terça-feira, 12 de maio de 2015

1872 - Soneto fálico

Que tamanho é esse interesse
Em ver em qualquer lugar o falo
Até onde ele não existe? O estalo
Paranoico que acentua a prece

Do pudico. Talvez mais devesse
Nem vê-lo e se o vir, bem ignorá-lo.
O pau visto não pode ser o calo
Tão doído. Esse incômodo parece

Demais com a grande incerteza
Frente a essa inexistente dureza
De um pinto que só o sujeito viu.

E se tiver um pinto, que lá fique
Curta-se o resto sem ter chilique.
Chilique desqualifica como viril.

Francisco Libânio,
08/05/15, 12:57 PM

1871 - Soneto que não sobe

Querida, hoje está complicado,
Não adianta carinho ou pressão.
Não é sua culpa nem da relação,
Acontece. Dia que só dá errado,

Não funciona nem com agrado
E não me agrada essa situação,
Mas manhã é hora de negação
E o jeito é pôr isso tudo de lado.

Infelizmente insisto, teimo, persigo.
Isso não pode acontecer comigo,
Mas tento tudo e a coisa mais trai

Que ajuda. Tento com muita calma,
Tento pôr, mais que corpo, a alma,
Mas essa porra de soneto não sai.

Francisco Libânio,
08/05/15, 9:06 AM

1870 - Soneto gramíneo

E se deitar na relva verde e natural
E admirando o céu azul lá em cima.
Sentindo o mais agradável do clima
Achando nada melhor que o frugal

Momento em que a grama é o ideal
Colchão. E, se poeta, busca a rima
Que encaixa melhor e se aproxima
Dessa paz serena que não tem igual.

A natureza é mesmo maravilha, e é.
Nada há que discorde ou negue fé
Nesse fato. A não ser uma formiga.

Ela e um batalhão picam. Paz já era!
O tal contra a natureza já se exaspera
Arrancando a grama com ar de briga.

Francisco Libânio,
06/05/15, 7:34 PM

Motel

Calma que esse gozo
Foi só um grosso desabafo
Ainda não, não acabou.
Esse nosso sexo gostoso
Anuncia muita coisa mais,
O amor apenas começou.

Francisco Libânio,
09/06/14, 10:21 PM

1869 - Soneto arbóreo

Uma árvore plantada na cidade,
Purifica o ar nela já tão poluído,
Mas fica num espaço diminuído
E longe do habitat que, verdade,

Parece poste sem eletricidade,
Um naco de floresta já perdido,
Mas se sua copa já tiver florido
E a sombra tiver a tranquilidade

Dos arcádicos tempos de outrora,
Deixa ser poste escuro. Vambora!
Se ela estiver perdida aqui se asila.

A árvore na cidade, prima distante
Das nativas, fica. Daqui em diante
Nada tira essa sombra tão tranquila.

Francisco Libânio,
06/05/15, 1:19 PM

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Intimidade

Na cama, o diálogo.
- Mas o que você está fazendo aqui?
- Eu quero dormir. E você?
- Eu também. Até porque essa é a minha cama.
- Sim, eu sei.
- E por que você está aqui?
- Poxa, a gente se conhece há anos. Qual o mau em dividir sua cama comigo? Vai regular agora?
- Mas você é homem, é meu amigo, eu sei. Somos amigos há muitos anos, confere. Só que deitar comigo na minha cama...
- Ah, tá. E você vai negar a sua cama a um amigo de muitos anos, como você mesmo acabou de deixar claro. Deixar seu amigo num sofá duro ou, pior!, sob as estrelas. Que belo papel de um amigo!
- Veja bem. Não pega bem dois homens dormindo na mesma cama. Olha o que o povo vai dizer. Você é solteiro e eu também...
- E você se preocupa com o que o povo fala?
- Não, mas veja bem. É esquisito, você há de convir.
- Escuta aqui. Você é viado?
- Não.
- Você sabe que eu não sou viado também, não sabe?
- Sei, mas é que...
- É que coisa nenhuma! Você está com frescura. Se eu não sou viado e você também não e ambos estamos com sono e queremos dormir, qual o problema, cacete? Cada um vira pro seu lado e dorme. E fica tranquilo, você sabe que eu não ronco. Já de você eu não posso dizer a mesma coisa. Aquela excursão pra Praia Grande em 1999 foi traumática. Achei que você ia morrer tanto que roncava.
- Eu nem me lembrava mais disso.
- Claro, você dormiu o sono dos justos e não deixou ninguém dormir. Todo mundo reclamou.
- É verdade.
- E outra. Tá vendo como você tá com história? Naquela oportunidade, a gente dormiu junto e ninguém saiu sofrendo por isso.
- Mas naquela vez, você dormia numa cama, eu em outra e o Gouveia numa outra. Cada um na sua.
- Sim. Eu na cama de baixo do beliche, o Gouveia na de cima e você todo gostosão sozinho na outra cama. Tive que aguentar o Gouveia peidando a noite toda e rezando pr’aquele gordo não cair em cima de mim.
- Porra, você sabe que eu não gosto de beliche. Se tivessem me falado que tinha beliche eu nem tinha ido. Uma viagem horrível e ainda com beliche. Ninguém merece.
- Você é muito cheio dos não-me-toques. Não gosta de beliche, não gosta de calor, tanto que tive aguentar ar-condicionado por sua causa. Minha rinite acabou comigo e eu nunca te falei isso porque sou seu amigo. E ainda por cima fica com esses frufrus de não dividir cama comigo, que só quero dormir. Olha, que belo amigo você me sai!
- Tá bom, tá bom. Você tem razão. Fui eu quem te chamou pra vir em casa pra gente tomar umas cervejas. Você não tem culpa de não dirigir nem de não achar táxi pra sua casa. Faz o seguinte: deita e dorme. Você é meu convidado. Fui eu quem chamou e sou eu quem tá com história. Você tá certo. Amanhã, eu pago o táxi pra você ir pro trabalho, ok?
- Sabia que você terminaria sendo razoável. Então, vira aí pro seu lado e boa noite. Até amanhã.
- Boa noite.
No meio da madrugada, o convidado saiu da cama. Preferiu encarar o sofá duro quando notou que o amigo estava roçando suas pernas e gemendo. Não tinha nada contra, continuariam amigos por muitos anos, mas não era a dele. E como amigo que era nem espalharia pra turma que o outro dormia e chamava, à noite, por um tal Aílton.
O que a intimidade e a boa amizade não fazem, pensou antes de pegar no sono de vez.

Francisco Libânio,
11/04/15, 5:29 PM

1868 - Soneto errado

Admitir que não se está certo,
Que virtude essa, que bonito!
Sujeito daí quase vira um mito
Da honestidade ou chega perto.

