
E aí, aquele molequinho chato, fã declarado de hambúrguer com batata frita nos fast foods da vida e que em casa não deixava passar um bife, chegou à sexta feira da Paixão, que não podia comer carne e sua mãe, fervorosa, seguia isso à risca e sua lanchonete favorita estava fechada. O que fazer? Peixe ele não gostava porque comia minhoca e ele tinha nojo. Salada? Podia ser, mas ele gostava de mastigar proteína animal, carne vermelha. Dizia em suas brincadeiras de seis anos que era um predador. Não sabia o que era isso, claro, mas desde que viu na TV que o leão era um predador se encantou com a palavra.
O problema é que os leões não são católicos, não seguem a sexta feira da Paixão e ele, filho de pais católicos que era, seguia por bem ou por mal. Hoje não ia ter carne vermelha e estava decidido. Artur, o nome do nosso pequeno relutante a comer seu prato de arroz, feijão, um filé de pescado devidamente desossado, não comeria carne hoje. Amanhã, sábado de aleluia, poderiam ir à lanchonete e ele iria se fartar. Hoje, não. É preciso inculcar os bons hábitos de religião nesse menino. Ano que vem, ele iria entrar no catecismo e aprender a ser mais temente.
Aí que ele pediu ovo frito. A mãe fez e na primeira garfada, ele disse que estava mal passado. Ovo mal passado, é isso mesmo. O pequeno, além de fresco nos hábitos alimentares, resolveu desenvolver seu lado gourmet. Pediu, então aqueles franguinhos de fritar de caixinha. A mãe ponderou. Era carne branca, não ia dar problema? O pai achou que não, pois peixe também é carne branca. Então tá, a mãe foi pro fogão de novo e fez uma bela fritada daqueles pedacinhos de isopor que eles juravam ser frango. O menino comeu um e fez cara feia, comeu outro e deu o veredicto: Estava vencido. Podia ver na caixa, que ele tinha certeza que o prazo de validade venceu de longe. Óbvio que ele não sabia que o negócio foi comprado anteontem – justamente para essa eventualidade – tampouco sabia ler. Soubesse, veria que o prazo de validade expiraria dali uns dois meses. Mas ele insistia nisso. Estava vencido.
A situação desagradável do almoço continuava. Enquanto seus pais comiam com gosto o ensopado de peixe preparado especialmente para o dia, o guri encrespava com o tal ovo frito mal passado e o frango frito vencido. Era claro que não queria comer. Ou melhor... Queria, mas precisava fazer o charme que fazia. A ameaça de suspender a lanchonete de manhã caso não se fizesse, a contento, o almoço de hoje não surtiu efeito. Faze-lo de castigo caso não comesse também nem foi cogitado. O pai era simpático a essas ideias de psicologia infantil moderna. Mas o moleque estava chato, muito chato. Era preciso tomar alguma providência. Outras propostas foram tentadas com o garoto, mas não deu certo. Ele estava irredutível. Queria carne vermelha, queria hambúrguer, não queria nada de peixe nem esses paliativos de culinária demagógica. Foi quando a mãe, mulher católica, carola e que tinha esses rompantes de moda antiga perdeu o último fiapo de paciência e resolveu usar do chinelo para resolver esses problemas. Com a bunda devidamente quente, o moleque engoliu toda sua rebeldia, seu gosto por carne vermelha junto com o ovo frito mal passado, os empanados de frango vencidos, o arroz e, até, uns aspargos que a mãe resolveu, só de raiva, colocar no prato do filho.
E foi a primeira vez, naquela casa, que o Judas não foi malhado no sábado de aleluia.
Francisco Libânio,
02/04/10, 6:32 PM
3 comentários:
Bom dia Francisco. Adorei esse post.
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