sexta-feira, 30 de abril de 2010

Uma questão de pegada

Andando pelo calçadão da Maffei, paro numa das tantas lanchonetes do lugar para comer alguma coisa e beber algo que rebatesse o terrível calor que faz nesse lado oeste do Estado. Quando me ajeito depois de pedir uma limonada e uma coxinha, esquadrinho o lugar e dou com uma amiga que há muito tempo eu não via. Ela me reconhece e me chama pra conversar, o que faço contente:

- Ei, Mariana, como você está, moça?

- Tô meio chateada. Odeio quando o passado me persegue.

E aí ela me conta que está namorando, super feliz, mas que o ex-namorado anda cercando sua vida. E que ela anda numa certa dúvida:

- Eu gosto do meu atual namorado. Ele é legal e me faz feliz, mas é que o ex tem uma pegada que eu vou te contar.

- Mas num namoro tem outras tantas coisas que você precisa avaliar além disso. – expliquei – Se ele é legal, se ele te faz feliz, te compreende e gosta de você.

- Você não entendeu. Meu namorado atual tem tudo isso. Mas a pegada do ex... Nossa! É uma coisa sem igual. Se você sentisse a pegada dele, ia concordar comigo.

Silêncio geral. Creio que foi uma frase extremamente mal colocada. Ok, a moça está indecisa entre o atual e o antigo amor. Dou-lhe uma prensa a saber se ela, por acaso, andou provando sabor já conhecido enquanto já tinha seu prato. Ela diz que não porque isso de relembrar momentos não é com ela. Ou tá com um ou tá sem ninguém. Trair namorado é que ela não ia. Depois parou, refletiu e terminou:

- Mas tá difícil, viu? Ah, aquela pegada!

- Mas e seu namorado atual? Ele também não tem pegada? – pergunto já irritado com essa nostalgia pontual.

- Tem, ele também não me deixa a desejar em nada e me satisfaz em tudo. Até fora desse assunto. Mas o ex... Sempre que penso nele, só penso nessa pegada que ele tinha. Era uma coisa enlouquecedora. Não dá pra explicar.

- O que não dá pra explicar é você ficar toda saudosa de uma coisa que passou e ficar aí pensando nele. Se era tão bom, se a pegada era tão boa, por que terminaram?

- Porque ele era um atraso na minha vida. Ciumento, machista. Ficava todo nervoso quando eu estava com meus amigos. Um babaca. Por isso terminei com ele. Hoje, meu namorado e eu resolvemos tudo no diálogo. Antes, eu era a última a falar.

- Então nem só de pegada vivia o namoro.

- Mas a pegada dele era uma coisa só dele. Você não entende. Um dia ele vai pegar você e aí você vai concordar comigo. Aquele homem era tudo!

Nisso eu ouço alguém gritando:

- Mariana, quem é esse sujeito?!

Era o ex. O cara veio batendo duro até nossa mesa. Chegou que nem touro brabo. Perguntei o que ele tinha a ver com a vida dela se era um ex. Ela ficou muda e ele esperava alguma explicação. Do nada, o maluco me olhou e disse:

- Saia correndo daqui ou eu te pego, seu miserável!

Paguei minha conta e saí calmamente. Se era essa a pegada a qual minha amiga se referia, nem ela nem qualquer que fosse me interessaria conhecer.


Francisco Libânio,

29/04/10, 3:43 PM


Extraída de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8owD8XIxk6KSkTrY1HJV3D-VCDvCMUIn1Wi4qbUljRGikFSa993Vp3EjloLdkiZnZntDXW4-CdJIRl7O7ynqK-xH5vnYFOj391Fv7hCvx6uBU2IjfsO5TpaggbPA_tZfJjFgTviMNTHw/s400/pegada.jpg

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Das quatro paredes


Espaço delimitado e sabido, dois partidos,
Um conflito acalorado cujo resultado jaz
No silêncio dos corpos tombados e abatidos
Celebrando juntos a vitória absoluta da paz.

Francisco Libânio,
29/04/10, 11:21 AM

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Gata da rua


Gata da rua, baldia, de pele escura,
De mil homens que quer um escolhido,
Mas que deixa clara sua vida impura,
Seus dotes na cama e o rol já corrido

Gata da rua que a tantos murmura
Palavras chulas em lugar já sabido,
De tantos que já foste ainda procura
Um homem para amar e honrar por marido!