Merece, sim, loas e concerto,
Pois evita começar um conflito
Ou piorar. Do que era maldito
Ele se redime e de peito aberto

A situação o recebe. Tem paz
E expurgam-se as coisas más,
O pecado chega, então, ao fim.

O problema é quando, de birra,
Não se faz, o mal mais se acirra
E o teimoso fica melhor assim.

Francisco Libânio,

05/05/15, 7:25 PM

Haicai 02

Amor de verdade, sim, existe.
Mesmo em quem só erra
E por amor, no acerto, persiste.

Francisco Libânio,
08/05/15, 5:51 PM

1867 - Soneto afobado

Como se tivesse muito a dizer,
Mas não sabia a palavra certa.
Ao mesmo tempo muito aperta
O coração que mais quer fazer

A falar, mas precisa se entender
Como explicar o que desconcerta.
No entanto, é preciso estar alerta:
Há ali um ser complexo, a mulher.

Como dizer o difícil e ser didático?
Como resolver isso de jeito prático?
Vou e falo. Meu peito se escancara,

Algo sai do fluxo e sai do contexto.
Ela esquece o todo, ignora o resto,
Fica puta e me larga o tapa na cara.

Francisco Libânio,
05/05/15, 12:21 PM

quarta-feira, 6 de maio de 2015

1866 - Soneto aberto

E se eu recebesse sugestões
E as aceitasse sem pestanejar,
Sem filtro, apenas pelo trovar?
Em que dariam as implicações?

Na falta de leitores e atenções,
Deixo uma primeira ideia a voar
Pousar na mesa e ter seu lugar,
Convido-a despertar inspirações.

Ela aceita esse inglório serviço
E sai um soneto assim sem viço
Em que as rimas têm destaque,

Mas, tema mesmo, é sobre nada.
Ideia que chega é coisa arriscada.
Escrever bem é coisa pra craque.

Francisco Libânio,
01/05/15, 8:18 PM

terça-feira, 5 de maio de 2015

1865 - Soneto de (falta de) trabalho

Feriado do dia do trabalho e o poeta,
Desempregado e o sendo de graça,
Sem receber e sem ter quem o faça
Pagar por ser poeta, apenas enceta

Um soneto com a única e boba meta
De termina-lo. Com a cabeça escassa,
O humor ruim e lembrando da massa,
Que, como ele, não trabalha e vegeta,

Mas que diferente dele não soneteia,
O poeta se revolta e esse não floreia,
Evita palavrão, evita gratuita agressão.

Ele sabe que sobram talento e vontade,
Sabe como é cruel e triste a sociedade,
Para quê ser duro ao sonetear então?

Francisco Libânio,
01/05/15, 9:55 AM

1864 - Soneto endiabrado

Mulher diz que está pro crime
E nos olhos existe uma malícia,
Pode apostar, há toda a factícia
Maldade e como nada a oprime,

Praticar e fazer que se legitime
Esse crime usufruindo a delícia
Dele é metal final. Não há polícia
Que a impeça. E não subestime

O que pode fazer esse desejo.
Quando ele surgir de um cotejo,
O fogo da mulher a fará criativa,

Fará dela puta. E bom que seja.
Azar tem é o cara que apedreja
A mulher pelo erro de estar viva.

Francisco Libânio,
29/04/15, 7:43 PM

1863 - Soneto atrás de calma

Porque todas as tensões têm,
Naturalmente, a coisa inimiga,
Coisa negativa que só dá liga
Com outras e uma puxa cem,

No maremoto já nos faz refém,
Na tranquilidade arruma briga,
Qualquer coisa já a empertiga
Dando mal a si e a mais quem

Esteja perto. Então na tensão,
Fujo de gente, evito invenção,
Tento sonetear a ver se volta

A paz, mas paz não já existe
Quando se está o tanto triste
E as tensões estão aí a solta.

Francisco Libânio,
29/04/15, 12:22 PM

sábado, 2 de maio de 2015

Indecisão

É esse dilema
Amar você como está
Ou não
Já que amar mais
Também dá.

Francisco Libânio.
09/06/14, 10:38 PM 

1862 - Soneto despido

Que ideia fixa essa com a nudez
Tem o poeta. Que ele a explique.
Eu já a explico no mesmo pique
Para que não perder nem a vez

Nem a dúvida. Parece insensatez,
Mas é admiração. Que petrifique
No soneto o que talvez não fique
Na escultura com toda sua altivez

Renascentista. A forma tão exata
Física e estética, vezes até chata,
É preterida. Venham as informais

E humanas formas livres, cheias
Longe dos modelos ou até feias.
O poeta ama nudezes normais.

Francisco Libânio,
28/04/15, 12:32 PM

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Sísifo

Um homem viu Sísifo em sua sina eterna de rolar sua pedra montanha acima pra ela desafortunadamente rolar pra baixo e a empresa se fazer outra vez. Foi uma semana em que a cena se repetia sem nenhuma novidade e uma resignação nunca vista antes. Nada mudava. Nem mesmo Sísifo se queixava desse mister. Se foi assim até agora por que haveria de mudar e pra quê?
Só que o homem, com uma dessas mentes vanguardistas, achou que a mesma coisa se repetindo, mesmo que fosse uma ordem dos deuses, podia ser feita de forma otimizada. Um homem que rola uma pedra montanha acima se cansa demais e fará a mesma amanhã terá, evidentemente, uma produtividade menor. Cansado de ver sempre a mesma cena, o homem chegou a Sísifo e perguntou há quanto tempo ele fazia aquilo. Há muito tempo, séculos, milênios. Sem sábado, domingo ou feriado perguntou o homem. Sísifo não sabia o que era isso. Apenas empurrava a pedra. Era castigo dos deuses e pronto. O homem se indignou diante daquilo. Com indevida vênia (que arrumou sabe-se lá como), dispensou Sísifo de empurrar sua pedra no dia seguinte.
- Vai pra casa e descansa. Vem depois de amanhã, ok?
Claro que, assim como Prometeu no alto da montanha e com o fígado semidevorado, mas que se regenerava sempre, Sísifo, como “feriado”, também não sabia o que era “casa”. Sua casa era o pé da montanha onde estava a pedra que ele rolava pra cima e para onde ela rolava após a tarefa. Mas, tudo bem. Acabou se convencendo que precisava mesmo de férias (que ele também não sabia o que era), nem que fosse de um dia. Deixou sua montanha e sua pedra para o homem que lá ficou.
Quando voltou tudo estava quase como havia deixado não fosse uma engenhoca, que também desconhecia.
- O que é isso? – perguntou Sísifo ao homem.
- Isso se chama catapulta. Vai facilitar seu trabalho sobremaneira.
Explicou como funcionava o aparato ali construído, fez demonstrações simuladas. Disse que Sísifo não precisava mais cansar os músculos. Mais que isso. Mandaria a pedra para o alto da montanha e teria a Eternidade toda para fazer o que quisesse. Nunca mais pedra e montanha. Nunca mais suor. Teria férias eternas. Viveria na Terra como os deuses no Olimpo. O castigo estava encerrado. A tecnologia o livraria dessa triste rotina sem sentido. Tentado pela facilidade da máquina e seduzido pela vida dos deuses na Terra prometida pelo homem, Sísifo seguiu as instruções e procedeu como fizera no simulacro.
Um desastre. A catapulta, tão imponente, tão engenhosa, não suportou o peso da pedra. Ruiu como se fosse de papel. Sísifo olhou para o homem que não entendia o que podia ter havido. Fez todos os cálculos meticulosamente, os testes feitos no dia de folga de Sísifo foram perfeitos. Não conseguia achar onde estava o erro.
A história acaba aqui. Sísifo continua rolando sua pedra do pé ao topo da montanha como sempre fez. Próximo dele, o homem reconstrói teimosamente a catapulta sempre atrás do erro que possa haver, mas não existe. Quando a pedra desce do alto da montanha, a catapulta está pronta. O homem pede a pedra rolada para fazer o teste de sua construção, que, igual ontem e igual amanhã, desmonta não suportando o peso da pedra. Tudo se repete eternamente.
Numa montanha próxima, o fígado de Prometeu está novamente refeito para servir de refeição às águias.

