, consenso, ninguém quis deixar de lado.
 - Ano que vem, com a maioridade, acaba. Esse ano não! – sentenciou o aniversariante ao ser consultado sobre.
Quanto aos presentes, desses não abriu mão. Os amigos trouxeram DVDs, bonequinhos (“São action figures!” explicava se defendendo da pergunta se não era velho pra isso). Os tios deram roupas. Um deu um relógio e outro um livro. A madrinha lhe deu um par de congas. Exatamente, congas.
É preciso explicar aqui que a madrinha não via seu afilhado há muitos anos. Morava noutra cidade e raramente visitava o menino a quem pegou no colo na Igreja. Dos gostos do rapaz sabia pouco – ou nada. Queria compensar sendo mais presente agora que se mudara. Sendo assim, um par de tênis ia ficar muito bem dado e uma forma de agradar. O problema, óbvio, é que não agradou.
O sorriso amarelo de Wesley foi visto pela madrinha como um agradado agradecimento. Madrinhas, às vezes, são meio bobas. Principalmente as que não conhecem seus afilhados. E também, no caso dessa, omissas com o contexto. Deu o presente, um beijo no afilhado, desejou felicidades, saúde, amor e foi ficar com os mais velhos.
- Vou deixar meu afilhadinho com os amiguinhos curtindo a festa enquanto fico lá com os outros. Aproveita e juízo. – explicou. Mas o estrago estava feito. Os amigos, ao ver o conga na caixa, novinho (onde essa mulher achou isso, meu Deus?), não pouparam o aniversariante e nem respeitaram o dia especial. Adolescentes são maldosos.
- Ei, Wesley, calça aí pra ver como ficou!
- Vai com ele na escola segunda pro resto da turma ver!
- Ai, que lindinho, o menininho da madrinha!
- Péra, que eu já tô subindo isso pro Youtube.
Quem estava curtindo cerveja na festa deixou a bebida esquentar pra ferver a cabeça do amigo. Cachorro-quente nenhum era mais gostoso que a gozação desbragada com as lindas congas azuizinhas do Wesley. Alguém tinha sugerido, antes do fato, um grande campeonato de videogame. Nem se falou mais nisso.
Mas como depois da queda sempre tem o coice, quem apareceu pra ver o presente que a madrinha deu foram os pais do Wesley, muito felizes com a reaproximação da madrinha, amiga da família, e o filho mais velho deles. O que foi encarado como troça vindo dos amigos virou ordem de delegado vindo dos pais. Eles queriam ver como ficou o calçado no filho e qual remédio senão calçar? Celulares a postos, o grande momento foi registrado. E Wesley calçando as congas, os pais avaliando se o tênis não está pegando e o inevitável e esperado desfile pra ver se ficou bom virou filme. A vitória dos amigos era inconteste. Wesley estava batido e estaria liquidado segunda feira, na escola. Segunda-feira? Amanhã, a Internet teria uma enxurrada de mesmos vídeos. Vários wesleys calçando congas ridículas. A autoafirmação semi-impúbere venceria sobre ele. Não culpava a madrinha, que nem o conhecia, pelo presente. Mas se soubesse em qual loja ela encontrou aquela monstruosidade, tocaria fogo se fosse desequilibrado. Vender conga em pleno século XXI, onde um espirro mal dado ganha curtidas e views em minutos era a certeza de traumas.
No entanto, deve ter sido Deus, Jesus e todos os santos que mandaram Roberta chegar àquela hora, quando a piada estava digerida e a conga era novidade, pra ela. E deve ter sido todos eles que a mandaram dizer:
- Nossa, Wesley, que fofo esse sapatinho! Super bonitinho, super meigo!
E nem que o “meigo” fosse a gozação extra para aqueles meninos sedentos por virilidade própria a quem uma palavra a ameaçasse, Wesley não deu por isso. Nem por nada mais. A menina por quem ele nutria uma disfarçada paixão gostou do que viu. Seus amigos, esses traíras que vem comer e beber às suas custas para, ainda, abusar de uma demonstração familiar de afeto não mereciam a recepção que tinham nessa casa. Não ia se rebaixar ao nível desses canalhas safados que não têm uma madrinha capaz de acertar tão em cheio num presente. Bando de infelizes. Cerveja nenhuma desceu melhor que o elogio de Roberta e cachorro-quente nenhum foi mais gostoso que o beijo que ganhou dela. A festa, com conga e tudo, valeu a pena.

Francisco Libânio,
22/04/13, 9:27 PM

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