Sei que todos sonhamos no íntimo
Em achar um amor e sei que sabes estranho
Uma como tu, que faz do amor ganho,

Querer também o teu. Não te oprimo
Por sonhar com alguém, que ao te ver nua
Veja uma mulher e não só a gata da rua.

Francisco Libânio,
05/11/09, 12:30 AM


Foto extraída de http://invision-images.com/archive/stories/la%20muda/INV-DKA-150/preview

terça-feira, 27 de abril de 2010

Li um livro que muito me mostrava


Li um livro que muito me mostrava,
Um livro em que o sacro e profano,
Triste e alegre, tudo se misturava
Enquanto sua leitura fazia o plano

De me prender. Uma página acabava,
Vinha outra. Era o livro meu decano
E meu tutor e eu o noviço que calava
Ao aprender com o acerto e o engano

As letras, todas elas me diziam tanto
Com autoridade de consolar meu pranto
Bem como saborear o meu sorriso

Este livro, tão sábio e sobre mim preciso,
É meu compendio de antigas fotografias
Guardiãs do tempo e daquelas alegrias.

Francisco Libânio,
04/11/09, 12:44 AM


Foto extraída de http://www.screensaversstore.com/images/screenshots/magic-book-3d-screensaver-1.jpg

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Farol


O que és, olhos dos mares, guias dos cegos
Pelos nevoeiros, que não uma representação
De santas almas que tomam outros pela mão
E exercem pelo bem o melhor dos empregos?

Tu, inanimado, ereto, passivo cumpre função
De guiar o alheio e nisso prescindes de egos,
De pagas, de louros. Apenas fazes com apegos
E cuidados o que te mandaria um coração

Se coração tivesses, ó farol, a iluminar recantos
Difíceis porque sabes o quanto tem de valor
Tudo o que o infortúnio tenta do bem desviar

Mas em meio a um mar em fúria e aos prantos
De chuvas, conduzes, crês no que há de melhor
E, como os abnegados, por isso lutas a preservar.

Francisco Libânio,
26/04/10, 7:46 PM


Extraído de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaYF73pkS6PsK_UCkTY8A3nBXswIqGWzeY-vV9cXeOK3hLkd7SCIRyxttX9NMd4JqBcnMV-EgFgKOXz90CKjRsV1pp7-ZXXIztrAxTbT-VKC4_TAG0q1xSPrVvkISFFEhbYWQGxHCYnDg/s320/farol.jpg

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Arturo


Quando minha esposa ficou grávida, a felicidade foi tanta que ela só pensava nos nomes a dar para o futuro rebento. Aliás, os nomes não. O nome. Para quem quer que perguntasse, a resposta era na ponta da língua:

- Arturo!

Sim, Arturo. Ela, assim como sua família, ela adorava ópera e queria que o menino se chamasse Arturo igual ao Toscanini. Sempre que perguntavam a ela, voltavam a mim com a mesma pergunta. E era sabido que eu sempre discordei, afinal nunca fui muito fã desses nomes estrangeirados. Por que chamar de Joshua quando pode ser Josué? Por que se chamar Jean Pierre se pode ser João Pedro? Mesma coisa para Arturo. Podia ser Artur sem problema nenhum. E remeteria a um dos grandes heróis históricos a quem sempre admirei, o rei que presidia a Távola Redonda. Haveria um consenso e uma homenagem a dois admirados. Mas a futura parturiente estava decidida. Queria Arturo, e ponto final. E dane-se que eu era o co-autor do filho e mereceria meus cinqüenta por centro de consideração bem como ter minha opinião igualmente pesada e medida.

Mas, não. A mulher não arredava o pé. Quando soube da gravidez já tinha o nome guardado debaixo do braço. Estava decidida a ser mãe de um Arturo, quisesse o pai ou não. Várias vezes lhe perguntaram sobre a hipótese de sair uma menina daquela barriga. Ela desconjurava. Dali sairia um moleque que se chamaria Arturo. E que não viesse o pai com essa pobreza de chamar de Artur. Se os pais do cantor não o fizeram por que ela o faria? Nossos amigos, volta e meia, procuravam dissuadi-la, não do nome, que também achavam bonito, mas dessa fé inabalável em ser mãe de um menino.