Francisco Libânio,
27/03/14, 8: 21 PM

1861 - Soneto de luz apagada

É no breu completo e irrestrito
Que ela resolveu ser a mulher
E se entregar com total prazer,
Por condição havia o requisito:

Vê-la nua de saída era proscrito.
Primeiro amor não precisava ver.
Quero ver se você vai me querer
Ou querer o que vê. Tal conflito

Foi vencido. Amamos no escuro,
Caiu dela o intransponível muro
E revelou-se para mim a surpresa:

Algo imprevisto que não obstou
O amor, só requintou esse show
Cheio de amor, cheio de destreza.

Francisco Libânio,
28/04/15, 9:28 AM

Sabedoria

Calar quando o silêncio fala
Ou ser uma voz solitária
Que atrevidamente estrala?

Francisco Libânio,
09/06/14, 10:41 PM

1860 - Soneto fechado

Não se admitirá aqui um conselho,
Uma dica, nada. Não meta a colher
Nesse soneto. Deixe-me o escrever.
Ouvir demais e eu me destrambelho.

O silêncio, então, é o maior aparelho
Para que flua o soneto e esse lazer,
De rimar, de experimentar, de torcer
E de, numa sacada, tirar um coelho

Da cartola é algo assim inenarrável!
Então, estar comigo e incomunicável
Não é antipatia, mas a necessidade

Breve para uma convivência intensa
Com o poema, mas não se dispensa
Um recreio para que se faça maldade.

Francisco Libânio,
27/04/15, 11:02 AM

quarta-feira, 29 de abril de 2015

1859 - Soneto rasgado em elogios

Acho aquela moça linda, espetacular,
Um desbunde de perfeita, uma musa,
Uma deusa, a mulher que mais abusa
Desse direito de ser bonita e encantar.

Não meço palavras. Ela é das pra casar,
Pra foder, pra adorar. Como não se usa
Escrever à amada, assumo essa recusa,
Escrevo, elogio, zelo para não ser vulgar

(Ainda que foder seja algo de intimidade),
Ponho em soneto a ela toda a majestade
Para exaltar em júbilo a pura excelência.

Ela lê? Não. Até gosta de mim, reconhece,
Sabe que sou poeta, mas logo me esquece.
Pouco muda sua vida toda essa reverência.

Francisco Libânio,

25/04/15, 7:29 PM

terça-feira, 28 de abril de 2015

1858 - Soneto da primeira nudez

E eu que nunca tinha a visto nua
Como nu ela também não me viu,
Senti àquela hora algo mais febril,
A custo tirei a camisa. “Continua!”

Ela disse como se nudez fosse sua
Parte preferida nua no amor. O ardil
Do incentivo funcionou e se seguiu
Meu strip-tease, manifestação crua,

Sem sensualidade e com um medo
De desagradar, de ser só arremedo
De sensualidade. Nada. A aprovação

Dela e sua nudez sendo a novidade
Outra que contemplei com felicidade
Mataram timidez e cerraram atração.

Francisco Libânio,
25/04/15, 3:00 PM

1857 - Soneto apaixonado por sereias

Mesma coisa é o homem que vê
A sereia e se encanta, apaixona,
Vê que ela se torna rápido dona
Do coração dele ficando a mercê

Dos caprichos dela sem porquê.
Quer leva-lo à água, pôr na lona?
Põe, amor, me leva lá, peixona!
Mas repara de novo nela e cadê?

Só guelras e cauda, o que conta,
Diferencia não está lá, Desconta
A falta do sexo nos lindos peitos,

E beija a moça que, contrapartida,
Quer dele algo. Talvez seja a vida.
E serão o casal dos mais perfeitos.

Francisco Libânio,
24/04/15, 12:14 PM

1856 - Soneto sereiado

Aí vem de pensar em uma sereia,
Mezzo moça mezzo peixe e canta
Arrastando pro mar quem encanta
Fazendo do namorado outra ceia.

A criatura, penso, de barriga cheia,
Satisfeita vê que isso não adianta
Seu lado sexual. A vontade é tanta,
Mas na hora H o instinto trapaceia.

Ela, que era pra ser comida, come.
Saciado um apetite fica outra fome
Ainda mais vazia, pois ela não peca

Com homem. Mas aí vem um lance:
Caso ela aquiete sua fome e alcance
Seu objetivo de trepar, cadê pepeca?

Francisco Libânio,
21/04/15, 1:2 PM

Inquietação

O poema em mim grita,
Grita tanto que, ao ouvi-lo,
O coração para pra escutar
E é enchido desse amor
Doce que ele calmamente dita.

Francisco Libânio,
09/06/14, 10:11 PM

1855 - Soneto em defesa do anterior

Não vá achar o leitor que a história
Recém-contada denigre a mulher
O que é só dinheiro o que ela quer.
Não fiz lá uma peça condenatória

Que julga a moça pondo à escória.
Putas existem porque alguém quer,
Existem para companhia e prazer
Do cliente e sem fazer obrigatória

Essa companhia. Ela nunca obriga
Ou coage Se foi atrás e deu briga
Em casa o querer foi dele somente.

E se ela cobrou caro é o diferencial
Da concorrência e se ele pagou tal
Valor valeu se ele saiu dali contente.

