segunda-feira, 23 de março de 2015

Aquela mulher sentada

Quando acordei, a situação era toda estranha. A cama não era a minha, o quarto estava totalmente diferente do meu. Hábito que tenho de abrir o olho e fechá-los. Quis voltar a dormir. Olhos fechados, fui tateando a cama estranha de colchão mais confortável até que cheguei em uma perna. Parecia uma perna. Era pele, isso podia reconhecer. Foi quando resolvi tentar desvendar o mistério todo. Abri os olhos.
Aquele quarto, de fato, não era o meu, mas não era um motel. Estava pessoal demais. Livros numa cabeceira, uma TV em um móvel e um aparelho de som guarnecido por CDs do Roupa Nova, um guarda roupa aberto em que vi mais CDs e vestidos dos mais variados. Virei a cabeça para o outro lado e vi as pernas que eu havia tateado. Curioso, fui subindo os olhos pelo corpo como uma câmera em um filme. O rosto era de uma mulher ruiva, magra, seios pequenos, mas com pernas que não acabavam. Demorou para haver qualquer contato, pois eu não sabia o que fazia ali. O que ia falar? Na verdade, eu estava mole demais pra falar. Quando acordo, prefiro ouvir. Talvez ela tivesse lido meus pensamentos e iniciou o contato:
- Finalmente acordou, hein? Bom dia.
Como quando acordo, demoro a falar por conta das sobras da preguiça, apenas grunhi algo sem sentido. Eu sei. A cama não era minha, o quarto não era meu, mas fazia tempo que eu não dormia tão bem. Foi quando ela me cutucou. Primeiro o contato falado. Agora o contato físico. Um cutuque nas costas e um carinho nos cabelos. E mais uma fala:
- Meu docinho tá com sono ainda? Pode dormir que eu não vou atrapalhar.
O problema é que, passado o torpor pós-sono a coisa toda se fez clara. Eu, simplesmente, não estava em casa e não fazia a menor ideia de como eu podia estar naquele lugar e mais: Que lugar era aquele? Quem era essa mulher sentada na cama me olhando, distribuindo carinhos gratuitos e, bondade extrema!, me deixando dormir um pouco mais? Finalmente, a razão voltou a mim e perguntei o óbvio:
- Quem é você?
- Não se lembra de mim? Sou a Roberta. Ontem a gente se viu no barzinho. Aí você se sentou na minha mesa, começamos a conversar, rolou um beijo. Aí você foi ao banheiro e desapareceu.
Lembro que fui a um barzinho, isso confere. Só que não lembro de Roberta nenhuma e de beijo algum. Coisa esquisita. A coisa que me lembro é que fui ao banheiro. E depois disso não lembro de mais nada. Só que acordei nessa cama. Foi quando ela se deitou ao meu lado e fez um comentário:
- Ao que me lembre você era loiro, não?
Nunca fui loiro. Dou uma fugidia olhada pelo quarto. A moça usa óculos em todas as suas fotos (ela adora fotos, seu quarto tem seis porta-retratos seus em diferentes poses), mas naquele momento não estava. E não posso falar que é pelo fato da acabar de acordar. Ela já estava de pé há muito tempo. Arrumada, perfumada e agora deitada comigo fazendo carinhos e estranhando a minha não-loirice. Depois, ela se senta de novo. Outra observação:
- Você tinha barba... Senti quando nos beijamos. Você a fez no banheiro? Foi isso?
A coisa ficou séria. Evidentemente, quem devia estar aqui não era eu, mas um loiro barbudo. Não sei se homens fazem barba em banheiros fora de casa. Quando ela viu que alguma coisa estava estranha. Enquanto ela me fazia carinhos, mesmo eu não sendo o loiro barbudo que deveria ser, resolvi perguntar onde estavam os óculos dela.
- Quebraram. Mandei fazer um novo par. Fica pronto amanhã.
- E você sai sem óculos? Como faz pra dirigir?
- Ontem voltei pra casa de táxi.
- E você me trouxe?
- Você estava dormindo. Veio dormindo no meu ombro.
- Dormindo coisa nenhuma. Senti um pequeno galo. As coisas começavam a se aclarar. No banheiro eu fui atacado. Um golpe (sabe Deus como) que me desacordou e me pôs ali. Perscrutei a situação toda. Eu devia ser loiro e não era. Devia ser barbudo e não era. E ainda havia um galo, um vazio e uma cama estranha. É certo que a doida me deu uma paulada ou o que valesse e me arrastou para sua cama. Agora estava ali, com uma mulher que estava sentada e me acaricia o peito e pouco se dá pelas diferenças. Pergunto o que foi feito do loiro barbudo.
- Não sei.
- Por que você beija um cara e traz outro pra sua casa?
- Achei que fosse ele. Confundi você com o sujeito. Mas a noite não foi boa?
Não vou negar que a noite foi boa, mas precisava da violência? Precisava golpear, invadir o banheiro masculino. Se a gente conversasse... Mas como se no tal barzinho, ela nem deu pela minha existência até me golpear (e ela confirmou que me deu uma bela sapatada pra me arrastar). Com medo de ser denunciada por cárcere privado, ela negociou que esquecêssemos a história toda. Fica como se nunca nos víssemos e cada um segue sua vida. Dispôs-se a pagar meu táxi de volta pra casa (o que recusei). Voltei pra casa. Sexualmente estava saciado, mas algo estava muito estranho. Pensei sobre isso o dia todo.
No fim das contas, ganhei uma grande amiga com quem nunca mais tive nada sequer além de uma amizade forte a partir dos novos óculos que mandei fazer. Assim, ela teria dois pares e nunca mais teria outro ataque. Quanto ao rapaz loiro, esse eu nunca vi.

Francisco Libânio,
22/03/15, 12:38 PM

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