Foram assim os nove meses. Negociar o nome com a esposa foi o maior gasto de saliva e de ideia. Meus sogros, aqueles que adoravam ópera, tomaram partido da minha luta, mas cadê que ela ouvia os pais? Pior eram os planos mirabolantes que ela tinha. Queria que ele fosse cantor lírico também. Achava que o nome poderia atrair o dom, aquelas coisas de mãe novata e tal. Não que eu não desejasse isso ao meu futuro garoto, se garoto fosse, mas penso que nomes e talentos nem sempre se casam. Mas explique isso a ela.

Até que um dia, enquanto assistíamos a um filme, a bolsa da minha senhora estourou e tivemos que correr para a maternidade. Foi o feliz dia em que nasceu Maria, a menina mais linda do mundo que, para ficar ainda no gosto lírico da mãe, homenageia a cantora grega, mas que com cinco anos não suporta ópera. Já disse que quer ser veterinária porque adora bichos.

Essas crianças...


Francisco Libânio,

23/04/10, 12:22 PM


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Perdição


Tua beleza... Eu até que tentei resistir a ela,
Tentei evitá-la, até fui ao enfrentamento
Mas tombei e tombo sempre que ouso vê-la.

Francisco Libânio,
22/04/10, 11:36 AM

Extraído de http://datingmingle.com/images/seduction.jpg

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Bem que eu queria ser o companheiro


Bem que eu queria ser o companheiro
Que tanto procuravas, ser o porto seguro
Das tuas aflições, aquele que dinheiro
Algum pudesse pagar. Queria... Eu juro!

Mas talvez, eu devesse ser menos duro,
Menos hesitante, sentir o teu cheiro
E me deixar viciar e não o tiro no escuro,
Que, desconfiado, te fiz o tempo inteiro

Estivemos distantes, mas bem perto,
Tu, uma porta aberta à minha espera
Eu, o que vira o que seria somente meu,

Mas recusei. Fechaste-te e esmoreceu
O abrigo e abriu-se uma funda cratera
Entre nós com este amor que não deu certo.

Francisco Libânio,
03/11/09, 12:05 AM


Extraído de http://sp4.fotolog.com.br/photo/4/25/56/tatahprincess17/1269033313066_f.jpg

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Metamorfose


Estou a poucas horas de tomar um ônibus para Caraguatatuba, em São Paulo. A viagem para cá foi cansativa, mas valeu a pena. Enquanto espero o carro que me leva para o litoral, uma crônica me visitou e era preciso colocá-la no papel. O problema é que, da hora que cheguei até o momento que tive tempo para atendê-la, ela simplesmente se metamorfoseou de um tanto que não lhe reconheço mais a cara. Coisas de São Paulo. Se, ao invés do terminal Tietê, eu estivesse no terminalzinho de Prudente ou mesmo em qualquer lugar, ela seria a mesma desde quando a concebi desde seu nascimento. Mas foram tantos rostos novos nesse interregno e tantos ares... De uma crônica sem rosto, ela passou a ter traços negroides de uma bela mulher que me acompanhou no ônibus. Depois descoloriu-se, ficou loira e teve olhos verdes iguais aos de uma mulher que me cruzou o caminho no metrô. Do nada, sua feição educada e casta, virou boquirrota e começou a falar palavrões que nem os dois sujeitos que vi discutindo na rua. Agora, que estou no Terminal Tietê escrevendo-a, tenho medo dela não ser a filha que imaginei. Difícil? Talvez. Mas sei que ela ainda tem alguns genes do pai que a gerou.

