sábado, 30 de abril de 2011

Série Mentes 05 - Subcosnciente


Meu subconsciente é uma caverna escura
Com uma faixa que a deixa por proibida
Para qualquer um, até para minha vida
Que tenta descobrir de longe a estrutura

E teme os monstros sobre os quais a cultura
Fala de forma assustadora e conhecida
Como se já os conhecesse. E perdida
Nesses achismos, minha vida perdura

Da caverna não se passa. Só morcegos
Que voam de dentro dela. Serão vampiros?
Monstros alados cansados de seus retiros?

Podem até ser, mas são tão inofensivos
Que mesmo que existissem, fossem vivos
De tanto viverem no escuro seriam cegos.

Francisco Libânio,
30/04/11, 4:23 PM

01 - 27-04-11 - Em tua boca há o sabor com o qual mitigo


Em tua boca há o sabor com o qual mitigo
A acidez de minha vida, meus dissabores,
E com teus beijos doces que ainda sigo
Buscando outros gostos ainda melhores

Em teus seios aninho meu desejo antigo,
Fantasioso talvez, de me aninhar em calores
Humanos perfeitos, é onde está o abrigo,
E no alto deles vejo todos os meus amores

Em teu regaço me aqueço e me completo,
Tudo que é teu está lá e lá fazemos nosso
Nele eu me faço teu e nele de ti me aposso

Em tua existência foi que me fiz concreto,
Me fiz homem e pude tentar te fazer mulher,
Foi contigo que aprendi a amar e a viver.

Francisco Libânio,
27/04/11, 6:09 PM

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Série Mente 04 - Alucinações


Minhas alucinações são reflexos meus num espelho,
Distorcido. Sou eu me vendo noutras modalidades,
Noutros corpos, noutros rostos e noutras vontades,
Sou eu mais atlético, sou eu mais novo, mais velho...

E junto esses outros eus e com eles me aconselho,
Converso com eles, compartilho minhas intimidades,
São só imagens refletidas, mas que vivem verdades
Diferentes da minha, mas de ponto comum parelho,

Afinal, minhas alucinações não são nada mais que eu
Com outras formas, de outras ideias e de gênese igual
Por isso me conhecem e, no íntimo, sabem meu mal

E meu bem. E quem me vê por aí falando com elas
Jogando palavras ao léu, como eu, não poderá vê-las,
Elas não existem. Fazem parte deste imaginário meu.

Francisco Libânio,
27/04/11, 11:10 PM

Hai-kai 05


Observa o mundo, contempla, apreende...
Cada minúcia imperceptível de existência
Guarda mais poesia do que crê a ciência.

Francisco Libânio,
27/04/11, 11:16 PM

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Série Mente 03 - Medos


Meus medos são lobos dos mais cruéis
E têm os andares ardilosos e sorrateiros,
Seguem à espreita, sentem meus cheiros,
Desejam me devorar ou aos meus farnéis

Cheios de sonhos. E aí atacam em tropéis
Infernais. Os mais fortes são os primeiros
A morderem pernas contra chutes certeiros
E boca evitando que eu chame os batéis

Que me defenderiam deles. Minha solução
É me atracar ao pescoço do líder da matilha,
Os outros ameaçam, mas minha mão encilha

O Alfa e com força domo o medo dominante,
Mato-o e depois, à muita luta, venço o restante,
E sigo, mas ainda há lobos. É preciso atenção.

Francisco Libânio,
26/04/11, 11:27 PM

terça-feira, 26 de abril de 2011

Série Mente 02 - Minhas angústias


Minhas angústias são ervas maléficas e daninhas
A povoar o jardim onde eu planto minhas flores,
Meus arranjos e as outras tantas coisas minhas
Que pintam minha existência enchendo de cores,

Quando tudo está arrumado, chegam as folhinhas,
Depois as cascas grossas e aí os maus odores
Para finalmente brotarem angústias entre as vinhas
De meu recanto com gritos e gemidos ameaçadores

Ouço minha florada pedindo ajuda, ela se desespera,
E com sua força, ela luta como pode pela salvação,
Mas ainda que vença algumas angústias, a submissão

A elas parece inevitável não fosse um último alento,
Minha vontade de vê-la altiva recobra-lhe o tento
E subjuga as angústias, mas uma ainda me ulcera.

Francisco Libânio,
23/04/11, 12:25 PM

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Série Mente - Meus desejos


Meus desejos são como fossem carneiros etéreos,
Muitos, enquanto eu numa paz idílica os pastoreio,
Conto e reconto o rebanho em meus planisférios
Oníricos, cercados onde eles vivem sem arreio

Eu confio neles. São carneiros lanudos, são sérios,
Suas lãs cobrem o chão do pasto. Tomo-as e enleio
As patas aos meus pés. Eles balem mil impropérios,
Nunca foram prisioneiros, por que agora os cerceio?

Porque eu os quero próximos a mim, diuturnamente,
Eles não concordam. Esperam meu sono para a fuga
E fogem rumo ao infinito com a lã que me conjuga

Hoje, atado aos meus desejos, vôo a reconquistá-los,
Se retomo um procuro outros mais perto dos halos
E tento trazê-los ao chão, mas eu os busco eternamente.

