terça-feira, 31 de março de 2015

1830 - Soneto de amor adiposo

Pensei uma história de amor
Rápida, conhece-se e casa.
Sem rodeios e sem dar asa
A dores ou ao tipo sofredor.

Uma gordinha, charme-mor
Namora um sem mente rasa,
Gosta dele e o par extravasa
Em fluidos. Ele, galanteador,

Pede-a em casamento e sim.
Ela o aceita e tudo fica assim.
Casal casou e o soneto deu.

Só lamento que essa história
A celebrar do amor tal vitória
Não tenha por personagem eu.

Francisco Libânio,
05/03/15, 12:10 PM

1829 - Soneto autolimpante

Alguém leu meu soneto e o viu sujo,
Feio a versar apenas sobre bobagem.
Criticou, foi contra a tal sacanagem
Vista no soneto e condenou o cujo.

Eu, que o escrevi, e que nunca fujo
Da crítica, mesmo cheia de fuleiragem,
Ponderei e resolvi, de primeira viagem
Ao politicamente correto ser marujo.

Tirei a sacanagem, tolhi a grosseria,
Repreendi palavrões como se queria
Pra ver se é isso que a claque gosta.

Ficou sem sal minha nova produção,
A plateia aplaudiu por mera educação
O soneto limpinho, que era uma bosta.

Francisco Libânio,
05/03/14, 10:36 AM

1828 - Soneto da reação antimachista

A moça passou incógnita e um gaiato,
No afã de ser poderoso ou o perfeito
(Idiota, no caso) fala: Que baita peito!
A moça escuta esse despudorado ato

E ato contínuo põe fora eles ao chato.
“É bonito, né? Mas é só para o eleito
Por mim. Cretino qual você, nada feito!”
E o cara, assustado e todo estupefato,

Pede pra ver de novo. Negado, parte
Para a força contra ela, mestra na arte
Do jiu-jitsu como na de surpreender,

Sufoca o animal machista que arrega,
Pede perdão e chorar até dizer chega,
Não deu certo com ela o criminoso lazer.

Francisco Libânio,
18/02/15, 9:33 AM

1827 - Soneto da sexta azarada

Inventaram: Sexta-feira treze
É dia de azar, olha gato preto,
Se vir uma escada passa reto.
A superstição que leva a tese

Cria filme. A fé pede que reze,
Deus protege o fiel completo.
Já o mais cético faz seu veto
À bobagem e que se despreze

Crenças e mandingas, é sexta
Como outra, ele de lá contesta.
Quebra um espelho em desafio

E se corta ferindo fundo. A sorte
É quieta, mas instigada vai forte
Ao oponente e o deixa por um fio.

Francisco Libânio,
13/02/15, 8:25 PM,
Sexta-feira 13.

Poema de fuga 27

Tangencio meus medos
Sem intimidade
Trato-os respeitosamente
Sem tanta liberdade
E eles me querem amigo,
Amigo de verdade,
Mas não sou esse bobo
Que lhes dá amizade
Deixo-os dentro de mim,
Mas cobro mensalidade.

Francisco Libânio,

23/01/14, 11:40 PM

1826 - Soneto a trair com uma feia

A patroa desconfiou e pôs na cola
Do marido um secreto informante.
Suspeita se confirmou o bastante
Factual. O beijo de batom na gola

Da camisa era da outra. Pôs a sola
Na história, mas ficou é broxante
O desfecho. Viu a cara da amante
Sentiu pena. Como que se descola

Uma mulher tão estragada assim?
Como o marido a preferiu a mim?
Perguntou a ele que, a ela abraçado,

Só disse: Sei lá, amor tem razões
Só dele, prescinde de explicações
E apanhou das duas esse coitado.