Francisco Libânio,

21/04/15, 10:38 AM

sábado, 25 de abril de 2015

1854 - Soneto dilapelado

Uma mulher musa, dessas perfeitas,
Desenhadas com régua e compasso,
Do mais fino e do mais castiço traço
E que os pares se veem almas eleitas

Pelos céus me deu atenção. Feitas
As apresentações, o próximo passo
Foi a intimidade. Vi um descompasso,
Um algo errado ir contra as receitas

Do flerte. Primeiro eu ser o alvo final
Dessa vênus, então o desejo seminal
Da cama sem os pro-formas normais.

Desconfiei, mas aceitei. Foi meu pinto
O guia e o ouvi. Então uma vez extinto
O fogo, ela mostrou nota e pediu reais.

Francisco Libânio,
20/04/15, 7:00 PM

Premonição

Nunca tinha acontecido aquilo. Não na fila da lotérica da pequena cidade, evento cotidiano em sua vida. Lá ele pagava suas contas, acertava seus cálculos bancários, ocasionalmente cantava uma moça na fila ou uma das atendentes (uma, inclusive, quase já seduzida pela lábia) e discutia futebol ou engatava amizades. A fila da lotérica era um rico momento social. Só que aquilo, aquilo nunca tinha acontecido antes.
Aquilo era uma conexão com o Além. Na fila da lotérica estava sentindo um vento frio, um tremelique, um formigamento, e isso era novidade. Pensou se tratar de alguma intervenção superior, um contato que viesse mudar a sua vida, por que não? Estava na fila da lotérica. Sempre fazia seu jogo e quem sabe o Destino não lhe sorriria. Não que acreditasse nessas coisas, mas duvidar também não duvidava.
O transe durou toda sua estada na fila,  longa e demorada aquele dia, o que fez sua conversa com o Desconhecido ser demorada e bastante esclarecedora, ao menos para ele. Quando chegou sua vez – não com a atendente da paquera, mas por uma mocinha sardenta e impaciente – falou com voz alterada, grave:
- Faça o favor de pagar minha luz, minha água. – e deu os boletos – e aproveite também para fazer um jogo na Mega. – Deu o canhoto em branco.
- Quer que a máquina faça o jogo? – perguntou mecanicamente a moça.
E ele sempre deixava que a máquina escolhesse os números. Não naquele dia.
- Não! Tenho os números comigo.
- O senhor devia anotar antes, né?
- Desculpe. É que eles me vieram ditos como uma psicografia, a senhorita entende?
Não entendia. Era evangélica, não acreditava nessas conversas. Fez um discreto desconjuro e voltou a atender o rapaz, cliente antigo da casa.
- Pois então diga os números. Vou fazer pro senhor.
- O primeiro é... É... Seis! Isso! Seis! Dia do aniversário da minha finada avó.
O seis foi devidamente computado. A feição do rapaz, ainda que tranquila, era lívida, estava branca. Ela pediu o outro número.
- Coloque aí. Outubro? Outubro é que número mesmo no calendário?
- Dez.
- Isso! Dez! Ponha aí, dez. Mês de nascimento do meu avô Paulo. Outubro. Dez. Era o número de sorte dele, minha avó dizia.
Assim a moça ia digitando os números e sabendo da história dos antepassados. Mas a fila se acumulava e ela pedia pressa com o “papo com seus avós”. Forçou pra não ser deselegante. Faltavam mais quatro números.
 - Ponha... Trinta e cinco! Isso! Idade que meu avô Pedro teve quando meu pai nasceu. Trinta e cinco! Ou trinta e seis? Meu Deus! E essa agora? Tenho dúvida!
- Vou pôr trinta e cinco porque tenho certeza que seu avô ainda tinha bala na agulha pra fazer outro filho. – A intervenção sarcástica da moça desagradou o rapaz. Estava caçoando da sua família e de seu momento transcendental? Não se agastou. Tinha ainda mais três números. Tentou manter seu contato e cravou:
- Vinte e sete. Isso! Vinte e sete. A idade com a qual meus avós se conheceram. Ambos eram da mesma idade.
- Eles estão falando com o senhor aí? – perguntou a moça entre curiosa, incrédula e galhofeira.
- Você não entenderia se eu explicasse. Já está acabando... Deixe-me ver... Acho que... Quarenta e um! Quarenta e um era o número da primeira casa em que meus pais moraram. Foi antes de eu nascer. Tempos difíceis que ajudaram meus pais a vencerem na vida. Coloque aí quarenta e um!
- Estamos indo bem apesar de tudo. – disse ela aliviada. – Mais um numerozinho e acabamos aqui.
Nesse momento, o rapaz desmaia. Alvoroço na lotérica. A moça fica perplexa. Sabia que esse negócio de conversa com o outro mundo não é coisa de Deus e resolveu adiantar o lado de todos. Viu no relógio. Era três e trinta e dois quando do desmaio. Colocou o último número, trinta e dois, e fechou a aposta. Quando acordou, ele não se lembrava de nada. Um teste rápido, perguntas sobre os idos de sua família. Ele não conheceu seus avós. Passou o bilhete da aposta e chamou o próximo. O rapaz saiu confiante. Quando lhe contaram o que tinha se passado acreditou mesmo que uma intervenção espírita podia dar uma mão na sua sorte. Acreditou com toda a fé no jogo da semana. Em vão. Nenhum dos números que o Sobrenatural lhe ditou foi sorteado. Passaram longe. Nem o cheiro. O mais próximo foi um solitário trinta e três, primo próximo e desnecessário do momento do desmaio.

Francisco Libânio,
15/04/14, 9:23 PM

Haicai 01

O certo é hai-kai ou haicai?
Não vale aqui isso debater
Um ou outro, logo se esvai.

Francisco Libânio,
25/04/15, 7:31 PM

1853 - Soneto frugal

Eles dizem de comer beldades
Qual se elas fossem banquetes
Refinados de sair em manchetes
“Comi! Sou como as divindades!”

E execram as menores fealdades.
Como se indignas até de boquetes,
De beijos até, São pobres cadetes
Que se desenham qual autoridades.

Conseguem as deusas? Às vezes,
Mas a maioria esconde os revezes,
Pois fracasso se oculta e não conta.

Eu, que não “como” e até dispenso
A beleza pura desprovida de senso,
Prefiro a musa que a eles amedronta.

Francisco Libânio,
20/04/15, 9:04 AM

quarta-feira, 22 de abril de 2015

1852 - Soneto interesseiro

Se não há almoço grátis, tudo
Que se oferece é como a mão
Que lava a outra, a negociação
Vezes sórdida. Qual conteúdo?