Francisco Libânio,
23/04/11, 11:52 PM

domingo, 24 de abril de 2011

A corrida dos ovos


Era sagrada naquela família, todo domingo de Páscoa, a caça aos ovos por todas as crianças. Os adultos acordavam de manhãzinha e escondiam os ovos por todo o sítio do Vô Ananias, que ajudava feliz nessa tarefa. Às oito da manhã, as crianças eram acordadas, tomavam um café reforçado e depois eram agrupadas numa clareira. Dali começariam as buscas. A festa entre os oito primos começava e cedo ou tarde cada um achava o seu. E quem achava estava fora da disputa. Às dez horas, mesmo antes do almoço, a criançada ficava na sala empanturrando de chocolate. Normalmente, isso valia uma bronca severa das mães, mas na Páscoa, essa contravenção estava liberada.
Deu que no ano e que as crianças já entravam na casa dos dois dígitos de idade, uns mais adiantados e outros menos, uns se achegando aos quinze anos, preparação para a vida adulta e os dois mais novos que estreavam nos dez anos, os pais se reuniram e debateram se ainda valia a pena manter viva a brincadeira. As crianças já não eram mais tão crianças assim. Algumas já tinham se desfeito de carrinhos, bonecas, roupas infantis e estavam mais preocupadas com aparência. Não havia mesmo porque continuar com a corrida dos ovos. Seria um alívio para as contas da casa.
Mas como sempre acontece sem dever acontecer, havia um espião do grupo dos debatidos que escutou toda a conversa dos adultos. Então esse ano ninguém ia para o sítio do Vô Ananias caçar ovos de Páscoa? Não dava pra acreditar. Num aniversário de família anterior à Páscoa, o espião juntou todas as crianças e contou a terrível novidade. Pra quê? A festa dos adultos foi abortada. Primeiro, chegou um grupo dos primos perguntando por que não teria a corrida dos ovos. Os pais responderam que não podiam ir ao sítio do Vô Ananias e outras mentiras adultas. O berreiro foi ato-contínuo.
- Queremos a corrida dos ovos! – E o protesto seguiu a noite toda. Como eles adivinharam? Quem falou? Quem ouviu? Fizeram com tanto segredo a reunião dos adultos. Como pôde acontecer? Logo se deram pela realidade dos fatos. Eram cinco adultos contra oito crianças. Eles podiam ter mais maturidade, mas não há maturidade contra protesto infantil. Revogaram a decisão tomada e armaram o fim de semana no sítio, compraram e esconderam os ovos como todo ano. No domingo de Páscoa, foi a festa de sempre, mas os pais se perguntavam quem teria espalhado para as crianças que não era pra ter corrida dos ovos?
Às nove e meia, quando todos acharam seus ovos e se deliciavam na sala, o espião, talvez movido por culpa, foi ter com os mais velhos:
- Olha, eu ouvi aquele dia vocês conversando sobre a corrida dos ovos e fui eu quem falou para os primos.
- Mas você? Por que fez isso? Justamente o mais velho! Quinze anos, quase um homem!
- Porque mesmo já não sendo tão criança assim, é exatamente nesse dia que eu me sinto mais. Não consigo passar a Páscoa sem a corrida dos ovos. A culpa foi de vocês que me acostumaram assim.
Caso encerrado. A corrida dos ovos durou alguns anos a mais até todas as crianças crescerem e decidirem por si próprias que o tempo da corrida dos ovos tinha passado, o que era escolhido democraticamente, mas sempre com alguns votos dos saudosistas pela velha brincadeira.

Francisco Libânio,
24/04/11, 10:55 AM

sábado, 23 de abril de 2011

Massagem


Após eu me deitar confortavelmente
Foi quando perdi a posse de mim
E as mãos dela foram tomando
Lenta, calma... Gradativamente
Meu corpo menos meu e assim
Mais dela que me toma e é quando

Eu me esvaio de mim em jatos.
Ela tem além de mim e do corpo
Em suas mãos o meu desejo.

Francisco Libânio,
17/04/11, 10:32 AM

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Soneto de Sexta-Feira Santa


E nesse dia, segundo consta, morreu um Homem,
Como morreram tantos outros anos no mesmo dia,
Com a mesma violência e o prazer que consomem
Os homens que matam por mero gosto da agonia,

Mas aquele Homem que morreu, olha, enquanto jazia
Perdoava seus algozes! E o fez para que assomem,
Em outros homens, o exemplo e a atitude que fazia,
Mas poucos o fizeram. O homem continuou homem,

Continuou matando outros homens pra seu prazer,
Para se mostrar superior, para impor uma condição
E – absurdo! – até usaram o nome do Homem pra matar

E vem a Sexta-Feira Santa, sempre a nos reavivar,
De novo, a morte do Homem, a cruz e o perdão,
Quem sabe numa delas, os homens irão entender?

Francisco Libânio,
22/04/11, 11:25 PM

Soneto de Atitude


Eu que te amo e falo desse amor somente
Pareço cansar e, realmente... Falar de amor cansa,
Desgasta. Quem fala parece que mente,
Quem ouve se posta com tal desconfiança

Que mesmo que fosse amado plenamente
Esperaria do que ama um erro, uma lança
Fatal a ferir o coração cantado fundamente
Só para mais cantar como uma cobrança

O amor que sentia e que este amor matou.
Não! O que eu tinha a dizer de amor acabou,
Venham agora das palavras minhas ações

Um golpe na luta pelo amor que tanto digo,
Uma atitude apaixonada, um ombro amigo,
Tantas são e vão além de escrever corações.