Francisco Libânio,
13/02/15, 10:24 AM

Caso de carnaval

E o Viriato, que era um sujeito tranquilo e de hábitos quietos, viu na folhinha que o Carnaval estava batendo na porta. E ele era categórico: Pular Carnaval ele só pularia se houvesse algo que o fizesse ejetar da quinta-feira (porque pra ele sexta-feira, mesmo não sendo, também era Carnaval) pra outra quinta feira pós-cinzas (porque a quarta-feira sempre tinha um chorinho de festa, uma saideira, um bloco temporão). Não curtia a data. Até se arriscava a ver algum desfile na televisão, mas eram os vinte minutos necessários pra encher o saco e desligar o aparelho:
- Essa joça nunca acaba! Cansei!
Só que como tal máquina não foi inventada, o Carnaval chegou e não teve jeito. Não foi dessa vez que o Viriato pulou o Carnaval como pretendia. Pelas ruas, o colorido se fez mais contrastante com sua alma acinzentada. Não bastavam os blocos que já há dez dias impedia de andar tranquilamente pela rua e fechava rua por onde ele pretendia passar. Tome ginástica pra achar caminho alternativo pra onde quer que fosse e escapar dos desocupados que pulam suados pela rua. Ócio incentivado pela mídia e de vícios combatidos por ela. Mas se ela mesma o criou – pensava ele – como combater? Enfim, estava em casa ao virar a folhinha e a sexta feira de carnaval dar o primeiro grito de seu martírio anual.
E como se não bastasse, ainda morava num prédio cuja rua passavam foliões indo para um carnaval de rua. Resolveram fazer um festejo numa praça próxima e a população das imediações aderiu sem qualquer resistência. Primeiro ano de muitos. Não era o bastante tudo na TV, jornais, internet falar de Carnaval. Ele ainda vinha visita-lo sem sua anuência nos andares de baixo. E como não adiantava mais ir atrás de lugares pra fugir, pacotes de viagem e não havia tempo hábil pra construir um bunker mais seguro que o seu, resolveu se exilar onde estaria mais frágil: A rua. Correu atrás de algum boteco longe de carnavais de verdade, de festas, de foliões. Achou um, outro lado da cidade. O que tinha de carnaval ali era a TV ligada nos desfiles.
- Dos males o menor, pelo menos, o volume tá baixo e não incomoda. – pensou e pediu uma cerveja e depois outra. E mais outra e uma porção de torresmo. A comilança estava boa demais e o grau etílico até fez esquecer o carnaval. Do nada, eis que entra no boteco, uma mulher com penas na cabeça, fantasia completa. Pensou: Até aqui ele me persegue?
A moça sentou ao seu lado, pediu um torresmo de sua porção ao fim. Resolveu ser educado (ou hipócrita) e pediu uma para os dois. Eis que ela, ao beber uma cerveja (parecia já ter iniciado os trabalhos noutro lugar), abre o coração:
- Odeio o Carnaval!
E contou que era rainha de bateria da escola do seu bairro. Era porque a escola destituiu a moça sem quê nem porquê. Chegou fantasiada e recebeu a notícia. Estava fora. Podia ser uma passista ficar numa ala especial devido aos serviços prestados, anos desfilando a frente da furiosa de sua agremiação. Mandou a agremiação, a ala especial e os serviços prestados para onde eles quisessem enfiar. Estava fora e estava fora por toda. Sem prêmio de consolação.
- E por que tá vestida assim se nem vai desfilar nem nada? Quer chamar a atenção?
- Chamar a atenção vestida assim? Meu filho, nem que eu ficasse nua em pelo, sem tapa-sexo, sem nada eu ia chamar a atenção. Passista sozinha não atrai olhar nem de mendigo. Eu tô assim pra mostrar pro Carnaval que eu posso ser rainha querendo ele ou não. E sem precisar dar pra ninguém. Quer saber de uma coisa? Eu sou o Carnaval. Eu sou a alegria.
- Mas você disse que odeia o carnaval, então que história é essa?
- Eu odeio esse Carnaval que está aí, que não sou eu. Essa festa ordinária que me tirou pra colocar uma zinha que nem do meu bairro é. Uma mulher de peito siliconado e cheia dos aditivos e dos bolsos cheios que resolveu ser do povo por quatro dias, mas nunca foi na nossa quadra. Então eu resolvi ser o Carnaval sozinha e quem for brasileiro que me acompanhe. Quem não for que fique com esse Carnaval e arreganhe a bunda pras câmeras que eu tô fora.
E continuou comendo o torresminho convidado enquanto ele, que também odiava o Carnaval beliscava em silêncio alguma outra coisa. Não se falam mais até ela perguntar onde ele morava. Pediu que a levasse pra casa dele. Ele, movido pela cerveja, pela carência e por alguma compaixão recôndita a levou. Mais que isso, a acomodou pelos quatro dias em sua casa, em sua sala e em sua cama. Pela primeira vez passou o Carnaval animado. Quando ela foi embora na Quarta de cinzas, sem fantasia, ele lembrou que não sabia seu nome, mas sempre se falavam por telefone e por comunicadores. E sempre a tratava pela forma que ela mesma se chamava: Carnaval.

Francisco Libânio,
11/02/15, 11:17 AM

1824 - Soneto a trair com uma casada

Conheceu uma mulher, e que delícia era!
Linda, perfeita e contraída de matrimônio.
Mas não fez do empecilho esse demônio
Nem ela se eximiu. Cedeu àquela paquera,

Topou ser a outra como viver a quimera
De ser amante e esposa. O pandemônio
Social fica para os outros. Seu hormônio
Falava mais alto e o dele virava em fera

Com ela na cama. Havia o clássico medo
Dele de ser pego e tomar tiro, arremedo
Podre de Euclides da Cunha. Aconteceu

Foi que a esposa amante e a outra esposa
Conheciam de amiga comum. E, maldosa,
A terceira explorou o cara e tomou o seu.

Francisco Libânio,
05/02/15, 12:26 PM

sexta-feira, 27 de março de 2015

Hai-kai arrependido 02

Um corpo que peca,
Por mais sábio,
Não merece sua beca.

Francisco Libânio,
23/01/14, 11:21 PM

1823 - soneto a trair com uma gostosa

Deixou sua namorada, deu o perdido,
Foi para a balada qual um passarinho,
Livre. Foi, bebeu e ficou todo soltinho.
Ficou de boa, totalmente desimpedido.

Achou uma gata, o alvo a ser abatido.
Deu ideia, pronto! Não estava sozinho.
A gata seguiu com ele o mau caminho
Para o motel. Depois, dever cumprido,

Lambuzado com a musa que ali trazia,
Não deu a ela carona. Que ela queria?
Mas o dele ela tinha, e bem guardado.

A moça, no motel, foi às redes sociais,
Achou o moço, abriu os extraconjugais.
A titular leu. Era uma vez um namorado.

Francisco Libânio,
04/02/15, 7:42 PM

1822 - Soneto às margens (não tão) plácidas

Ouviram do Ipiranga um tal brado
Retumbante. E fez independente
O país em que parte era indigente
E parte era escravo, boi de arado

E de pátria nada sabia o coitado.
Mas para a História fica a patente
Do heroico brado dito insurgente
E do Brasil, que agora vira Estado.