Até aqui, a crônica teve várias caras e vários comportamentos que me desagradaram como me encheram de orgulho. O que dizer dessa crônica? Não sei, ao certo. Parece que me obriguei a escrevê-la e lhe dar vida. Não que ela me obrigue ou que algo me coaja. Apenas quero ter a sensação do dever cumprido. Mas escrevê-la me assusta. Tantas caras vi nela antes de vê-la nascer que não sei o que virá. Calmo, escrevo tudo o que eu pude alinhar antes da distinta ter suas mil caras. Mas gosto do que sai. As belezas que eu encontrei ficaram guardadas em suas devidas proporções. Os acontecimentos de um dia corrido fora de casa também dizem presente nessa crônica. Relevantes ou não relevantes, com o sabor do almoço ou o gosto de pão de queijo que comi; com o negror da moça do ônibus ou a loirice da mulher do metrô; com a grosseira do desentendimento da rua ou as risadas da mesa ao lado do almoço, com o medo de me perder, a alegria em estar em uma cidade que amo, o prazer de ver tudo ao mesmo tempo... Uma crônica, assim, sai, nesse turbilhão de emoções. Não é a minha melhor crônica e está longe de ser a mais inspirada. Mas gosto de sua autenticidade. Ela fala pouco, é tímida em seus assuntos, talvez por ser atabalhoada demais. Mas sem dúvida, ela precisava nascer. Era uma crônica de pai solteiro, sem inspiração, sem história e sem graça. Graças a essa breve viagem a São Paulo e à pitada desvairada, ela veio dessa forma. Que me desculpem os desagradados. Mas essa crônica, mesmo sem ser o meu melhor, por tudo de bom que ela tem de si e tinha de mim, não podia ficar sem conhecer a luz do dia.


Francisco Libânio,

16/04/10, 2:14 AM



quinta-feira, 15 de abril de 2010

Concha


Dormíamos após o amor, Eu, cá, confortável
E tu em meus braços. No sono nem fiz ideia
Que guardava uma pérola de valor inestimável.

Francisco Libânio,
15/04/10, 12:01 AM


Extraído de http://colunas.epoca.globo.com/files/1033/2009/09/blog_casal_cama.jpg

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Há uma poesia para depois


Há uma poesia para depois e escrevê-la
É ponto de honra para o poeta relaxado
Que deixou uma obra por fazer de lado
Para fazer algo que não fosse concebê-la.

Vai, poeta, cuida desta poesia que ela
Esperou para ver seu verso alinhado,
Sua ideia escrita, seu papel assinado
E tu, egoísta que és, roubou isso dela

Agora ela te grita e tua consciência,
Cúmplice, empurra: Vai cuidar da poesia
Como se ela te fosse uma penitência

E é. A poesia é a ilustração que arde
Tatuada no poeta que, por essa mania
Perdeu um amor deixando-o pra mais tarde.

Francisco Libânio,
26/03/10, 12:29 AM


Extraída de http://bodas.files.wordpress.com/2007/01/escrever.jpg

terça-feira, 13 de abril de 2010

A sereia


A Sereia é um ser humilhado pela mitologia,
É bela, encanta os homens, canta e atiça
Os homens com seu canto que os enfeitiça
E faz deles presas embebidos pela agonia

De amar a Sereia, mas ela só causa cobiça.
Não ama porque fora da água não viveria
E, se vivesse, ela não teria a feminina fatia
Ou seja, ela é bela e sua beleza desperdiça

Pobre sereia que vive entoando melodias
Doces e tristes. Rancor que esconde desejos,
Tristeza por ter homens apenas em feixe

De vítimas que se desencantam tardias,
Mas nenhum que pudesse trocar beijos
E por ser linda com um horrendo rabo de peixe

Francisco Libânio,
13/04/10, 7:34 PM

Figura extraída de http://th06.deviantart.net/fs28/300W/i/2008/045/5/b/Mermaid_of_Deep_Water_by_Candra.jpg

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Crônica


Assalto em casa de família termina com reféns
Presos no banheiro, agredidos, horas de terror;
A família, em choque, não fala. Paira ainda o pavor
Após tamanha violência por conta de alguns bens

Violência no trânsito e discussão fazem vítima fatal
Colisão leve em cruzamento terminou em discussão,
Ofensas e vias de fato. Motorista respondeu à agressão
Com dois balaços. O alvejado teve óbito no hospital.

Algumas outras notícias passaram no mesmo telejornal,
De mesma violência, mas noutras tantas modalidades
Que desliguei não aguentando mais ver tanta realidade

Pus-me a escrever sobre a paz e sobre o amor que tal
Temática me assustou, pois ou o que havia de bom morreu
Ou nesse mundo de hoje, o verdadeiro criminoso era eu.