Francisco Libânio,
22/04/11, 10:58 PM

A Lapa


O Cronista não é fã da noite, nunca foi um boêmio. Sequer ele bebe. Mas esta lua no céu, o clima de mar, a maresia, o sal no céu e, claro, os ares diferentes fazem com que ele meta-se numa roupa melhorzinha e saia para curtir a noite. E o melhor lugar para isso, dizem os entendidos, é a Lapa. Vamos para lá, então.
Pega-se, então, o Cronista com o primeiro problema. Onde ir? A Lapa tem tantos bares, tantos lugares que escolher um a esmo é um tiro cego. Ando pelos barzinhos, os restaurantes, as casas e vou tentando me simpatizar com alguma, mas é difícil. Todas são iguais na visão deste ignorante sobre diversão noturna. Duas voltas e muita gente, escolho um barzinho que, em alguma coisa me lembra os de Prudente. Há uma chegança de adolescentes, uma molecada que oscila entre os dezoito anos declarados e os falsificados. O que vale para eles é que o RG lhes dá salvo-conduto para beber quantas cervejas quiserem. O ambiente parece ter música ao vivo. Há um violão a postos então algo há de vir por aí. Até chegar alguém no palco. É agora! Não, não é. É só o gerente do lugar avisando que o cantor da noite não iria se apresentar hoje. É tudo o que preciso pra ir embora. Pago o suco de laranja que pedi e vou de novo zanzar pela Lapa atrás de diversão.
Com a noite já se adiantando, as opções muitas vão se lotando e os lugares vão mostrando sua cara. Há uma separação. Aqui adolescentes, lá yuppies acolá os descolados, tudo separado sem muita mistura de matiz. O Cronista, nessas, não consegue se encaixar numa cor. Já que é uma pessoa multicrôma continua procurando. Há de haver um lugar que me agrade. E não demora a chegar. Acho um barzinho em que se toca Jorge Benjor. Parece uma solução interessante. Entro pra vasculhar qual é a do lugar. Diferente de outros, parece ser uma lugar diverso, gente de diversas qualidades, jovens, velhos, casais, homens que, como eu, curtem a sua solteirice à toa e sozinho. Arrumo mesa. Um garçom simpático me atende e recomenda uma porção de tiras de carne acebolada. Nada mal. Outro suco de laranja e eu acompanho o som que de Benjor sai pra Tim Maia, Seu Jorge, volta pro Benjor e segue nesta linha soul com certas concessões para a MPB. Nada mal pra mim.
O lugar é tranqüilo e não parece ser daqueles que uma garrafada na mesa significa faísca pra quebra-quebra. Há famílias demais pra isso. Ao meu lado, uma família toma lugar e pede uma cadeira da minha mesa. Minha fala deixa claro que não sou daqui e eles curiosamente perguntam de onde. Eles também não são do Rio. São mineiros e vieram visitar a filha que estuda aqui. Me convidam para sua mesa, mas na verdade, são eles que terminam na minha. Conversamos sobre o que estou fazendo aqui. Apenas procurando me instalar e conhecendo a cidade. O pai conta que já quis morar no Rio, mas nunca conseguiu um trabalho que lhe valesse um bom sustento na cidade. A mãe gostava do Rio apenas pelo mar, mas não pelo resto. O filho adorava tudo.
A noite é muito boa. O casal tem histórias ótimas e, diferente de muita gente da minha cidade dita mais tranqüila, mais pacata, me dá uma confiança que assusta. Não sei quem é mais louco na mesa se eles, que se sentam com um estranho de um canto que eles nem sabem onde fica (e tive que explicar) ou se eu, que me deixou cativar por uma família que... Bem, podia não ser uma família. Podia ser um bando, nunca se sabe essas coisas de cidade grande. O que acontece é que a conversa com a família se enveredou pela noite. A música era boa e a conversa também. O que era suspeita passou longe e só fui me dar conta de que eu corria um grande risco, incalculável e absurdo quando cheguei ao hotel em que me hospedava após uma carona dos meus bons mineiros. Que podiam nem ser mineiros. Mas imitavam bem.

Francisco Libânio,
16/04/11, 9:24 PM

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Hai-kai de feriado


Um dia de sol pleno à completa
Desarrumação em ócio
E eu aqui, fechado, sendo poeta.

Francisco Libânio,
21/04/11, 2:42 PM

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O pecado da carne


À leve insinuação de um corpo que provoca,
O outro corpo cede sem entrega à provocação
E vira uma aparente dança sem beleza, oca,
Inútil, mas segue-se dançando em exaltação

Plena. Um dos corpos ao outro corpo toca,
Freme, despe-se e torna-se uma anunciação
Do pecado da carne. Um corpo faz de toca,
O outro de escondido. Consuma-se na ação

Dos corpos o que se vê o mais vergonhoso
Ato de luxúria aos padres. Brota-se o gozo
Dos corpos entregues ao proscrito pecado

Peca-se? Não se peca. Era um desejo antigo
Dos corpos tal encontro. Absolve-se do castigo,
Promove-se o prazer há tanto procurado.

Francisco Libânio,
20/04/11, 3:38 PM

terça-feira, 19 de abril de 2011

A mulher da manhã é linda e misteriosa


A mulher da manhã é linda e misteriosa,
Passa pela minha rua sempre em pressa
Indo ao trabalho ou não, não interessa,
Ela é linda e isso basta. Tão voluptuosa

E de rosto com óculos escuros, essa
Mulher, no que ela mostra, é maravilhosa,
Sonho com ela, penso nela por esposa,
Admiro-a quando vai e quando regressa

Um dia, menos apressada encontramos
Olhares, no outro, um tímido cumprimento
E num outro dia dou a ela alguns ramos

De rosas. Ah, minha doce e linda estranha,
Tua beleza me cativa em breve momento
Tua aceitação aos poucos me assanha.