Se grana ou vantagem o estudo,
O debate leva a alguma reflexão.
Se sair ganhando tem aprovação
E se fizer perder, aí sim o papudo

Fecha acordo e dá sua a palavra
E faz promessas da melhor lavra,
Mas cumpri-las, já sabe. Não irá.

E ainda vem dizendo de amizade,
Coisa de irmão. Olhe a veracidade.
Por esse almoço caro se cobrará.

Francisco Libânio,
19/04/15, 10:59 AM

terça-feira, 21 de abril de 2015

1851 - Soneto à meia luz

Quando ela me deitou em sua cama
E diminuiu a luz deixando que visse
Sua beleza, entendi sua malandrice,
Saquei que ela já desenhava a trama

Comigo de antes. Ardil de quem ama?
Não sei, dizer que ama ela não disse.
Tudo soava a como gostosa brejeirice
De uma puta que na rua era a dama

Mais recatada que existiu. E, assim,
Meio acesa a luz, viria um sem-fim
De prazeres, esperava uma explosão

De libido. Aconteceu. Ela a cumpriu
E fez o prazer percorrer por cada fio
Do meu corpo. Eu era só satisfação.

Francisco Libânio,
18/04/15, 6:19 PM

segunda-feira, 20 de abril de 2015

1850 - Soneto lítero-erótico

Soubesse dissecar os sabores
Da cama em letras e em versos,
Eu iria até os mais submersos
Momentos de onde os maiores

Prazeres são absolutos senhores.
Lá, onde vivemos em universos
Perfeitos rezando alguns terços
Pagãos purgando nossas dores.

Soubesse passar isso em soneto,
Eu treparia como escrevo: Direto,
E talvez fosse até o poeta melhor

Que sou, mas o vazio dessa cama
Inibe dia a dia minha pálida chama
Atacando até meu lado soneteador.

Francisco Libânio,
17/04/15, 12:43 PM

1849 - Soneto erodido

Esses vazios entre os sonetos
Não são só falta de inspiração,
Mas talvez depure a produção
E não faço deles os panfletos

Vazios que faço sem os vetos
Devidos só para fazer coleção.
Qual este soneto sem situação,
Sem ideia boa, sem desafetos,

Sem putaria, sem mulher, nada!
Este soneto, mais terra arrasada
Que podia até mesmo nem existir,

Mas tão sem nada e sem motivo
É que ele, apenas para pôr vivo
O poeta, surge como já vai partir.

Francisco Libânio,

15/04/15, 5:50 PM

sábado, 18 de abril de 2015

Poema de fuga 30

Instintivamente,
Eu olhei as pernas
Até a bermuda curta
E imaginações eternas.
Depois andei pra frente,
Outro olhou e desejou
E fez fato o que imaginou
Sem autorização
Com tirania e devassidão.
Pior: Depois me citou,
Falou que foi instintivo,
Mas eu só a olhei e segui.
Em nenhum instante e instinto
Fui violento ou invasivo.

Francisco Libânio,
05/04/14, 11:11 PM

1848 - Soneto sorumbático

Se falta mulher lazer e dinheiro,
Ser feliz é algo que se complica.
O enfado vê tais vazios e já fica
Pulando feliz, todo alvissareiro.

É nessa hora que falta primeiro
Força pra reagir e que solidifica
O desânimo. Chamado, já estica
Estadia. O duo não é derradeiro.

Vem outras coisas, o baixo astral
Faz moradia, acha tudo isso legal
E fodam-se o Chico e sua alegria.

Mas aí uma amiga dá um sorriso,
Sugere uma diversão de improviso
E o que é de mal vaza em correria.

Francisco Libânio,
11/04/15, 9:11 PM

sexta-feira, 17 de abril de 2015

1847 - Soneto de luz acesa

Pediu à parceira um tal favor
Que ela, tímida, fez a recusa.
Pediu vê-la nua, sem a blusa,
Sem nada com a luz, ver cor,

Tonalidade e não só ter sabor,
Toque. Ela veio com a escusa
De que estava feia, mas, musa
Que era dele, cedeu. Foi amor,

Foi qualquer coisa, a luz ligada
Iluminou o corpo da sua amada,
Mas ele não correspondeu bem.

Falhou, o pau não ligou. Vacilo!
Concluiu: O pinto ficou de grilo,
Pois queria luz apagada também.

Francisco Libânio,
11/04/15, 2:24 PM

Indiscrições

A história se passou há muitos anos, quando fui fazer um exame médico admissional para um trabalho temporário. A Agência recomendou que eu fosse a um dado médico recomendado pela Empresa à qual eu pretendia me engajar. Deram nome e endereço e que eu fosse vê-lo o quanto antes e entregasse o laudo o quanto antes. Dito e feito. Assim seria.
Dia seguinte, fui pela manhã ver o doutor. Não fui o único. Muita gente estava lá. A Empresa precisava de muita gente para trabalhar. Quase pegando no laço. Desde que tivesse boa saúde. E isso quem definiria seria o médico.
A secretária foi fria e sucinta:
- É muita gente, mas fica tranquilo. A consulta com o doutor é rápida.
De fato. Desde que cheguei, o entra-e-sai da sala do Doutor era rápida. Não demorava dez minutos. Resolvi cronometrar. Só um colega que foi mais demorado. Demorou doze minutos. Os outros ficavam entre sete e oito minutos. O laudo – curioso pedi os de alguns – estava sempre carimbado garantindo apto ao trabalho. E, de fato, a saúde de todos, parecia ótima. Tirando um que eu achei que parecia ter hepatite e outro que tinha a cara manchada. Torci para que – caso eu também fosse aprovado – esse não trabalhasse no mesmo setor que eu.
Eis que chega a minha vez. A secretária chama meu nome de forma impessoal e fria. Até impaciente, eu diria, já que eu me distraía com um jornal. Tomei assento. O médico era um homem velho, careca, manchas de idade e voz de fumante, mas daqueles que o vício fazia o que bem entendia. O clima era de total estranheza. Não havia afabilidade nem simpatia. Perguntou meu nome e confirmei. E começou um pingue-pongue:
- O senhor bebe?
- Pouco, só nos fins de semana.
- Fuma?
- Parei há uns quatro anos.
- Pratica exercícios?
- Jogo futebol com os amigos duas vezes por semana e faço caminhada quando posso.
(A caminhada sempre foi muito mais terapêutica que exercício físico pra mim. Quando podia ou estava nervoso ou triste eu fazia). O médico anotava sem olhar para meu rosto. Continuou:
- E sua vida sexual, como está?
- Como assim?
- Sexo, meu amigo. Trepação. Falando o português cristalino, foder. Como anda se saindo nas fodas?
Achei um absurdo. Não sou casado há um bom tempo e não tenho namorada fixa há alguns meses, quase um ano. Decidi que mulher não seria minha prioridade. Precisava arrumar um trabalho para pagar as contas e mulher não me pagaria pra isso. Tive um e outro rolo, uma noite casual. Contei que andava parada e fiz a besteira de falar que não foi aquelas coisas.
- O senhor broxou?
O limite tinha sido pra lá de ultrapassado. Quis bater na mesa com uma mão e acertar o Doutor com a outra, mas me contive. Era um homem de idade e devia estar numa situação pior que eu nesse aspecto. Respondi que não, mas, como não era um menino, a coisa não tinha sido o espetáculo dos filmes.
- Entendi. Faltou o senhor dar uma lambida na checa delas. Faça isso que a língua desperta o pau. – falou o médico que assinava um laudo me declarando apto para trabalhar.
Em uma semana dali eu começaria em meu novo emprego temporário que ficou sendo permanente e que é onde estou até hoje. Devo tudo a esse emprego. Graças a ele, consegui comprar minha casa e foi nele que conheci a mulher que é minha segunda esposa. Segui o conselho do Doutor. Língua e despertou o pau. Foi uma das melhores trepadas da minha vida e ela está grávida do meu primeiro filho, o Renato. Não ter filhos foi o que arruinou meu primeiro casamento e é o que está dando todo o gás a este. Tudo de bom. E o cara das manchas na cara não trabalha no mesmo setor que eu, o que é bom, pois vai saber... Tenho medo.
E a quem interessar possa, minha consulta demorou oito minutos cronometrados.

