sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ficha limpa


- Bom, seu Anésio, pelo que pudemos verificar numa breve pesquisa sobre o senhor é que o senhor tem hábitos bem pouco cidadãos.

A essa afirmação, ele olhou de testa franzida a moça que lhe passou isso. Esperou estranhado as acusações que viriam ao desdobrar do papel contando seu nome. Ouviu:

- Aqui consta que o senhor tem o hábito de estacionar seu carro na vaga especial de deficientes no supermercado da cidade...

- Coisa rápida, querida. Cansei de andar por aquele estacionamento lotado e ter três vagas vazias reservadas a deficientes e nenhum deficiente fazer uso delas. É tão rapidinho que eles podem esperar.

- ... E que quando o senhor não consegue estacionar nessas vagas porque outro o fez, o senhor ocupa as vagas reservadas aos idosos.

- Linda, eu tenho cinqüenta e sete anos, praticamente um sexagenário, estou aposentado há quatro. Já não sou nenhuma criança e muito menos um rapazola. Creio estar no meu direito. O que é idoso pra vocês? Acima de cento e vinte anos?

- Também consta aqui que o senhor é reincidente em parar o carro em vagas de ambulância nas proximidades da Santa Casa. Inclusive, por causa disso, o senhor perdeu alguns pontos na carteira, confere?

- Confere, claro que confere. Mas isso foi culpa da impaciência do guarda. Eu não tenho culpa se sempre que passo perto da Santa Casa eu me lembro de comprar cigarros no bar. É coisa que não demora dez minutos. Numa delas, eu estacionei logo depois da ambulância sair. Certamente ela iria demorar e quando voltasse, eu já estaria em casa.

- Sim, mas o senhor reconhece que o senhor não pode fazer isso?

- Poder não pode, mas todo mundo faz. O problema é que tem um urubu na minha sorte. Acontece isso mil vezes por dia e só eu sou multado. E nem adiantou oferecer uma cerveja pro guarda que ele não aliviou.

- Então quer dizer que além de cometer uma infração o senhor confessa que ainda tentou subornar um policial?

- Suborno é uma palavra muito feia, filha. Quem suborna é são esses caras safados que oferecem uma grana preta pra conseguir um benefício próprio. Eu só quis que o polícia fosse camarada comigo para que ele não se estressasse com coisa pouca nem estragasse meu dia.

- E o que o senhor diz sobre o fato de jogar lixo no terreno que seu vizinho usa como área de diversão pros filhos? Há inúmeras reclamações dele contra o senhor.

- Esse imprestável tem um terreno baldio pra criar cobra e rato, moça. Ele tem lá uns brinquedos para disfarçar. Aquilo é esconderijo pra vagabundo. As crianças brincam lá só aos sábados e domingos. Na sexta o lixeiro passa e pega. Ele quer é arrumar confusão pra minha cabeça.

- Bem seu Anésio, há ainda algumas outras coisinhas aqui contra o senhor, mas vamos passar para as coisas grandes. O senhor já cometeu algum crime?

- De jeito nenhum! Crime de matar e roubar? Nunca!

- Pelo que vejo, sua situação com a Receita também está em dia. O senhor declara seus bens pro Leão?

- Todos eles. A gente faz um xuxo aqui e lá, mas meu nome tá tranqüilo com a Receita Federal. E as outras também. IPTU pago com um atrasinho, mas coisa pouca.

- Bom, como o senhor é comerciante, crime próprio, peculato, improbidade, essas coisas... Nada consta. O senhor nunca trabalhou como estatutário?

- Jamais. É graças a minha honestidade que eu quero mudar de vida e fazer alguma coisa pela minha comunidade.

- Pois muito bem – e a moça bateu o carimbo – aqui está sua admissão. Sua ficha é de fato, limpa, o senhor é, oficialmente, candidato a deputado estadual e seu número de campanha é esse que o senhor escolheu 99899.

E saiu do Departamento de Pesquisa Pessoal Para Admissão Política já pensando num jingle e em como poderia reformar sua casa caso ganhasse a eleição.


Francisco Libânio,

03/09/10, 9:33 PM


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Teu sorriso


Branco em meio à tua tez escura
É o contraste que divide as cores,
É a paz que minha alma procura.

Francisco Libânio,
02/09/10, 12:26 PM

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A coisa certa


Pedes-me que eu fale a coisa certa ou a faça.
Certo. E eis que se fez uma grande interrogação
Em minha mente. Coisa certa, coisa certa. Caça
Que caça uma palavra, um gesto, uma ação

Teu olhar de espera tristeza e o tempo que passa,
A coisa certa, a coisa certa... Céus! Fala, dá uma noção
De coisa certa, qualquer uma que te satisfaça
Ou qualquer coisa que possa atingir teu coração

Enquanto isso, teu silêncio me repreende duro,
Chama-me de insensível, de tolo, de incompetente,
Questionas meu amor por eu não te demonstrá-lo

Eis que, pressionado, apelo para um tiro no escuro,
Tomo-te em meus braços e te beijo ardentemente
Se foi a coisa certa não sei, mas aprovas tal regalo.

Francisco Libânio,
31/08/10, 9:30 PM