Francisco Libânio,
19/04/11, 11:22 PM

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Indiscrição


Enquanto conversa, a Amiga mede frases,
Procura palavras. Há aqui algum interesse
Recíproco, mas vão se construindo bases
Para o próximo passo. A conversa se tece,

O olhar da Amiga fica mais e mais receptivo,
As mãos dela procuram as minhas mãos,
O teor da conversa ganha um tom afetivo,
Revelam-se a ambos os íntimos desvãos

Até que uma pergunta aparentemente casual
Fecha todas as portas, era questão íntima,
Fez-se oceano poluído com gotícula ínfima

A Amiga volvia menos amiga e nada mulher
Afastava-se doída tendo no rosto o desprazer
Pregado pela indiscrição, semente do mal.

Francisco Libânio,
17/04/11, 11:45 PM

domingo, 17 de abril de 2011

Porque este amor que eu te tenho


Porque este amor que eu te tenho
É maior que o coração pode dar,
Ele, um pote, e meu amor um mar
Exigiu de mim tamanho empenho

Que não soube como me portar,
Para amar era preciso tanto engenho
E tanta delicadeza que eu, ferrenho
Romântico, soube que não sabia amar

Dura realidade de dificílimo confronto,
Enfrentá-la exigia de mim preparo
E renúncia ao que pudesse ser caro,

Fi-lo e quando me encontrei pronto,
Meu amor forjado em sem iguais
Condições e aulas não te servia mais.

Francisco Libânio,
17/04/11, 7:43 PM

sábado, 16 de abril de 2011

Um pássaro


Um pássaro, no alto de uma montanha,
Vê o mundo a volta. Voar, ele tem medo
E sempre teve. Sua vida desde cedo
É o alto, são as nuvens e é esta sanha

De ir além também a sensação estranha
De que irá cair. Faz dali seu arremedo
De mundo. Até o visita o passaredo,
Mas fica lá, visita-o e depois ganha

Os céus para além dali outras paragens
Enquanto o pássaro instalado no alto
De sua montanha envelhece e fenece.

Comigo este pássaro triste se parece
A viver de outras emoções tão falto
Que perco o de bom entre bobagens.

Francisco Libânio,
16/04/11, 8:58 PM

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Em Copacabana


Sentado à praia de Copacabana, o autor olha o mar tão igual ao Oceano Atlântico noutros pontos que ele já conhece. Toma uma água de coco e começa a observar as pessoas que, na manhã de domingo, compõem uma típica cena praiana carioca. O encanto da Princesinha do Mar cantada em versos por tantos admiradores é o que ele espera para que a famosa praia deixe de ser mais uma e seja A Praia.
Perto de mim, um grupo de três rapazes e duas moças toma lugar. Notam que eu os observo e me cumprimentam rapidamente. Não quero passar nota de enxerido e divido a atenção ao grupo com o mar, que está manso não muito a meu gosto, e com outras passantes igualmente bonitas às moças do grupo a quem volto a atenção. Dois dos rapazes se enlaçam num abraço discreto e o outro deita uma das moças em seu colo. A conversa entre eles é animada e a outra moça sai pra comprar milho verde para todos. Dos dois moços abraçados, um recosta a cabeça no ombro do outro, que o acaricia. Percebi tudo. São dois casais, um convencional e outro que a sociedade convencionou chamar de “esse tipo”. Não agride. Passa por mi um vendedor de bebidas e compro um refrigerante para continuar minha manhã dominical contemplativa. A moça ímpar do grupo deita-se para tomar sol e pega uma revista qualquer pra ler. O casal convencional se deita também abraçadamente enquanto o outro casal informa que vai ao mar. Eles se levantam, dão alguns passos e voltam. Desistiram por algum motivo. De novo voltam a conversar. Dentre todos ali, os dois rapazes são os mais discretos. Sabem que na praia não são o único casal de homens, mas preferem se preservar. Agora são como todos os que estão na areia. Estão deitados tomando sol e curtindo preguiça num domingo. Esqueço-me deles, do mar, das moças bonitas que passam e começo a ler um livro que eu trazia comigo. O tempo passa sem que eu perceba quando alguém me cutuca o ombro:
- Por favor, amizade... – Era o rapaz que namora a moça.
- Pois não?
- A gente tá querendo dar uma salgada no mar. Pode olhar nossas coisas pra gente?
- Tudo bem, vai lá. Divirtam-se.
Vão os cinco para o mar conversando e rindo. Fecho meu livro e dou mais atenção às coisas dos banhistas. Sempre me falaram que vir à praia é meio perigoso, mas eles ficam fora por uns quinze minutos, voltam, agradecem meu favor e abrem uma caixa. Tiram algumas cervejas e começam a beber. Dessa vez vem um do casal de moços:
- Tá a fim de uma cerva, parceiro?
Agradeço. Hoje o dia não está para álcool. Quando vejo o Sol, ele já está alto demais. Para a maioria do povo ali, isso não tem a menor importância, mas quero sair do sol do meio dia. Arrumo minhas coisas, uma pequena sacola e vou embora. Quando me vêem indo embora, os cinco vizinhos se despedem simpaticamente. Sei que não os verei de novo e nem me ocupei de saber seus nomes. Mas me agrada ver situação simpática como essa. Às vezes essa pluralidade conjugada fora de guetos faz falta. Ninguém agrediu, ninguém se expos. Mas essa manhã em Copacabana serviu pra mostrar em que essa praia se difere. Nesse breve momento de convivência pacífica com o diverso.