Francisco Libânio,
12/04/10, 12:17 AM


Foto extraída de http://jornalismob.files.wordpress.com/2008/12/ato-violencia-poster01.jpg

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O telefonema

Não tem nada que mais assuste que um telefonema avulso no meio da madrugada. Pode ter certeza que ele quase sempre é um Plantão do Jornal Nacional mandado em particular. A menos que você seja um desses rabudos a quem a Fortuna lhe reservou no sorteio vampiro da Loto o primeiro prêmio. Mas a Loto não faz sorteios na alta madrugada, então voltamos à estaca zero. Seja como for um desses me pegou dia qualquer. Toca o aparato, vejo no rádio relógio. Quinze pras quatro da manhã. Atendo.

- Valdir, tá acordado?

Esqueci dessa terceira via. Além do mensageiro de catástrofes e do surreal lance de felicidade tem também o engano. Não preciso de mais nada. Mas a noite foi pro saco, meu sono foi com ela e, se não fosse uma mulher do outro lado da linha, juro que teria lhe deixado aquele palavrão que está maturando desde que tomei um zero da minha professora de física há uns quinze anos. Decidi entrar na dança. Já que estou acordado, vou me divertir:

- Estou (claro, oras, nunca vi um sonâmbulo atender um telefone), fala!

- Liguei pra dizer que eu pensei naquela nossa conversa e decidi voltar atrás. Você não é tão canalha quanto eu falei. E sabe...

Não, não sei. Não sei quem é o Valdir da história, não sei nem o nome da moça, que tinha uma voz bonita, até, mesmo com aquele tom de quem já chorou tudo que tinha pra chorar. Mas confesso que a coisa me interessou. Uma mulher ligando dizendo que repensou a atitude de um cafajeste? Quis saber o fim do negócio.

- ... Sabe... Eu não consigo viver sem você. Desculpa minha crise de ciúmes. Sei que você tem seus deslizes, mas sei que sou a única mulher da sua vida. Fala que me ama?

- Eu te amo. – respondi. Eu diria o que ela quisesse. Era tudo o que eu precisava pra minha noite, uma mulher cheia dessas melosidades piegas. A coisa tava começando a ficar chata.

- Sabia, Valdir. Por trás desse homem duro e fraco pela carne existe um romântico incurável. Nós fomos feitos um para o outro, percebeu? Eu sou a mulher da sua vida, meu rabanetinho. Fala que a sua ervilhinha é a mulher da sua vida, fala.

Aqui quase que meu logro foi pras cucuias, pois custei pra não rir. Rabanetinho? Ervilhinha? Que diabo é isso? Um amor hortifrutigranjeiro? Tomei fôlego, retomei a postura do começo e afirmei que, sim, a minha ervilhinha era a mulher da minha vida. Ela deu um longo suspiro e pensei que ia desligar. Pelo menos, o telefonema serviu para uma boa ação. Reatei um relacionamento que, pelo visto, tinha acabado horas antes. Mas quando eu ia pôr o aparelho no gancho, ela diz:

- Espera!

- Fala, amor. – respondi com o todo o pouquinho de boa educação que o sentimento de bem me dera.

- Eu vou aí te ver. Quero passar a noite com você, tô me sentindo sozinha e quero dormir nos seus braços.

- Beleza, vem que eu to te esperando. A cama fica fria sem você. Vamos fazer que nem fizemos sábado passado.

- Como assim? – ela perguntou enérgica – Sábado eu fui pra Colorado visitar minha tia Úrsula! Valdir, com que vagabunda você dormiu sábado passado e me confundiu? Fala agora, imprestável, cachorro, sem vergonha!

Desliguei. O pequeno Valdir que criei nesses vinte minutos de conversa aprendeu bem com o verdadeiro e desconhecido. Falou mais do que devia e de rabanetinho virou um punhado de enormes animais. Pois que ela procurasse outro Valdir pra soltar as broncas. Ou mesmo, o legítimo. Isso era problema dele. Eu só queria voltar a dormir.


Francisco Libânio,

09/04/10, 12:36 AM



quinta-feira, 8 de abril de 2010

Das Expectativas


Não esperes demais nada. Nem o maior desejo
Nem o que nem nos teus piores sonhos desejas.
O destino, por si só, não é assim tão benfazejo
Mas não merece os palavrões que tu praguejas.