Coisa nenhuma, para o populacho
Não muda. Da nobreza é capacho
E dos ricos é a máquina a manter

Riqueza. Brasil com rei português
Que já governava aqui qual a vez
Anterior? Nada pior poderia haver.

Francisco Libânio,
03/02/15, 12:28 PM

1821 - Soneto que fica

Dom Pedro, bem antes do Ipiranga,
Disse que o ar altivo que cá ele fica.
E deixou a Corte portuguesa tiririca.
Acirrando de além-mar a pior zanga.

Este Pedrão viu que a ser capanga
Da coroa que explora e domestica
É melhor mandar ele. Feita a futrica,
Os dois lados arregaçaram a manga

E cerraram dentes. Pedrão decide
E se estende até um tanto esta lide
Para ser herói da Pátria e libertador

Da Nação. E aí, todos enganados!
Pedrão só trouxe para nossos lados
O velho costume luso de explorar.

Francisco Libânio,
02/02/15, 12:43 PM

terça-feira, 24 de março de 2015

1820 - Soneto da novidade sedutora

O encontro com a gordinha de vez
Primeira foi estranho. Ela é gorda
E vieram um preconceito calhorda,
A vontade de faltar com a honradez

E sair dali. Ao receber com polidez,
A gordinha, que intenção transborda,
Foi se chegando e foi dando corda
Até que fizesse em tesão e nudez

Todo o encontro. E uma vez eu ali,
Entrei no clima. À gordinha sucumbi
E aí se foi meu maldito preconceito,

A honradez venceu e a paixão disse
Presente. E fui prato dessa gulodice
Da gordinha a fazer mais que perfeito.

Francisco Libânio,
16/01/15, 10:43 AM

1818 - Soneto retaguardista

Se o soneto é criticado pelos modernos,
Aceito a crítica como aceito a novidade,
O soneto é esquálido, mas dá saudade
Da forma austera e muitos são eternos,

Vários retratam os amores mais ternos
E o novo até prima pela boa qualidade,
Mas se a confunde com excentricidade,
Vêm as coisas mais feias dos infernos,

Mas, acadêmicos, gritam-se superiores,
São medíocres, mas julgam-se doutores,
Em poesia mostram-se sábios ignorantes.

Alguns eu considero, pego deles o sumo,
Do antigo pego algo do rigor e do prumo
E faço sonetos modernos e discordantes.

Francisco Libânio,
13/01/15, 3:13 PM

Poema de fuga 26

Uma opinião
No céu surgiu
E as estrelas
Perguntaram
Quem a pediu

Francisco Libânio,
22/01/15, 11:29 PM

1817 - Soneto do être ou n'être pas

Se sou Charlie ou não, a questão
É menor. O que aqui me interessa
É: Qual fatia é hoje a mais egressa
Da simpatia mundial e da tal opinião

Popular? Os cartunistas e a missão
De fazer rir com liberdade impressa
Ou o tanto de africano que professa
Mesma fé e sem a mesma comoção

Também morreu? Existe um melhor
E outro pior. Diferencia-os a sua cor?
Franceses acaso estão valendo mais?

Sou mais que Charlie, sou Mohammed,
Sou homem e sou o que não se mede
Pela cor, pela fé ou outros diferenciais.