Francisco Libânio,
15/04/11, 7:33 PM

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Quadra 01


Preciso de um abraço
Talvez não consiga
Estando em descompasso
De qualquer amiga.

Francisco Libânio,
14/04/11, 6:28 PM

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Namorado de muitas


Hoje fico com Maria, amanhã com Andressa,
Na quarta me vejo com Mara, depois, Leonor
Na sexta tem futebol, no sábado é Vanessa,
No domingo eu descanso. É preciso me repor,

E aí repito nomes e dias sem que me esqueça
Ou me confunda. Tantos nomes ainda a por
Nos dias que sobram. Mas ainda faço a peça
Do que vê e encanta e se entrega com furor

Pode ser que uma ou outra não veja na semana,
Não tem problema, eu arrumo um dia para ela,
Faço-a especial, única e ela não se desengana

É preciso cuidado para escolher nomes, porém,
Eles têm força. Rostos diferentes pedem cautela
E, nomes repetidos, podem machucar alguém.

Francisco Libânio,
08/04/11, 12:34 PM

terça-feira, 12 de abril de 2011

Soneto ao Destempero


Diga lá, Destempero, íntimo inimigo
Odiado, mas que quero ter por perto,
Responsável por todo meu desacerto
E pelo universo a girar em meu umbigo

Não me agrada tê-lo comigo, é certo,
Fazes mal, destróis, acaba comigo;
Por tua culpa perco a cabeça, brigo,
Desconcentro-me, mas também me alerto

Sei quais passos que não devo dar,
Aprendo doloridamente o meu lugar
E, enfim, reconheço-te um professor

Que quero comigo, como já tinha dito,
Mas distante, discreto e bem restrito
Para que em teu agir eu me faça melhor.

Francisco Libânio,
12/04/11, 8:08 PM

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Prisão Matinal ou Deixai-me usar o véu


Senhor gendarme, em nome do teu Cristo
Ou de qual que seja vossa crença,
Deixai-me! Não ajais bruto ou façais ofensa
Pelo que eu creio ou como me visto

Senhor, deixai-me orar à Meca. Fazei avença
Por agora comigo por este malquisto,
Por vós, traje de mulher, depois não resisto,
Vou contigo presa pela injúria imensa

De ser diferente e não me vestir como vós,
De ter meus costumes e de segui-los,
De professar minha religião e seus sigilos

Senhor gendarme, prendei-me e logo após
Lede o Cristo e o que ele vos falou
E pensai: Amais o outro como ele amou?

Francisco Libânio,
11/04/11, 7:01 PM

domingo, 10 de abril de 2011

Os cúmplices


Como se diz por aí, o bom da Democracia é permitir a pluralidade de ideias, a divergência sadia, o debate inteligente e construtivo e, sobretudo, a livre manifestação de pensamento. É ótimo que uma Democracia permita tanta liberdade, elemento fundamental na vida de qualquer ser humano e que só faz engrandecer a pessoa como tal.
Esquecem-se, no entanto, os arautos da Democracia que ela permite certas escabrosidades que se travestem de opinião e selvagerias que pedem para ser chamadas de manifestação. Esse é o grande problema. E tivemos um exemplo disso recentemente com o nefasto caso do deputado Jair Bolsonaro.
O homem em questão é um militar defensor da linha dura dos tempos antidemocráticos em que toda manifestação, toda opinião contrária à ordem vigente valia um cala-boca demorado ou definitivo. Até aí tudo bem. Há quem defenda o governo militar por questões ideológicas ou empáticas. Parece absurdo e contraditório que a liberdade de expressão permita que se manifeste quem simpatiza com a sua ausência, mas vá lá.
A questão, no entanto, é muito maior que essa. Bolsonaro é uma pessoa que se orgulha de nutrir preconceitos – algo que não cabe numa Democracia – e, mais que isso, faz questão de propagá-los e até de propor formas violentas para combatê-lo. Uma pessoa que diz que “palmada ajuda a ser homem” e combate homossexualidade pode até usar da Democracia para expor seu incômodo com algumas coisas, inclusive a homossexualidade embora isso seja um tanto estranho e retrógrado. Mas daí a demonizar, ridicularizar e combater com violência se torna algo totalmente diferente. E pior, configura em algo que toda Democracia séria caracteriza como crime. E esta deveria caracterizar também, mas não o faz. Ainda.
Aí, depois de um programa de TV infeliz em que Bolsonaro soltou várias frases com ódio e preconceito destilados e depois da indignação contra o circo de horrores, apareceram defensores ferrenhos do deputado. Algo pertinente numa Democracia. O problema é que essa se defesa se pautou na mesma pregação de violência e ódio que fez trilha com o dizer do defendido. E a maior graça da Democracia, o debate construtivo, a divergência sadia deu lugar para argumentações do tipo “os gays são promíscuos e não tem vergonha” ou “eles querem destruir a família”. Para reforçar o embasamento do absurdo, diversos versículos da Bíblia foram descontextualizados e soltos. Nunca a palavra “anormalidade” foi tão dita. Então normal é ser hetero. Heteros não são obscenos, heteros constituem famílias felizes de comercial de margarina, enfim, heteros são a normalidade. Abaixo a doença da homossexualidade. Quanto ao preconceito envolvendo cor, os defensores de Bolsonaro foram mais comedidos já que racismo configura crime e a maioria se limitou a dizer que o deputado não tinha entendido a pergunta da cantora Preta Gil sobre um filho namorar uma negra. Ele teria confundido com gay.
Foram semanas em que os temas homofobia e racismo ficaram em voga e foram democraticamente debatidos e desaguou neste sábado em manifestações pró-Bolsonaro e anti-Bolsonaro no mesmo local separadas por um cordão de policiais. Do lado a favor, encontramos gente com máscaras, tatuados com suásticas, neonazistas, frases pregando que Direitos Humanos servem só pra humanos direitos (seja lá o que isso for). Até aí, tudo pertinente dentro de uma Democracia, mas daí a andar armado? A gritar frases violentas e cartazes cheios de ódio? Ameaças ao outro grupo? Prisões flagrantes? Bolsonaro cometeu crimes em tevê aberta e amealhou simpatizantes, cúmplices. Gente que foi à Avenida Paulista e se não houvesse segurança partiria para a briga com estrelas ninjas. Gente que usa da Democracia para abusar e propagar violência e superioridade. Gente que se esquece que liberdade de expressão e apologia ao crime são coisas distintas. Uma é louvável. A outra é nojenta.