Francisco Libânio,
07/04/15, 9:30 PM

Hai-kai 16

Com amor relutante,
Ele ficou naquela
E ela seguiu adiante.

Francisco Libânio,
17/05/15, 3:51 PM

1846 - Soneto da quinta antes da Paixão

Na quinta antes da Paixão, os cabeças
Tramando lá como pegar Jesus de jeito,
Pensaram num modo de causa e efeito
Que desse certinho. Não queriam essas

Historinhas bobas ou prisão às pressas,
No estouro. Assim, o império era sujeito
À revolta. O homem tinha mui bem feito
Sua torcida e ela podia pirar com essas

Coisas de revolução. Precisava cuidado.
Eram doze caras devotos no apostolado,
Mas sondando, um topou negociar trato.

Uma grana e um beijo. Fechou negócio.
Os judeus tiveram em Judas esse sócio
X9 que faria o serviço. E até saiu barato.

Francisco Libânio,
02/04/15, 6:28 PM

1845 - Soneto do pecado nefando

Os padres nos tempos da Inquisição
Diziam do pecado nefando, sodomia,
O mais abjeto, o pior que deles havia
E contra ele seria grave uma punição.

Ser gay na Idade Média, uma situação
Horrível. A Europa, que a tudo já punia,
Soube medir bem o mal, com tal tirania
E com furor que nunca haveria salvação.

Só que no Brasil, a um oceano da matriz,
Terra de índio, escravo, ladrão, meretriz
E branco doido para por as asas de fora,

A Inquisição tentou ser feroz no castigo,
Mas aqui menos puniu que deu abrigo
Já que até padre tinha a vez de senhora.

Francisco Libânio,
02/04/15, 11:53 AM

1844 - Soneto conquistado por uma linda

Quando ela disse que me queria, sinuca!
Um monumento desses me dando ponto,
Algo está errado. Penso eu como o tonto
A quem a sensatez, cruel que é, retruca.

Ela está te zoando. Olha que é arapuca!
Aparentemente certa ela, mas eu aponto:
Talvez ela queira, sei lá, um contraponto
À sua beleza. Ou seja apenas uma maluca

Que resolveu abdicar dos tantos apolos
Existentes. Invisto e sigo seus protocolos
E caio na rede. Serei seu prato principal.

À cama, a sensatez me cutuca outra vez.
Com tudo a se consumar, peço-lhe cortês
Que se vá. A loucura cuidará desse casal.

Francisco Libânio,
01/04/15, 2:15 PM

1843 - Soneto abrasivo

Viu um com o mesmo sexo
Abraçado; quis matar, pisar,
Por as coisas no seu lugar.
Seu argumento desconexo

E o ideário batido sem nexo
Fez mais quem ouvisse vaiar,
Mas tanta convicção lapidar
A pôr o bom senso perplexo

Fez com que ele se dissesse
O diamante que não amolece
Ou se dobra ante a viadagem.

O que não amolece é a cabeça
Oca. Deixa-se que ela pereça,
E que o moderno siga viagem.

Francisco Libânio,
23/03/15, 8:03 PM

1842 - Soneto da hora agá

Entre ter dúvida e o fingimento
Em não saber há tal diferença
Que o primeiro atenta a crença
Que, sem um pressentimento,

Engana o melhor entendimento.
Já o não saber, esse dispensa,
Mas não perdoa uma pretensa
Bobagem ou um mal fazimento.

Assim o rapaz que consumir ato
Libidinoso e perceber ali um fato
Estranho, uma mulher diferente

Se teve dúvida assumiu o risco.
Se não sabia, foi ao pote arisco,
Deve enfrentar o que apresente.

Francisco Libânio,
23/03/15, 10:02 AM

1841 - Soneto rebelde sem causa

Sai na rua e a fazer protesto,
É apartidário, mas nem sabe
O que é isso. Acha que cabe
Só o fato de achar desonesto

O chefe arrancá-lo. Manifesto
Não-sabe faz que mais babe
O sujeito a vociferar que acabe
Ele a ter razão. Sob cabresto

De algo ou alguém ele ressoa
Gritos de ordem e a coisa boa
De tudo se esvai. Fica o boçal

Querendo o que não pode ter,
Ofendendo como fosse o lazer
Sem ver que pede coisa ilegal.

Francisco Libânio,
18/03/15, 1:33 PM  

Poema de fuga 29

Essa mulher que amo,
Coração, não se alegre,
Aliás, pode ficar triste.
Mais que eu a chame,
E mais que eu a regre,
Ela não me existe.

Francisco Libânio,
02/02/14, 12:00 AM

1840 - Soneto empauzado

Mas que diabo um pau de borracha,
Preto, grosso e baita de um consolo
Faria pra o amigo? O momento solo
De prazer íntimo lá na traseira racha?

Não sei. Não penso em como se acha
Uso para aquele troço. Eu não violo
Intimidade nem julgo se é bom o dolo
De quem usa o negócio. Despacha

O presente e que tal pau qual amigo
Fiquem pra lá. Isso eu não investigo,
O pau sumiu e o amigo deu por findo

O assunto. Dou-o por findo também.
Mas baixo a guarda e então que vem
A cena triste do amigo se divertindo.