Francisco Libânio,
13/01/15, 2:54 PM

segunda-feira, 23 de março de 2015

Aquela mulher sentada

Quando acordei, a situação era toda estranha. A cama não era a minha, o quarto estava totalmente diferente do meu. Hábito que tenho de abrir o olho e fechá-los. Quis voltar a dormir. Olhos fechados, fui tateando a cama estranha de colchão mais confortável até que cheguei em uma perna. Parecia uma perna. Era pele, isso podia reconhecer. Foi quando resolvi tentar desvendar o mistério todo. Abri os olhos.
Aquele quarto, de fato, não era o meu, mas não era um motel. Estava pessoal demais. Livros numa cabeceira, uma TV em um móvel e um aparelho de som guarnecido por CDs do Roupa Nova, um guarda roupa aberto em que vi mais CDs e vestidos dos mais variados. Virei a cabeça para o outro lado e vi as pernas que eu havia tateado. Curioso, fui subindo os olhos pelo corpo como uma câmera em um filme. O rosto era de uma mulher ruiva, magra, seios pequenos, mas com pernas que não acabavam. Demorou para haver qualquer contato, pois eu não sabia o que fazia ali. O que ia falar? Na verdade, eu estava mole demais pra falar. Quando acordo, prefiro ouvir. Talvez ela tivesse lido meus pensamentos e iniciou o contato:
- Finalmente acordou, hein? Bom dia.
Como quando acordo, demoro a falar por conta das sobras da preguiça, apenas grunhi algo sem sentido. Eu sei. A cama não era minha, o quarto não era meu, mas fazia tempo que eu não dormia tão bem. Foi quando ela me cutucou. Primeiro o contato falado. Agora o contato físico. Um cutuque nas costas e um carinho nos cabelos. E mais uma fala:
- Meu docinho tá com sono ainda? Pode dormir que eu não vou atrapalhar.
O problema é que, passado o torpor pós-sono a coisa toda se fez clara. Eu, simplesmente, não estava em casa e não fazia a menor ideia de como eu podia estar naquele lugar e mais: Que lugar era aquele? Quem era essa mulher sentada na cama me olhando, distribuindo carinhos gratuitos e, bondade extrema!, me deixando dormir um pouco mais? Finalmente, a razão voltou a mim e perguntei o óbvio:
- Quem é você?
- Não se lembra de mim? Sou a Roberta. Ontem a gente se viu no barzinho. Aí você se sentou na minha mesa, começamos a conversar, rolou um beijo. Aí você foi ao banheiro e desapareceu.
Lembro que fui a um barzinho, isso confere. Só que não lembro de Roberta nenhuma e de beijo algum. Coisa esquisita. A coisa que me lembro é que fui ao banheiro. E depois disso não lembro de mais nada. Só que acordei nessa cama. Foi quando ela se deitou ao meu lado e fez um comentário:
- Ao que me lembre você era loiro, não?
Nunca fui loiro. Dou uma fugidia olhada pelo quarto. A moça usa óculos em todas as suas fotos (ela adora fotos, seu quarto tem seis porta-retratos seus em diferentes poses), mas naquele momento não estava. E não posso falar que é pelo fato da acabar de acordar. Ela já estava de pé há muito tempo. Arrumada, perfumada e agora deitada comigo fazendo carinhos e estranhando a minha não-loirice. Depois, ela se senta de novo. Outra observação:
- Você tinha barba... Senti quando nos beijamos. Você a fez no banheiro? Foi isso?
A coisa ficou séria. Evidentemente, quem devia estar aqui não era eu, mas um loiro barbudo. Não sei se homens fazem barba em banheiros fora de casa. Quando ela viu que alguma coisa estava estranha. Enquanto ela me fazia carinhos, mesmo eu não sendo o loiro barbudo que deveria ser, resolvi perguntar onde estavam os óculos dela.
- Quebraram. Mandei fazer um novo par. Fica pronto amanhã.
- E você sai sem óculos? Como faz pra dirigir?
- Ontem voltei pra casa de táxi.
- E você me trouxe?
- Você estava dormindo. Veio dormindo no meu ombro.
- Dormindo coisa nenhuma. Senti um pequeno galo. As coisas começavam a se aclarar. No banheiro eu fui atacado. Um golpe (sabe Deus como) que me desacordou e me pôs ali. Perscrutei a situação toda. Eu devia ser loiro e não era. Devia ser barbudo e não era. E ainda havia um galo, um vazio e uma cama estranha. É certo que a doida me deu uma paulada ou o que valesse e me arrastou para sua cama. Agora estava ali, com uma mulher que estava sentada e me acaricia o peito e pouco se dá pelas diferenças. Pergunto o que foi feito do loiro barbudo.
- Não sei.
- Por que você beija um cara e traz outro pra sua casa?
- Achei que fosse ele. Confundi você com o sujeito. Mas a noite não foi boa?
Não vou negar que a noite foi boa, mas precisava da violência? Precisava golpear, invadir o banheiro masculino. Se a gente conversasse... Mas como se no tal barzinho, ela nem deu pela minha existência até me golpear (e ela confirmou que me deu uma bela sapatada pra me arrastar). Com medo de ser denunciada por cárcere privado, ela negociou que esquecêssemos a história toda. Fica como se nunca nos víssemos e cada um segue sua vida. Dispôs-se a pagar meu táxi de volta pra casa (o que recusei). Voltei pra casa. Sexualmente estava saciado, mas algo estava muito estranho. Pensei sobre isso o dia todo.
No fim das contas, ganhei uma grande amiga com quem nunca mais tive nada sequer além de uma amizade forte a partir dos novos óculos que mandei fazer. Assim, ela teria dois pares e nunca mais teria outro ataque. Quanto ao rapaz loiro, esse eu nunca vi.

Francisco Libânio,
22/03/15, 12:38 PM

1816 - Soneto vanguardista

Na semana moderna o soneto
Foi esculachado e visto velho,
Relegado à espécie de aparelho
Vencido, a um troço obsoleto.

Aos modernistas fica o dileto
Respeito, mas meto o bedelho
No tema, por sua vez, revelho
E nesse conceito eu já alfineto.

Que o soneto puro, parnasiano
E rigoroso talhado pelo decano
Merecesse ser revisto é o caso

Certo, mas o soneto irreverente,
Desmedido é moderno igualmente
E nada deve àqueles do parnaso.

Francisco Libânio,
07/01/15, 10:39 AM

Hai-kai arrependido

Leminski não lido,
Pode acreditar,
É tempo perdido!

Francisco Libânio,
31/01/14, 11:18 PM

1815 - Soneto traumatizado

De bichos já tive muito medo,
De cachorro eu tinha o pavor
Que extrapolava sendo maior
Que o normal. Já não excedo

Hoje o medo imenso. Hospedo
O que é aceitável de um temor,
O que se precisa pra evitar dor,
Impulso. Cuidado é o segredo.

Mas há coisa que não encaro,
Panela de pressão, faço claro,
Não uso nem pagando milhão!

Tenho outros medos, normal.
Uns eu venci, outro tenho tal
Respeito, quase consideração.

Francisco Libânio,
07/01/15, 9:29 AM

terça-feira, 17 de março de 2015

1814 - Soneto com sedução tímida

Ela o observava com a apreciação
De mulher por homem. E, discreta,
Lançou o olhar até ele. Sua meta
Era um namoro e propor a situação

Oportuna seria ótimo. Sua sedução
Foi maculada. Se manda! Desinfeta!
Ordenaram a ela, À espreita, quieta,
Nem ouviu, mas ele, a essa audição,

Respondeu a quem gritou. Deixa ela!
E essa defesa fez mais enternecê-la
Como a ele fez colocar mais reparo

Nela que era mulher, mas diferente.
No fim a corte acertou indiretamente
Seu alvo e que se apaixonou, é claro.