Francisco Libânio,
10/04/11, 12:38 PM

Quando elas se beijaram


Quando elas se beijaram, o mundo
Abriu a boca como se chocado,
Os padres pediram excomunhão
E chamaram o beijo de ato imundo,
As mulheres sentiram tanto asco
Que taparam os olhos das filhas,
Mandaram os filhos pra dentro,
E chamaram as duas de infelizes.
Os homens de barba e bigode,
Senhores probos, acharam horrível,
Os homens que ainda nem eram,
Eram meninos que usavam calças,
Sentiram a natureza em torpe revelação
E morreriam a ceder àquele desejo

Quando elas se beijaram, seu mundo
Abriu um horizonte nunca revelado,
Um jardim de flores abrir no chão,
Um desejo de beijar mais profundo,
Ouviram, sim, vozes de um carrasco,
Mas se entregaram de vez às maravilhas
Que era este novo mundo, este momento
Revelador que as fazia satisfeitas, felizes;
Que mais que dizer o que se pode
Ou o que não se pode fez compreensível
A existência de forças que as prenderam,
Forças que provaram que eram falsas
Opiniões alheias e inúteis julgamento e condenação,
Forças que o Amor converteu num beijo.

Francisco Libânio,
04/04/11, 7:00 PM

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Relíquias


Que se podia fazer? Era o que pensavam a caneta tinteiro e o mata-borrão decorando a sala numa cristaleira igualmente nostálgica, mas caduca demais para pensar no passado glorio. Eram as meninas dos olhos do patriarca daquela família.
- Quantas cartas eu escrevi, hein, velho companheiro?
- Nem me lembre – pedia o mata-borrão – Formávamos uma dupla perfeita.
Paralela à conversa saudosa, uma máquina de escrever tirou também seu comentário do alto da cristaleira:
- E pensar que eu fui o presente mais festejado da casa dado à segunda geração dessa família. Quantas páginas escrevi! Quantas boas ideias compartilhei! Agora é curtir uma aposentadoria a contragosto.
A lamentação entre as relíquias era muito triste. Duas gerações de tecnologias arcaicas e românticas lembravam seus dias áureos quando foram interrompidos por um trambolho posto numa mesa especial e, por isso mesmo, um tanto antipatizado:
- Eu podia não ter tantas cores nem ter tanta velocidade, mas ajudei muita gente nessa família. Fui fonte de diversão, de inspiração e de entretenimento. Hoje não acompanho nenhuma dessas modernidades que, simplesmente, me forçaram a parar de trabalhar. Como eu queria mostrar que ainda sou útil! – Era o velho computador 486, a porta de entrada daquela família na era informatizada, mas que hoje, não passava de um pedaço de memória naquela sala cheia de recordações.
Perdido no meio de tantos anos e três gerações destituídas rapidamente de seus ofícios, o IPAD do neto, novo xodó da casa, passou a temer pelo seu futuro.

Francisco Libânio,
17/12/10, 9:04 AM

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Hai-kai 04


Ama como se amasse menos
Que amarias no dia de amanhã,
Isso fará os amores mais plenos.

Francisco Libânio,
07/04/11, 5:49 PM

Triste dia


E se de repente, numa sala de aula, abrisse uma porta e uma singela aula infantil, em que crianças tomam contato com letras, com números, com o primórdio do saber fosse interrompida? Não por um diretor querendo passar um recado, não por uma mãe preocupada com a saúde do seu filho ou mesmo por um marketing barato que ainda acontece em algumas escolas.
Mas se essa aula fosse interrompida por um insano com duas armas nas mãos a dar tiros a esmo acertando o que acertar. Mesmo que o que ele acerte sejam crianças que só queriam ter o primeiro contato com letras, com números? Que cena triste, meu Deus! Que falta de amor no coração! Que impiedade monstruosa!
Infelizmente aconteceu. Não num filme catastrófico como vemos direto pela televisão nem numa escola distante, nos Estados Unidos, onde o primeiro mundo e a educação exemplar se trombam com ataques que parecem vir de um desses filmes. Não. Aconteceu numa escola no Rio de Janeiro, perto da gente, perto de quem vê esse tipo de notícia na TV e se benze pedindo a Deus que nunca aconteça aqui. Mas, infelizmente aconteceu.
Não é questão de julgar o assassino agora. Louco? Animal? Inconsequente? Tudo isso ele era. Um pobre desequilibrado seduzido por ideias torpes. Não há agora religião, não há causa, não há ideologia. Houve um insensato que abriu fogo numa escola e inocentes que morreram. O causador das mortes morreu. Não será a Justiça que ira dar o veredito de sua insensatez nem serão psicólogos e psiquiatras que dirão verdades sobre o caso se nem conheciam o rapaz. Ele estará junto com as mesmas crianças que matou. O que vai acontecer com ele e com elas não cabe a nós meros animais viventes e racionais saber. A Justiça Etérea, aquela que está acima de nós e próxima aos deuses será muito mais sábia que nosso pretenso poder de julgar. Cabe a nós a lembrança das crianças que morreram enquanto aprendiam, a oração a elas e pedir que isso jamais se repita. Que insensatos fiquem longe de armas e de ideias perigosas e que crianças fiquem longe de tudo isso. A pena a essa pobre alma que encerrou a vida breve de várias crianças será justa. As crianças que morreram, essas não voltarão mais e deixarão apenas uma dor e um buraco em suas famílias. Que recebam solidariedade.