Francisco Libânio,
17/03/15, 7:20 PM

Cinquenta tons

- Senhora Anastácia, precisamos entender exatamente o que nos trouxe aqui. A senhorita disse que houve um caso de violência doméstica, confere?
- Na verdade não, senhor delegado. Houve uma cena de amor.
- Mas conto na senhorita, assim, de primeira vista, cinco hematomas. Estou com medo do que o exame de corpo-delito pode encontrar além do que é aparente.
- Sim, é que meu amor com o namorado às vezes transcende o que a classe média diz ser amor, entende?
- Não entendo.
- Senhor delegado, eu e meu namorado somos pessoas que, na cama, deixamos o desejo falar mais alto. Soltamos os bichos que temos dentro da gente e abrimos a mente pra fantasias.
- Anote isso. – pediu o delegado a um polícia que o acompanhava – Principalmente a parte dos “bichos dentro da gente”. Dona Anastácia, tem algo mais a dizer sobre o delito?
- Não até porque não acredito que tenha havido qualquer delito nesse quarto, senhor delegado.
- Mas a senhora falou de uma violência doméstica ao chamar a Patrulha...
- Perdão, delegado, mas o senhor não está contextualizando os termos. Disse que houve um encontro doméstico casual com uma violência deliciosa. Violência doméstica foi uma conclusão errada que o senhor fez.
O delegado coçou a cabeça sem ter o que acrescentar. Dois polícias que o acompanhavam fizeram rápida busca pelo quarto. Acharam algemas, um chicote e uma arma branca, um picador de gelo que estava debaixo da cama. Olhou mais uma vez Anastácia toda lanhada e cheia de marcas de agressão. A violência contra a jovem era evidente, mas muitas coisas estavam mal explicadas. Sim, foi ela quem tinha chamado a Patrulha frisando que viesse mais de um homem, uns dois ou três. O chamado preocupou o delegado daquela tranquila cidade e escalou dois. A última ocorrência em que precisou se deslocar ao local do crime foi uma briga de casal há três anos. Certa forma já tinha experiência em resolver problemas conjugais e como resolveu tudo de forma muito diplomática (proibiu o marido de chegar perto da atua ex-esposa e a proibiu de telefonar pra ele, inclusive bloqueou o número do esposo, nenhum dos dois era santo), achou que poderia usar da prática nesse novo episódio. Só que aquela vez não teve porrada, não teve machucado e muito menos uma mulher que não lamentava as escoriações.
- O senhor precisa ver como ele ficou. E quer saber? Não nos arrependemos, viu? – teria dito em seu depoimento.
- E cadê namorado? Evadiu-se do local?
- Foi comprar cigarro e pão pro café. Já-já tá de volta.
- Ele viu a senhorita ligar?
- Não, liguei quando ele tinha saído. Ele vai ter aquela surpresa ao ver isso aqui.
Aí o delegado achou estranho mesmo. Recapitulando. Houve uma cena de sexo (“de amor, delegado, amor pra valer!” teria corrigido a moça enquanto ele matutava em voz alta) e durante esse encontro houve violência que deixou a mulher toda machucada, mas, segundo ela, ele também não estava inteiro. Havia uma arma branca, um picador de gelo, mas a moça esperou o namorado se ausentar pra chamar a polícia. Pensou em chamar algum psiquiatra pra uma entrevista com a moça que, certamente, não estava no seu juízo perfeito. Achou melhor não envolver mais gente no rolo. Cidade pequena, sabe como é. Olhando de novo para o picador de gelo, achou melhor guarda-lo para usar quando conviesse. E em mais entrevistas com a moça, que agora acendia um cigarro e fumava com o prazer da realização, nada era esclarecido. Apenas a satisfação do orgasmo e do sangue eram notórios em sua fala. Não havia homem melhor que o dela, um verdadeiro representante da espécie, talvez o último.
E foi durante essa jogação de confete que adentra o quarto o namorado. Ao pisar um pé porta adentro os dois polícias não têm dúvida: Metem as armas na fuça do suposto agressor que se assusta com as máquinas, mas se alivia ao ver a cara da parceira estirada na cama. Só diz uma palavra e ri maliciosamente após o sorriso cúmplice dela.
- Safada!
- Muito! – respondeu.
- Senta aí, malandro! Vamos levar um papo! – o delegado resolve impor a autoridade que a função exige. Mandou que os polícias abaixassem as armas e começou as perguntas de praxe: Nome (Cristiano), ocupação (garçom, mas faço uns bicos), filiação, documentos, tudo em ordem.
-  Me conta aí o que houve. – mandou o delegado.
- Assim, doutor, eu e minha morena tivemos um coito como todo casal que se preza tem. Acontece que ela gosta muito de ler esses livros, sabe? E leu uns aí que viu a mulher tomando uns tapas do namorado e ela ficou doida. Falou que ou eu fizesse igual ou já era. A princípio não achei muito certo porque em mulher não se bate nem com uma flor, né? Mas ela insistiu. Chego em casa e ela me mostra essas algemas, esse chicote e umas coisas mais – e mostrou outros artefatos guardados que nem chegaram a ser usados no coito. O delegado olhou pra mulher, que fumava mais um cigarro enquanto assistia a toda a conversa.
- Eu não ia usar tudo de uma vez, né? Um pouco de cada vez.
- E ela disse que o senhor também não ficou ileso nesse encontro. O senhor pode ter a gentileza de tirar a camiseta por favor? – pediu o delegado.
Foi obedecido e se arrependeu. O rapaz tinha o corpo arranhado, tantos hematomas quanto a moça, marcas de cigarro no peito, nos ombros e nas costas (“Foi a única coisa que não gostei” disse ele. “É, acho que abusei, mas deu um pouco de tesão, fala aí.” Admitiu ela que teve um aceno positivo de cabeça por resposta). Foi quando o delegado sem entender com aquela perversão mútua e consentida se voltou pra moça e perguntou:
- Afinal, dona Anastácia, por que a senhorita chamou a Patrulha se tudo aqui, por mais nojento e doentio que seja, foi consensual?
- Porque eu queria contar pra cidade inteira a trepada eu a gente deu. E resolvi começar pelas autoridades. Depois vou contar pras vizinhas. Aquelas vão morrer de inveja!
Indignado com o desaforo e querendo um motivo pra triunfar, o delegado resolve apelar. Pega o picador de gelo e esfrega na cara do namorado:
- E que é isso aqui que achamos embaixo da cama? O senhor pode explicar?
- Não acredito! Meu picador de gelo! Tô procurando esse troço há um tempão. Achei que tinha perdido. É o único defeito dessa mulher delegado. Bagunceira pra caramba!
Chamou os polícias e foi embora. E a casa, de fato, estava virada de pernas pro ar.