Francisco Libânio,
06/01/15, 9:41 AM

1813 - Soneto versado

Fala-se tanto sobre qualquer assunto
Que parece haver boom de doutores,
De sábios inquestionáveis e mentores
Sapienciais. Todos agem em conjunto

Nas redes sociais, mas aí se pergunto
Uma coisa que exija saberes melhores,
Os mestres me direcionam os rancores
E não respondem. Sou o tolo bestunto,

O que questiona algo que parece divino.
O duro é ver que todo o saber cristalino
Desses doutos é bijuteria da vagabunda.

Meu soneto, que é lido não em filosofia,
Densidades, mas tem cultura e isonomia,
Chuta cada um desses bons na bunda.

Francisco Libânio,
06/01/15, 8:43 AM

1812 - Soneto retomado

Nunca se surpreenda. O cotidiano
É sempre mesmo e nunca importa
O feriado passado ou a folha morta
Do calendário que mudou de ano,

Seja no novo ou no velho, o plano
Dos anos é o mesmo, a cara torta
Do chefe e o cobrador à sua porta.
Isso é certo sempre e sem engano.

E a primeira segunda do ano novo
É a mesma para a maioria do povo,
Pois quem não é patrão tem a volta

À vaca fria como ano passado já era.
Após a pausa, tudo vem sem espera,
Sem festa e mais atiça nossa revolta.

Francisco Libânio,
05/01/15, 10:31 AM

sábado, 14 de março de 2015

Poema de fuga 25

Naqueles tempos
Em que não tinha isso,
Não se falava aquilo
E tudo era mais castiço
Reclamava-se à vontade
E louvava o tempo anterior
Quando tudo era melhor
Que aquela modernidade.

Francisco Libânio,
12/01/14, 12:24 PM

1811 - Soneto da paquera atrevida

Uma gordinha manja um gostoso,
Moço forte, desses de academia.
Ele lá suando, ela de fora. Alegria
Só em ver. E acharam afrontoso

A baleinha desejar o maravilhoso
Macho-alfa que só de olhar sacia
O cio das deusas. A fofa o avalia,
Peito, braço, perna. Ele, jubiloso,

Responde aos olhares da moça
Fofa. Pensam de dentro, é troça!
Mas não era. Viram-se na saída,

Um beijinho e a atenção com ela
Deixaram mal as musas. A trela
Finda com uma discreta mordida.

Francisco Libânio,
04/01/15, 10:34 AM

sexta-feira, 13 de março de 2015

1810 - Soneto sexuado

Quem na poesia falaria abertamente
Sobre a mulher de fibra e moderna,
Que é independente como é terna,
Só que por ser, assim, independente

Leva esculacho de homem e de gente
Ignorante que ainda se mal governa
Pelo que troço que no meio da perna
Ou balança e aponta descaradamente

Ao ver uma bunda ou fica tão discreta
Só não se o impudor mande a etiqueta
Embora e se insinue? Ambos os casos,

Esquece-se cabeça e caráter da pessoa.
Então eu falo sobre essa mulher de boa
E já ignoro os pensamentos mais rasos.

Francisco Libânio,
04/01/15, 9:54 AM

O filho pródigo

Faltavam quinze minutos para a sua apresentação ao time de sua cidade, Quissamã. Era um momento especial. João Henrique estava em vias de encerrar sua carreira. Já não era um menino e o futebol começava a lhe cansar mais que dar prazer. Decidiu que aquele seria o último contrato de sua vida e a tranquilidade midiática da segunda divisão somada com o fato de jogar pelo time de sua cidade o inclinaram para a certeza de que era hora de parar.
Não que João Henrique tivesse feito grande carreira no futebol. Pelo contrário. Entrou no futebol com o expressivo apelido de Ricão. Seu metro e noventa e dois nunca o afugentariam dos aumentativos e seu porte físico dava um tom mais bad boy. Tal cartão de visita não impressionou o técnico do juvenil do Quissamã. Sim, ele foi dispensado da base do time de sua cidade. Como havia agradado um assistente técnico do time, recebeu uma recomendação positiva deste e foi tentar a sorte num time do Espírito Santo. Deu certo. Começou sua carreira profissional no estado vizinho, mas num time menor e menos tradicional. Fez um campeonato capixaba satisfatório. Sua posição, volante, não permitia que ele desse pedaladas ou dribles exibidos. De qualquer forma, agradou a um outro time capixaba maior. Como o time ia disputar a quarta divisão nacional, precisava montar elenco e o destaque do Estadual cairia muito bem.
Sua participação no torneio nacional, outro nível, outra realidade, não foi das piores, mas o técnico do time parecia não simpatizar com Ricão. Pela imprensa local disse que o jogador fazia corpo mole, que faltava aos treinos e forçou um cartão amarelo que o suspenderia de uma partida decisiva. Mentira, claro. O jogador era dedicado, pontual, curtia a noite e a aproveitava quando podia, mas nunca foi indisciplinado. E o cartão tomou porque o juiz naquela partida estava tendencioso. Imprensa local e torcida lhe deram razão. O técnico foi demitido, mas com Ricão ou sem Ricão, o time não logrou êxito no intento de subir de divisão. O resto do time era bem qualquer nota.
Seu segundo campeonato estadual foi interrompido. Já que fazia um torneio muito bom, um time do exterior se interessou em seu futebol. Não esses times grandes que disputam Champions League, mas um time asiático de um país que ele nem muita gente nunca ouviu falar: Bangladesh. Um time de Bangladesh o contratou. Para seu time do espírito Santo foi uma grana oportuna. Para Ricão, o dinheiro também não era mal. A transação rendeu seu quinhão e ele comprou uma casa em Quissamã. Já era um fruto que o futebol lhe dava.
Só que jogar em Bangladesh foi uma coisa de lascar. O nível não era, nem de perto, como o do campeonato capixaba. Era muito pior. Os primeiros meses foram o inferno na terra. O time disponibilizava um tradutor, o que facilitava um pouco a vida. Mas tudo era diferente. Comida, cultura, aquela gente toda vestida diferente... No que tangeu ao futebol, tudo ia bem. Aos poucos a adaptação se impunha e em campo ele correspondia. Futebol não era a paixão que era aqui, mas ficou no distante país por dois anos.  Seu futebol vistoso (para os padrões locais) chamou a atenção, de novo. Foi contratado, dessa vez, por um time da Malásia. Foi onde fez a sua carreira. Jogou lá por onze anos. Houve quem o aconselhasse a se naturalizar, o que foi recusado. Nesse tempo, idas e vindas ao Brasil, casou, teve filhos nascidos no outro lado do mundo e fez um excelente pé de meia. Estava na hora de voltar, o futebol começava a cansar. Em seu último ano na Malásia, foi procurado pelo Quissamã e acertou um contrato de dois anos. E aí penduraria as chuteiras.
O momento, então era de festa na pequena cidade. Um de seus filhos mais ilustres voltava para casa. A imprensa local se agitava. João Henrique, que adotou o nome porque os malaios o chamavam assim ao invés do apelido, voltava ao Quissamã. Jogaria no time que o revelou. Quando ouviu isso de um radialista pôs-se a pensar: Voltar? Time que me revelou? Mas eles me dispensaram. Não quiseram meu futebol e se não fosse uma boa alma, certamente o futebol seria apenas um momento sem sucesso de sua vida. Inclusive o assistente que o indicara a outro clube falecera há pouco tempo. Se ele ainda estivesse aqui...
A entrevista de João Henrique marcou a sua despedida do futebol. Anunciava sua aposentadoria, mas que não se sentia digno em defender um time que não lhe dera oportunidade. Acertara com os dirigentes o pagamento da multa rescisória, mas se comprometia a trabalhar para o clube. Era o técnico das divisões de base. Quissamã nunca viu seu filho pródigo marcar um gol pelo time da cidade, mas graças a ele, vários meninos da cidade podiam se tornar novos ricões. E se fossem galalaus como ele eram olhados com uma simpatia redobrada.