Francisco Libânio,
07/04/11, 2:19 PM

terça-feira, 5 de abril de 2011

Os Trapezistas


Para o alto sobem os trapezistas. Escadas
Que ligam nosso chão ao céu dos astros
E que, uma vez lá, descem. Só os mastros
Colocam essas extremidades separadas

O medo ou não existe ou não os alcança,
Os trapézios balançam, pendulam acima
Dos céus, a serenidade deles os sublima
Enquanto abaixo uma rede faz segurança

Vai o primeiro trapezista a voar, o segundo
A tomar firme as mãos do outro, o terceiro
Noutro trapézio jogando o companheiro

Que voa sem asas antes aqui e num segundo
Ali e vão voando os intrépidos astronautas
Como pulassem no chão em esferas altas.

Francisco Libânio,
05/04/11, 4:27 PM

A caminho do Coração Selvagem


Confesso com certa vergonha que ler Clarice Lispector nunca foi meu hobby. Talvez por tê-la lido muito novo e ter entendido pouca coisa ou por ter pego um dos livros que, talvez, não seja um dos seus melhores. Refiro-me ao A Hora da Estrela, que tem uma história legal, mas que achei arrastado. Desde então se tornou tão chato quanto José de Alencar pra mim.
A diferença é que, de José de Alencar, de quem eu tinha acabado de ler Senhora para um trabalho de colégio, eu resolvi ler por conta Lucíola mesmo achando enfadonho, cansativo e detalhista demais. Faltou a mesma curiosidade para ler Clarice. Até então, tudo que tinha passado por mim dela foi o livro já citado e outro, de contos, cujo título não lembro, mas que tinha, isso sim me lembro, um dos mais fantásticos que já li, Felicidade Clandestina. Tinha outro também, chamado Esperança. Enfim, tenho Clarice em minha mente como recortes, não como uma figura completa.
O tempo passou, várias pessoas passaram também pela minha vida e muitas delas tinham Clarice como sua autora de cabeceira, com uma citação da escritora que descrevia sua alma e acertava sensacionalmente a alma humana por tabela. Ficava aquela impressão de vazio. Eu conhecia boa parte da obra de Machado de Assis, alguma coisa de Guimarães Rosa (sem saber citar, já adianto. O Cronista é um péssimo citador), mas era –e ainda sou – um zero à esquerda quando o tema cai em Clarice Lispector. Culpa minha, evidente.
Claro que me doutorar na escritora não fará de mim uma pessoa melhor, um melhor cronista, um melhor poeta, nada. Poderá me inspirar em alguma coisa, trazer um insight, uma reflexão, o que é muito melhor que uma crônica. Também me doutorar em algo sem orientação faria de mim não um doutor, mas um pedante. Seja como for, é proposta intelectual para mim esse ano ler, pelo menos, dois livros de Mrs. Lispector e poder ter cabedal para conversas afins. Clarice tem bastantes leitores e fãs. Um a mais não lhe acrescerá nada mais do que ela já tenha e mereça. Mas certamente, este será um esforçado aluno que quer, mais que se deixar cativar pela obra, desfazer uma antipatia adolescente, como muitas já foram desfeitas antes.

Francisco Libânio,
05/04/11, 7:55 PM

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Pecado


Mais que viver em pecado, pior heresia
É não se arrepender, é ser eterno pecador,
É deixar se consumir num ígneo ardor
E se consumir nele vivendo à revelia

Dos preceitos que nos salvam da dor,
Da reflexão que depura a alma e auxilia
A ver com os olhos o que ela não via
E de tudo o que faz nosso peito pior

Sei de tudo isso, sei que, pecadores,
Todos somos de quando nascemos
Até nosso último dia como viventes

Mas como desvencilhar das serpentes?
Como fugir desses desejos extremos
De possuir teu corpo e teus calores?