Francisco Libânio,
08/04/10, 8:33 PM


Foto extraída de http://andersonfernandes.files.wordpress.com/2008/12/expectativa1.jpg

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Encontro Deus no Infinito



Eu não procuro Deus nas Igrejas nem nos sagrados
Templos que os homens fizeram e são construções
Humanas apenas para praticar e frisar suas religiões
E dentro delas se colocar mais dos outros segregados

Eu não procuro Deus em oferendas ou em orações,
Oferendas são presentes obrigatoriamente dados,
Orações mais parecem pedidos pré-programados
E presentes e pedidos eu faço sem outras intenções

Eu não procuro Deus porque Deus está por perto
Sempre e não precisa ser procurado. Ele está aberto
E acessível a qualquer um dos seus sem distinção

Eu encontro Deus no Infinito, na paz, na simplicidade
Do céu no horizonte, imenso em sua enormidade
Enquanto os homens se acham a pérola da criação.

Francisco Libânio,
07/04/10, 11:11 PM


Extraído de http://amadeo.blog.com/repository/1240469/3573541.jpg

terça-feira, 6 de abril de 2010

Aquela mulher de tanta morenice, deitada,


Aquela mulher de tanta morenice, deitada,
Era uma pintura de Botero ou renascentista,
Formas fartas, a modelo, ao normal imprevista,
Mais parece uma estátua esbelta e ornada

Com lençóis brancos, um cuidado que o artista
Teve em cobrir a nudez opulenta e amorenada
Cujo contraste com a alvura a faz melhor acabada
E eu que a contemplo, que presente para a vista,

Que sono invejável o seu e que paz a que inspira...
Ah, mulher, que formosura o teu tom café com leite
Com estes lençóis a te envolver, oh, minha inveja,

Pecado que arde em mim, que agora sou uma pira
A queimar esperando o convite que eu me deite,
Consumindo-me neste calor que tanto a deseja.

Francisco Libânio,
06/04/10, 12:35 AM


Foto extraída de http://us.123rf.com/400wm/400/400/frantysek/frantysek0803/frantysek080300076/2632819.jpg

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Envolvimento


Quero o envolvimento dos mais vividos casais
Na cama, na sala, no banho e por todos os anos
Porque ele amarra os indivíduos mais e mais
E os deixa com amor novato mesmo veteranos

Quero o envolvimento dos que não acham demais
Um carinho simples, sagrado de tão mundano,
Carinho que transcende as carícias só sexuais
Amor certo que sublima perdoando os enganos

Porque a vida não é só certeza por ela inteira,
Erramos, os casais erram mesmo juntos e unidos
Mas o envolvimento sério põe salvos e remidos

Os erros do casal. Santo seja esse envolvimento
Que unge quem o procura com o entendimento
Pondo a amar ao eterno como fosse a vez primeira.

Francisco Libânio,
05/04/10, 135 PM

Extrtaído de http://amaralnascimento.com/blog/2400.jpg

domingo, 4 de abril de 2010

Ovos de Páscoa


O significado dos ovos de Páscoa poderia ser entendido além dos chocolates, dos diversos sabores e dos diversos formatos. Sim, porque pelo que andei vendo nos mercados vários tipos de chocolates pra substituir ovos. Mas prefiro acreditar que o ovo, assim como um útero externo, significa vida. Quando se abrir um ovo, além dos bombons, a gente deveria ver algo invisível, intangível e simbólico que devíamos adotar. Algo tão delicioso quanto o chocolate que será nossa omelete, mas que deveria durar muito mais. Afinal, a Páscoa não é renascimento? Já que não podemos renascer, deixemos nascer algo bom e adotemos como nosso.

Francisco Libânio,
04/04/10, 7:08 PM


Extraído de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFcJz3G3EiTsHVOYqYwzKlvBncn4-zqtHjs457_xbQGcKcJtLt8C-XnmiO42hLvLbnL5H-y3SIFR5sHV2DWfbATYPHxNMNeLXHBR_tAgc05eNjan647O_0odXzeDujEsL-I6All212hGc/s400/easter-eggs-jesus.jpg

sábado, 3 de abril de 2010

Malhação do Judas

Pobre Judas... Todo ano apanha por ter vendido o Homem por trinta dinheiros e nunca teve direito a um julgamento justo. Mas com esse dinheiro... Que advogado bom iria pegar sua causa? E tenho certeza que o Morto, depois de ressuscitado, benevolente que era, terminaria sendo testemunha de defesa do réu. Mas ele nunca teve essa chance.


