sexta-feira, 13 de março de 2015

O filho pródigo

Faltavam quinze minutos para a sua apresentação ao time de sua cidade, Quissamã. Era um momento especial. João Henrique estava em vias de encerrar sua carreira. Já não era um menino e o futebol começava a lhe cansar mais que dar prazer. Decidiu que aquele seria o último contrato de sua vida e a tranquilidade midiática da segunda divisão somada com o fato de jogar pelo time de sua cidade o inclinaram para a certeza de que era hora de parar.
Não que João Henrique tivesse feito grande carreira no futebol. Pelo contrário. Entrou no futebol com o expressivo apelido de Ricão. Seu metro e noventa e dois nunca o afugentariam dos aumentativos e seu porte físico dava um tom mais bad boy. Tal cartão de visita não impressionou o técnico do juvenil do Quissamã. Sim, ele foi dispensado da base do time de sua cidade. Como havia agradado um assistente técnico do time, recebeu uma recomendação positiva deste e foi tentar a sorte num time do Espírito Santo. Deu certo. Começou sua carreira profissional no estado vizinho, mas num time menor e menos tradicional. Fez um campeonato capixaba satisfatório. Sua posição, volante, não permitia que ele desse pedaladas ou dribles exibidos. De qualquer forma, agradou a um outro time capixaba maior. Como o time ia disputar a quarta divisão nacional, precisava montar elenco e o destaque do Estadual cairia muito bem.
Sua participação no torneio nacional, outro nível, outra realidade, não foi das piores, mas o técnico do time parecia não simpatizar com Ricão. Pela imprensa local disse que o jogador fazia corpo mole, que faltava aos treinos e forçou um cartão amarelo que o suspenderia de uma partida decisiva. Mentira, claro. O jogador era dedicado, pontual, curtia a noite e a aproveitava quando podia, mas nunca foi indisciplinado. E o cartão tomou porque o juiz naquela partida estava tendencioso. Imprensa local e torcida lhe deram razão. O técnico foi demitido, mas com Ricão ou sem Ricão, o time não logrou êxito no intento de subir de divisão. O resto do time era bem qualquer nota.
Seu segundo campeonato estadual foi interrompido. Já que fazia um torneio muito bom, um time do exterior se interessou em seu futebol. Não esses times grandes que disputam Champions League, mas um time asiático de um país que ele nem muita gente nunca ouviu falar: Bangladesh. Um time de Bangladesh o contratou. Para seu time do espírito Santo foi uma grana oportuna. Para Ricão, o dinheiro também não era mal. A transação rendeu seu quinhão e ele comprou uma casa em Quissamã. Já era um fruto que o futebol lhe dava.
Só que jogar em Bangladesh foi uma coisa de lascar. O nível não era, nem de perto, como o do campeonato capixaba. Era muito pior. Os primeiros meses foram o inferno na terra. O time disponibilizava um tradutor, o que facilitava um pouco a vida. Mas tudo era diferente. Comida, cultura, aquela gente toda vestida diferente... No que tangeu ao futebol, tudo ia bem. Aos poucos a adaptação se impunha e em campo ele correspondia. Futebol não era a paixão que era aqui, mas ficou no distante país por dois anos.  Seu futebol vistoso (para os padrões locais) chamou a atenção, de novo. Foi contratado, dessa vez, por um time da Malásia. Foi onde fez a sua carreira. Jogou lá por onze anos. Houve quem o aconselhasse a se naturalizar, o que foi recusado. Nesse tempo, idas e vindas ao Brasil, casou, teve filhos nascidos no outro lado do mundo e fez um excelente pé de meia. Estava na hora de voltar, o futebol começava a cansar. Em seu último ano na Malásia, foi procurado pelo Quissamã e acertou um contrato de dois anos. E aí penduraria as chuteiras.
O momento, então era de festa na pequena cidade. Um de seus filhos mais ilustres voltava para casa. A imprensa local se agitava. João Henrique, que adotou o nome porque os malaios o chamavam assim ao invés do apelido, voltava ao Quissamã. Jogaria no time que o revelou. Quando ouviu isso de um radialista pôs-se a pensar: Voltar? Time que me revelou? Mas eles me dispensaram. Não quiseram meu futebol e se não fosse uma boa alma, certamente o futebol seria apenas um momento sem sucesso de sua vida. Inclusive o assistente que o indicara a outro clube falecera há pouco tempo. Se ele ainda estivesse aqui...
A entrevista de João Henrique marcou a sua despedida do futebol. Anunciava sua aposentadoria, mas que não se sentia digno em defender um time que não lhe dera oportunidade. Acertara com os dirigentes o pagamento da multa rescisória, mas se comprometia a trabalhar para o clube. Era o técnico das divisões de base. Quissamã nunca viu seu filho pródigo marcar um gol pelo time da cidade, mas graças a ele, vários meninos da cidade podiam se tornar novos ricões. E se fossem galalaus como ele eram olhados com uma simpatia redobrada.

Francisco Libânio,
13/03/15, 8:10 PM

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