Francisco Libânio,
04/04/11, 7:14 PM

domingo, 3 de abril de 2011

O travesseiro e o beijo


Neste sábado teve o Pillow War Day em São Paulo, um evento que se convencionou chamar de flash mob. Pessoas marcam na Internet um encontro e vão. O de ontem, como o nome indica era uma guerra de travesseiros. Assim, um monte de pessoas se reuniu e começou a trocar travesseiradas uns nos outros. Bobo? Aparentemente, sim, mas é uma brincadeira e não há mal em brincar.
Para os mais velhos, categoria que inclui os da idade do Cronista e os de mais idade, esse tipo de evento não passaria de uma reunião de desocupados, diversão vazia de gente de classe média. Numa análise fria, não deixa de ser isso mesmo. Quando noutros tempos gente desconhecida se reuniria aos montes pra ficar brincando como crianças pequenas? Nunca, mas tantas coisas boas e ao mesmo tempo não se fazia antigamente que fica a impressão que se os tempos de hoje parecem bobos os de antanho parecem chatos.
A Internet apareceu definitivamente na vida moderna e é impossível dissociá-la da mesma forma que a televisão apareceu como aparelho de massa nos anos 60 e 70 com programas que influenciavam a opinião pública. Novelas moldaram comportamentos, seriados criaram heróis. O primeiro beijo na boca de uma novela estarreceu a audiência. A TV Tupi recebeu cartas indignadas com a imoralidade. De lá até cá, a televisão virou peça indispensável em qualquer lar e o hábito de assistir a novelas se incrustou na vida do brasileiro. E as novelas transformaram aquele beijo em coisa tão prosaica, tão normal que hoje somente um beijo não assusta nem indigna mais ninguém.
A comparação até aqui é absurda, mas mesmo torta dá pra desenhar uma noção. A televisão naquele tempo e a Internet hoje entraram na vida das pessoas. Naquele tempo, um beijo revoltou os telespectadores. Hoje, um flash mob deixou perplexa uma camada de pessoas que viu outras se esbofeteando com travesseiros em praça pública. Naquela como nessa época, o beijo e o travesseiro não tinham a finalidade de agredir, de chocar. Um era uma cena no contexto de uma novela e o outro uma forma diferente de se divertir, de socializar. Estão dando travesseiradas e não se batendo com socos ingleses ou cassetetes. O saldo final é muita risada e não contar escoriações.Para muitos de nós mais velhos, a coisa continua sendo, apesar disso, uma tremenda bobagem. Mas é preciso ver por todos os olhares. Claro que um flash mob envolvendo caridade, doação de sangue, ajuda a quem precisa seria algo muito mais nobre que uma mera guerra de travesseiros. E a gente espera que quem teve essa ideia em algum lugar do mundo (é um evento mundial. Aconteceu em São Paulo, mais vinte cidades no Brasil e outras tantas pelo Planeta) use essa sadia criatividade para o bem alheio. Certamente, a semente está plantada. Uma coisa séria após a inusitada diversão.

Francisco Libânio,
03/04/11, 10:35 PM

sábado, 2 de abril de 2011

Procura


Procuro a felicidade andando em minha rua
Como se eu procurasse alguém conhecido
Ou como se ela pudesse ter, algum dia, sido
Perdida em meus andares. Buscá-la acentua

Ainda mais o treinamento de cada sentido,
Minha visão se cansa, a audição se habitua
A ruidinhos enquanto em meu tato se tatua
Desenhos feitos com o passado dolorido

O olfato guarda perfumes e a eles procura
Como eu procuro a felicidade e se apura
Com tantas felicidades por aí que não são,

Mas se a procura serve para que eu depure
Sentidos, afasta do óbvio, Mais que procure
Felicidade na rua, só a terei ao fim da afobação.

Francisco Libânio,
02/04/11, 7:23 PM

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Primeiro de Abril


Era desconfiado até da própria sombra. Nunca aceitava nada de ninguém porque podia ser golpe, gracinha ou descaro. Presente nem mesmo dos amigos. E o pior dia do ano era, sem dúvida, o Primeiro de Abril. Evitava ao máximo contato com outras pessoas e nunca deixava nada para ser feito ou contado por outra pessoa. Aquele ano, depois de ver a folhinha no dia anterior, ao acordar, a primeira coisa que fez foi se apalpar para ter certeza que estava vivo. Sim, estava. Tomou banho olhando para os lados e só um copo de café. Não queria correr o risco de ser envenenado. Não considerou que morava sozinho e ninguém poderia ter aprontado nada contra ele. E se tivesse entrado em casa durante o banho e esparzido veneno no pão? Nunca se sabe.
Foi ao trabalho a pé e recusou carona de um amigo. Vai que ele resolvesse aprontar alguma? Nesse dia, todo mundo sempre apronta alguma. Chegou e foi direto à sua mesa e meteu a cara no batente assinando papéis, carimbando notas e atendendo telefonemas. O pessoal da seção resolveu almoçar junto e ele foi? Nem em sonho. A tudo que lhe diziam, a resposta era um “você está brincando” e tudo que lhe perguntavam recebia um “não sei”. Fez seu trabalho a contento e sem brincadeiras. Sexta feira, dia para um happy hour, chopada e petiscos? De jeito nenhum! Voltou pra casa a pé, outra vez, recusou caronas, conselhos para tomar ônibus. Não queria cair em nenhuma brincadeira de Primeiro de Abril.
Em casa, vendo TV, não acreditou em uma notícia que passou no jornal nem em nada. Pegou algum livro e foi ler antes de dormir. E não demorou muito. Veio o sábado, dia em que mais se permitia a ser solto e menos armado. Ao ligar a TV para ver a programação matinal deu com a fala que balançou todo seu dia:
- E a oferta desse tênis, parece Primeiro de Abril, mas não é. Vale para hoje, dia três até o fim da semana.
Então ontem não foi Primeiro de Abril? De jeito nenhum. Foi ver na folhinha e se lembrou que tinha esquecido de arrancar algumas. Casava certinho, sábado três de abril. Fez todo o ritual no dia errado passou o Primeiro de Abril, que lhe contou mentira no dia seguinte, desarmado. Desde então se viu curado de todos seus traumas.

Francisco Libânio
01/04/11, 3:01 PM