Francisco Libânio,

03/04/10, 9:42 AM



sexta-feira, 2 de abril de 2010

Sexta da Paixão


E aí, aquele molequinho chato, fã declarado de hambúrguer com batata frita nos fast foods da vida e que em casa não deixava passar um bife, chegou à sexta feira da Paixão, que não podia comer carne e sua mãe, fervorosa, seguia isso à risca e sua lanchonete favorita estava fechada. O que fazer? Peixe ele não gostava porque comia minhoca e ele tinha nojo. Salada? Podia ser, mas ele gostava de mastigar proteína animal, carne vermelha. Dizia em suas brincadeiras de seis anos que era um predador. Não sabia o que era isso, claro, mas desde que viu na TV que o leão era um predador se encantou com a palavra.

O problema é que os leões não são católicos, não seguem a sexta feira da Paixão e ele, filho de pais católicos que era, seguia por bem ou por mal. Hoje não ia ter carne vermelha e estava decidido. Artur, o nome do nosso pequeno relutante a comer seu prato de arroz, feijão, um filé de pescado devidamente desossado, não comeria carne hoje. Amanhã, sábado de aleluia, poderiam ir à lanchonete e ele iria se fartar. Hoje, não. É preciso inculcar os bons hábitos de religião nesse menino. Ano que vem, ele iria entrar no catecismo e aprender a ser mais temente.

Aí que ele pediu ovo frito. A mãe fez e na primeira garfada, ele disse que estava mal passado. Ovo mal passado, é isso mesmo. O pequeno, além de fresco nos hábitos alimentares, resolveu desenvolver seu lado gourmet. Pediu, então aqueles franguinhos de fritar de caixinha. A mãe ponderou. Era carne branca, não ia dar problema? O pai achou que não, pois peixe também é carne branca. Então tá, a mãe foi pro fogão de novo e fez uma bela fritada daqueles pedacinhos de isopor que eles juravam ser frango. O menino comeu um e fez cara feia, comeu outro e deu o veredicto: Estava vencido. Podia ver na caixa, que ele tinha certeza que o prazo de validade venceu de longe. Óbvio que ele não sabia que o negócio foi comprado anteontem – justamente para essa eventualidade – tampouco sabia ler. Soubesse, veria que o prazo de validade expiraria dali uns dois meses. Mas ele insistia nisso. Estava vencido.

A situação desagradável do almoço continuava. Enquanto seus pais comiam com gosto o ensopado de peixe preparado especialmente para o dia, o guri encrespava com o tal ovo frito mal passado e o frango frito vencido. Era claro que não queria comer. Ou melhor... Queria, mas precisava fazer o charme que fazia. A ameaça de suspender a lanchonete de manhã caso não se fizesse, a contento, o almoço de hoje não surtiu efeito. Faze-lo de castigo caso não comesse também nem foi cogitado. O pai era simpático a essas ideias de psicologia infantil moderna. Mas o moleque estava chato, muito chato. Era preciso tomar alguma providência. Outras propostas foram tentadas com o garoto, mas não deu certo. Ele estava irredutível. Queria carne vermelha, queria hambúrguer, não queria nada de peixe nem esses paliativos de culinária demagógica. Foi quando a mãe, mulher católica, carola e que tinha esses rompantes de moda antiga perdeu o último fiapo de paciência e resolveu usar do chinelo para resolver esses problemas. Com a bunda devidamente quente, o moleque engoliu toda sua rebeldia, seu gosto por carne vermelha junto com o ovo frito mal passado, os empanados de frango vencidos, o arroz e, até, uns aspargos que a mãe resolveu, só de raiva, colocar no prato do filho.

E foi a primeira vez, naquela casa, que o Judas não foi malhado no sábado de aleluia.


Francisco Libânio,

02/04/10, 6:32 PM


quinta-feira, 1 de abril de 2010

Hai-kai de Primeiro de Abril


Primeiro de Abril, dia da mentira,
Feriado santo para a politicagem
Que nesse dia tanto se inspira.

Francisco Libânio,
01/04/10, 12:20 PM


Extraído de http://www.cantocidadao.org.br/visualizarprosaeverso.php?ProsaeVersoId=13