Francisco Libânio,
13/03/15, 8:10 PM

quinta-feira, 12 de março de 2015

Hai-kai 13

Quando o ontem foi embora?
Nem vi, estava dormindo!
Ficou o hoje e um pé pra fora.

Francisco Libânio,
12/03/15, 6:09 AM

1809 - Soneto sem virar a chave

Começa o ano e o Poeta segue a sina
De escrever e, mais, datar cada poesia.
Certidão de nascimento, cada com dia,
Mês e ano dados por ele que as assina.

Só que vira o ano e o costume desafina
Do calendário. Põe o ano velho e devia
Ser o ano novo. Corrige, mas não arria
O hábito do ano ido que jamais termina,

Ao menos na poesia, cada com um ano
Já nascida, mesmo reparado tal engano.
E este Poeta custa a pôr na sua cabeça

Que o ano passado passou. Acostumará
Com o tempo, mas ele se surpreenderá.
O ano novo é velho e outro novo começa.

Francisco Libânio,
02/01/1415, 10:41 PM

1808 - Soneto da sedução inerente

Num bar, uma dessas gostosas à modelo,
Que quer ser uma Gisele e não consegue,
Se expõe e não existe o que a sossegue
Até que se faça um elogio, seja ao cabelo,

Seja aos peitos seja à bunda. Seu apelo
É forçado e feio. Mas há quem sonegue
Uma palavra que caiba nela, que pegue,
Que seja sincera. O conjunto, sim, é belo,

Mas ao seu lado, uma gordinha cotidiana,
Normal e que é bonita, mas não se ufana
Recebeu vários olhares e tanto de elogio.

É a miséria da gostosa. Ela lá trabalhada
Mendigando um oi e essa sem fazer nada
Faz sucesso! Sensualidade é mero feitio

Francisco Libânio,
01/01/15, 8:00 PM

terça-feira, 10 de março de 2015

1807 Soneto antiimperativo

Uma mulher não faz isso nem aquilo,
Uma mulher deve se dar ao respeito,
Mesmo independente, mostrar peito,
Ser relaxada ou ser algo fora daquilo

Que a massa manda. Ela tem estilo?
Não! Ela é puta! Diz uma no despeito
Total ou um quem tentou, sem efeito,
Arrastar a moça pra cama. Intranquilo,

O redor da moça mais julga que a nota,
Podia tirar lição, mas prefere ser idiota
E tacar nela uma babaquice normativa.

Já, a moça, alheia a isso e feliz com ela,
Mostra a bunda a quem faz a querela.
Em meio à gente semimorta, está viva.

Francisco Libânio,
01/01/15, 10:25 AM

segunda-feira, 9 de março de 2015

1806 - Soneto atirado

Tinha tal respeito e tal reverência
Pelo sexo oposto que era o abuso
Da educação. Vezes perdia o fuso
Numa paquera em que a decência

Extrapolava. Às vezes a ausência
De desvelo não seria um mau uso,
Um atrevimento, algo mais intruso
Teria nesse lance maior eficiência.

