Faltavam quinze minutos para a sua apresentação ao time de
sua cidade, Quissamã. Era um momento especial. João Henrique estava em vias de
encerrar sua carreira. Já não era um menino e o futebol começava a lhe cansar
mais que dar prazer. Decidiu que aquele seria o último contrato de sua vida e a
tranquilidade midiática da segunda divisão somada com o fato de jogar pelo time
de sua cidade o inclinaram para a certeza de que era hora de parar.
Não que João Henrique tivesse feito grande carreira no
futebol. Pelo contrário. Entrou no futebol com o expressivo apelido de Ricão.
Seu metro e noventa e dois nunca o afugentariam dos aumentativos e seu porte
físico dava um tom mais bad boy. Tal
cartão de visita não impressionou o técnico do juvenil do Quissamã. Sim, ele
foi dispensado da base do time de sua cidade. Como havia agradado um assistente
técnico do time, recebeu uma recomendação positiva deste e foi tentar a sorte
num time do Espírito Santo. Deu certo. Começou sua carreira profissional no
estado vizinho, mas num time menor e menos tradicional. Fez um campeonato
capixaba satisfatório. Sua posição, volante, não permitia que ele desse
pedaladas ou dribles exibidos. De qualquer forma, agradou a um outro time
capixaba maior. Como o time ia disputar a quarta divisão nacional, precisava
montar elenco e o destaque do Estadual cairia muito bem.
Sua participação no torneio nacional, outro nível, outra
realidade, não foi das piores, mas o técnico do time parecia não simpatizar com
Ricão. Pela imprensa local disse que o jogador fazia corpo mole, que faltava
aos treinos e forçou um cartão amarelo que o suspenderia de uma partida
decisiva. Mentira, claro. O jogador era dedicado, pontual, curtia a noite e a
aproveitava quando podia, mas nunca foi indisciplinado. E o cartão tomou porque
o juiz naquela partida estava tendencioso. Imprensa local e torcida lhe deram
razão. O técnico foi demitido, mas com Ricão ou sem Ricão, o time não logrou
êxito no intento de subir de divisão. O resto do time era bem qualquer nota.
Seu segundo campeonato estadual foi interrompido. Já que
fazia um torneio muito bom, um time do exterior se interessou em seu futebol.
Não esses times grandes que disputam Champions League, mas um time asiático de
um país que ele nem muita gente nunca ouviu falar: Bangladesh. Um time de
Bangladesh o contratou. Para seu time do espírito Santo foi uma grana oportuna.
Para Ricão, o dinheiro também não era mal. A transação rendeu seu quinhão e ele
comprou uma casa em Quissamã. Já era um fruto que o futebol lhe dava.
Só que jogar em Bangladesh foi uma coisa de lascar. O nível
não era, nem de perto, como o do campeonato capixaba. Era muito pior. Os
primeiros meses foram o inferno na terra. O time disponibilizava um tradutor, o
que facilitava um pouco a vida. Mas tudo era diferente. Comida, cultura, aquela
gente toda vestida diferente... No que tangeu ao futebol, tudo ia bem. Aos
poucos a adaptação se impunha e em campo ele correspondia. Futebol não era a
paixão que era aqui, mas ficou no distante país por dois anos. Seu futebol vistoso (para os padrões locais)
chamou a atenção, de novo. Foi contratado, dessa vez, por um time da Malásia.
Foi onde fez a sua carreira. Jogou lá por onze anos. Houve quem o aconselhasse
a se naturalizar, o que foi recusado. Nesse tempo, idas e vindas ao Brasil,
casou, teve filhos nascidos no outro lado do mundo e fez um excelente pé de
meia. Estava na hora de voltar, o futebol começava a cansar. Em seu último ano
na Malásia, foi procurado pelo Quissamã e acertou um contrato de dois anos. E
aí penduraria as chuteiras.
O momento, então era de festa na pequena cidade. Um de seus
filhos mais ilustres voltava para casa. A imprensa local se agitava. João
Henrique, que adotou o nome porque os malaios o chamavam assim ao invés do
apelido, voltava ao Quissamã. Jogaria no time que o revelou. Quando ouviu isso
de um radialista pôs-se a pensar: Voltar? Time que me revelou? Mas eles me
dispensaram. Não quiseram meu futebol e se não fosse uma boa alma, certamente o
futebol seria apenas um momento sem sucesso de sua vida. Inclusive o assistente
que o indicara a outro clube falecera há pouco tempo. Se ele ainda estivesse
aqui...
A entrevista de João Henrique marcou a sua despedida do
futebol. Anunciava sua aposentadoria, mas que não se sentia digno em defender
um time que não lhe dera oportunidade. Acertara com os dirigentes o pagamento
da multa rescisória, mas se comprometia a trabalhar para o clube. Era o técnico
das divisões de base. Quissamã nunca viu seu filho pródigo marcar um gol pelo
time da cidade, mas graças a ele, vários meninos da cidade podiam se tornar
novos ricões. E se fossem galalaus como ele eram olhados com uma simpatia
redobrada.
Francisco Libânio,
13/03/15, 8:10 PM
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