Mas nunca acontecia até que uma
Donzela, sem ter cerimônia alguma,
Pegou a mão do moço e aos peitos

Levou. Puta? Não, moça decidida!
Quis afugentar toda tara reprimida
E sentiu desse ato os bons efeitos.

Francisco Libânio,
30/12/14, 9:49 PM

1805 - Soneto temoroso

Quem tem medo tem medo
Simplesmente e não explica
Porquê. Um sempre mitifica
E diz que ele some ou cedo

Ou tarde. E não fica segredo
Se o medo, além de não ir, fica
Até maior. Respeita-se a cica
Ruim do temor e haverá dedo

De um filho da puta sem noção
Que faz desse medo a atração
De circo. Pra ele só um remédio:

A sova bem dada a que aprenda
A ter prumo e a que o defenda
Da presença do outro seu tédio.

Francisco Libânio,
30/12/14, 9:18 PM

1804 Soneto da vendeta pornográfica

Namorada terminou e, de peralta,
Ele lançou à rede toda intimidade
Do par, expôs a sexual saciedade,
Cada nome feio que lá se exalta,

Cada posição sem deixar em falta
O prazer, o ápice em que vontade
Vira fluido. À tal irresponsabilidade
De quem ela teve em conta tão alta,

Respondeu com a Justiça, que fez
Seu papel condenando a sordidez
Dele que, desacatando, saiu preso.

Agora numa cela com dez parceiros,
O cineasta é forçado a dias inteiros
De prática sórdida. E filmar é defeso.

Francisco Libânio,
30/12/14, 12:34 PM

Rotina

Tudo começou no fatídico momento em que acordei e aquela quinta-feira começou para mim sem a perspectiva de nada especial. O café da manhã foi o frugal de todo dia. Um copo de leite, um pão com manteiga.
Quis comer algumas bolachas para poder reforçar o estômago. Não tinha bolacha. Anotei na caderneta. Comprar bolacha após o trabalho. Não esquecer (eu sempre esquecia).
Ao sair para o serviço, ao tomar o ônibus, um evento que deixou o dia menos interessante. Meu ônibus saiu sem mim. Talvez eu tivesse me demorado pensando nas bolachas e esqueci do ônibus. No que toca à pontualidade sou de uma exatidão britânica. Não foi o caso hoje. Certamente, eu levaria um esporro do meu chefe. “Pô, logo você se atrasando?! Onde vamos parar?”
Ao chegar ao trabalho, a notícia que aliviou. Meu chefe também atrasou. Mandou avisar que o carro tinha quebrado e que achar mecânico àquela hora estava fogo. Infelizmente não teria um superior para dar o esporro que ele daria se tivesse chegado antes de mim. Não quis saber. Meti-me em minha mesa e comecei a descascar os abacaxis do dia. Que não eram poucos. Uma hora após a chegada de todo mundo, o bonito chegou. Pediu desculpas, disse que isso não é exemplo e que ele, como chefe, devia ser o exemplo. Deu vontade de ser o líder de uma revolução naquela microcélula capitalista. Mas não dava tempo. A mesa estava cheia de papéis pra assinar, memorandos pra redigir e tempo de menos para resolver tudo. Enquanto isso, o chefe tomava uma xícara de café, terminava seu último cigarro e foi para sua sala. Por um desses infortúnios, minha mesa era próxima de sua sala.
O que eu sei é que a manhã foi terrível. Primeiro pelo trabalho, que era puxado (eu, que sou pontual, precisava ser menos procrastinador, menos amigo do último momento) e depois pelo meu chefe. Enquanto eu estava assinando papéis, redigindo memorandos, o biltre gritava para quem quisesse ouvir com o mecânico de seu carro. Chamou-o de filho da puta pra baixo. Xingou tanto a mãe do pobre homem que eu seria capaz de dizer que ele já tinha saído com ela uma tantas vezes e comido a mulher outras tantas. O lance é que, durante a manhã, meu chefe não fez absolutamente nada relativo ao seu mister. Seu carro estava enguiçado na avenida principal, ele teve que tomar um táxi, uma nota (os táxis na cidade são pela hora da morte, por que ele não anda de ônibus?) e o mecânico disse que a coisa era mais séria que se previa. O conserto ficaria, pelo que entendi, um táxi e meio. Ou dois ou três. Bateu o telefone e foi almoçar. E eu estava à base de barrinha de cereal.
À tarde, ele resolveu trabalhar, o que eu estava fazendo desde que cheguei. Cheguei atrasado, mas peguei o touro na unha. Ah, se eu fosse resolver qualquer problema pessoal no meu worktime... Continuei minha labuta. Tomei um café, comi umas bolachas (no serviço tinha, ainda bem, mas eu já tinha perdido o tesão, era fome). Foi, de fato, uma tarde sem problemas se eu desconsiderar meu chefe bufando na sala dele quase querendo matar um.
No final do expediente, que resolvi estender para compensar meu atraso, toca o celular do meu chefe. Era a esposa do meu chefe. Não sei o que aconteceu, mas a discussão foi feia. Chamou a mulher de vadia, de rampeira e de tudo que era nome. Mandou ela e o professor da academia para o inferno. Parecia que eles iam para outro lugar e que o casamento tinha acabado. Bufando, espumando, olhos injetados, atendeu, outra vez, o celular. Era o mecânico dizendo que o problema no seu carro era muito grave. Muito pior do que ele imaginava, que já era pior do que estava presumido. Mandou o mecânico à merda até que, do nada, silenciou. Eu estava terminando um último memorando. Além do quê, nunca fui de me envolver em problemas particulares dos outros. Tinha mais. Eu e meu chefe nem éramos próximos. Ele me chamava pelo sobrenome como a todos ali. Pelo menos, a barulheira tinha acabado. Vinte minutos depois, outra barulheira. Dona Eduarda, a secretária, foi levar um recado ao chefe e saiu gritando. O escritório se alvoroçou. Quando fui ver o acontecido dei pelo fato. Meu chefe estava morto. Um ataque cardíaco fulminante. Era muito estresse, era muito cigarro e agora o carro estropiado e a mulher pedindo a conta. Toca a ligar pra funerária, pra esposa do chefe (“Não quero nem saber, foi tarde o miserável!” teria dito pra dona Eduarda quando telefonou para comunicar), marca velório, marca funeral. Quando eu vi que meu serão já demorava quarenta minutos, fechei meu dia. Cheguei atrasado, trabalhei a mais e ainda tive que presenciar um corpo morto. Eu queria que fosse um dia normal, não tinha perspectiva nenhuma pra nada e tudo que vi hoje foi confusão, estresse e um infarto. Não quero mais saber disso. Mudar de emprego eu não vou, mas procurarei ser mais pontual que já sou. Odeio quebra de rotina.

Francisco Libânio,
09/03/15, 6:49 PM

1803 - Soneto com obsessões

Glauco Mattoso, que é dos poetas
Mais geniais desse país cultiva tara
Por pés, por sujeira e tem por cara
Essa paixão e em liras muito diretas

Extravasa cenas das mais abjetas
Repletas de fetiches. Espécie rara
De sonetista, ele em nada mascara
Seu gosto. Politicamente corretas,

Suas poesias? Em nada. E admiro
Sua verve. Nela também me inspiro,
Eu que tenho cá as minhas paixões.

Mulheres gordinhas, massa e busto,
Quero-as em minha lira. Terá custo,
Mas porei, com menos depravações.

Francisco Libânio,
29/12/14, 12:50 PM

quinta-feira, 5 de março de 2015

Um hai-kai entretanto

Poema assim, desconexo,
O hai-kai é uma fuga
Se o poeta quis só sexo.

Francisco Libânio,
11/12/13, 11:42 PM

1802 - Soneto com obsessões

Glauco Mattoso, que é dos poetas
Mais geniais desse país cultiva tara
Por pés, por sujeira e tem por cara
Essa paixão e em liras muito diretas

Extravasa cenas das mais abjetas
Repletas de fetiches. Espécie rara
De sonetista, ele em nada mascara
Seu gosto. Politicamente corretas,

Suas poesias? Em nada. E admiro
Sua verve. Nela também me inspiro,
Eu que tenho cá as minhas paixões.

Mulheres gordinhas, massa e busto,
Quero-as em minha lira. Terá custo,
Mas porei, com menos depravações.

Francisco Libânio,
29/12/14, 12:50 PM

1802 - Soneto do romance adiposo

Uma mulher gordinha, de fartura total,
Dessas que sofrem bullying adoidado,
No começo tinha seu ego incomodado
E diante de todos se sentia muito mal.

Veio o dia e encontrou gordinho igual,
Igualmente excluído, igualmente gozado,
Resolveu assumi-lo como o namorado
Que ela nunca teve. Foi a ideia genial!

Gozação teve. Os planetas em colisão,
Elefantes acasalando e uma explosão
De gordura. Eram coitados gozadores.

Invejavam os gordinhos e os abraços,
Pois de amor e de sexo eram escassos
Os outros. Já eles, dia a dia melhores.

Francisco Libânio,
29/12/14, 12:12 PM

1801 - Soneto do que parece, mas não é

Que moça perfeita! Mas, cuidado!
Que essa moça pode ter um quê
Que surpreenda, algo tipo dégradé
Passando batido a um desavisado.

Essas moças têm, parece, agrado
Em mostrar aquilo que não se vê
Na hora exata em que virá o fuzuê
Na cama e curtem nosso enfado.

Escuta, você tem disso a certeza?
Acha que pode provocar surpresa
Quando lá os dois nus na hora agá?

Parece. Pois, aqui, deixe que pareça.
Se for e caso a surpresa me apareça,
O resto do conjunto essa noite valerá.

Francisco Libânio,
28/12/14, 3:35 PM

1800 - Soneto anunciador

Foi Camões nos mil e quinhentos
Que à Petrarca se deu a sonetista
E Portugal só enriqueceu essa lista
Com Bocage nos mil e setecentos.

Outros vieram a espargir talentos
E no Brasil, da Bahia, já conquista
Nome Gregório com a nada purista
Forma de sonetear acontecimentos,

Pessoas e o que para ele for azado.
O soneto segue na poesia prezado
E o mil e oitocentos já prepara bote.

Virá o realismo, o amor dos amantes
Perderá viço. Nada será como antes.
Até mesmo o soneto terá outro mote.

Francisco Libânio,
27/12/14, 5:12 PM

1799 - Soneto lerdo

Tarde de sábado, calor do inferno,
Um ano praticamente em seu cabo,
Eu no computador à toa ou desabo,
Pois entre cama e cá eu me alterno.

Dia parado que soa além de eterno,
Tédio horrível que mando ao diabo,
Tento outro soneto. Se eu o acabo?
Talvez, tempo não falta. Eu hiberno

Num quarteto, cozinho outro, enceto
Os tercetos num marasmo completo
E com o dia o soneto nisso compete.

Chego ao fim. Pelo menos ele termina.
Já o dia... Dose esquálida de adrenalina
Que não distingue qual é mais cacete.

Francisco Libânio,
27/12/14, 4:30 PM