Francisco Libânio,
15/02/15, 6:12 PM

sábado, 11 de abril de 2015

Hai-kai 15

Amor despedaçado
Uma tristeza só
Dividida a cada lado.

Francisco Libânio,
11/04/15, 9:37 AM

1839 - Soneto sumido

Aí o leitor pergunta: E o presente?
Seu amigo vem, pede emprestado
E some com ele? Que descarado!
Que amigo some com o da gente?

Digo que o pau citado anteriormente
Não fez falta e nem era lembrado.
Lembrei dele no soneto e já citado
Caiu no esquecimento novamente.

Um pau de borracha não é do uso
Cotidiano. Foi um presente escuso
Que, de verdade, nem via por meu.

E se meu amigo precisava e pediu,
Que esteja em boas mãos esse viril
Consolo. Ele precisava mais que eu.

Francisco Libânio,
17/03/15, 12:40 PM

1838 - Soneto presenteado 02

Pior caso aconteceu comigo,
Este poeta que é fã de peito
E que foi vítima do mau jeito
De um que se diz bom amigo.

É o caso que no soneto digo.
Aniversário, outro ano é feito,
Amigos à festa e, com efeito,
Vem todo feliz o mais antigo

Dos amigos. Presenteia e acha
Graça num pinto de borracha
Que me dá e todos riem igual.

Avida segue. E educadamente,
O pede emprestado o presente.
Eu o fiz. E ele sumiu com o pau.

Francisco Libânio,
16/03/15, 1:23 PM

1837 - soneto presenteado

Diz-se aí que a cavalo dado
Não se olha o dente. É certo.
Ao presente o peito aberto
Deve ser e com bom grado

Se o regalo não der agrado,
Seja discreto. Se descoberto,
Conte e talvez haja conserto,
O presente possa ser trocado.

Mas e se o regalo em questão
É mulher, uma que em situação
Dada um amigo seu apresentou?

Não é a musa, pior, houve logro.
Ela tem um plus. Seu amigo ogro
Fez essa. Você usufruiu e gostou.

Francisco Libânio,
16/03/15, 12:06 PM

1836 - Soneto chovido

Ao ver a chuva cair, a nostalgia
Mostra eu criança e uma lavação
No céu. Torneira ligada e trovão
Era móvel arrastado. A fantasia

Passou, a chuva, como a do dia
De hoje, dá levíssima inspiração.
O soneto realça a minha solidão
E os papos revelam o que podia

Acontecer se aqui não morasse.
Mas a chuva vence até o impasse
De fazer e o que não fazer. Lido,

Meu soneto sem namorada e real,
Sem fantasia, me agrada e é legal.
A chuva fecunda um tempo perdido.

Francisco Libânio,
14/03/15, 7:31 PM

1835 - Soneto lambido

Pense a língua a passear pela gente,
Cheia de carinho, tesão e de rapapés.
Glauco Mattoso curte passa-la nos pés,
Eu amo que ela me venha pelo torso.

E já que a intimidade inibe o remorso,
Dou à amiga a maior e melhor das fés,
Permito que faça impensáveis banzés
E ela, com a língua, não mede esforço.

Faz de mim prato principal e pospasto,
E eu que queria putaria me acho casto,
A língua vai além de onde podia supor.

Ela lambe tudo, ela limpa onde me sujo,
Deixa polido o corpo todo e o dito cujo.
E admiro essa gordinha a fazer o melhor.

Francisco Libânio,
14/03/15, 10:26 AM

Poema de fuga 28

O preto de alma branca
Nada mais é que o bom preto,
Trabalhador, honesto, bom pai,
Bom marido, distinto e dileto
Que um branco eu não é nem vai
Ser igual resolveu (auto) elogiar
Mas o preto de alma preta,
Como ele, por acaso, ia brigar?
O branco era racista, seu azar!
Não tinha alma branca, preta então...
Só ao branco essa branca etiqueta
Tinha valor. O preto, com seu valor,
Era um grande homem, eis a distinção.

Francisco Libânio,
27/01/14, 10:02 PM

1834 - Soneto afinado

Vi a mulher, senti aquela atração,
Aquele tesão, e também o a mais
Que fez querer coisas especiais
Com aquela musa, tentar ligação,

Encetar assunto. Parti para a ação.
Bom começo. Sucesso até demais.
Havia entre nós afinidades iguais
E tudo fazia crer que uma relação

Dali seria bem sucedida além sexo,
Tudo dando tão certo, eu perplexo!
E ela disse: Tenho bem mais massa,

Será que dará certo? Você duvida?
Perguntei. A gordinha divide a vida
Dela comigo que acho nela a graça.

Francisco Libânio,
10/03/15, 12:05 PM

A Rússia e a minha vida

A primeira vez que eu ouvi falar de Rússia, ainda não era exatamente a Rússia. Era a União Soviética, abarcava outros países e ainda não era exatamente seguro nem “politicamente correto” demonstrar simpatia por ela. Tudo coisa que soube mais tarde. Na época, eu tinha apenas nove anos e, por algum motivo, eu gostava da sigla CCCP nas camisas dos esportistas da, então União Soviética, nas Olimpíadas de Seul. E a cor vermelha sempre me agradou. Pra família era simpatia de criança, coisa boba.
Passou-se o tempo, a Rússia apareceu depois de quebrar a União Soviética a partir de nomes que eu achava engraçados quando criança. Glasnost, Perestroika, Gorbachov. Vieram juntos os outros países que mais bagunçaram a minha vida de, então, prodígio familiar por decorar países e capitais. Era muito melhor quando a única capital era Moscou. Agora a família abusava do prodígio. E se eu não soubesse que Bishkek era a capital do Quirguistão era quase como uma derrota do Mike Tyson pro Buster Douglas. Deixei isso pra lá. Os novos países estavam muito longe de minha vida semiadolescente.
Vieram as aulas de Geografia, uma quase doutrinação de que a Guerra Fria, recém-acabada, tinha um derrotado, a União Soviética, e que simpatizar com o derrotado era ser derrotado também. Paralelo às aulas, a cabeça que queria ter, ter, e ter guiada pelas propagandas e pela sanha consumista. O negócio era ir pra Disney e nunca conhecer a Praça Vermelha. Praias no estrangeiro eram as de Miami, da Califórnia e nunca ninguém falou das praias do Mar Negro. As praias da Crimeia nem eram citadas. Foi um momento em que a Rússia morreu. Terminou que eu, jovem de classe média, diferente de muitos iguais a mim, nunca fui pra Disney, não conheci Miami, nunca estive nos EUA enfim. E isso nunca me fez, exatamente, falta. Acabei sendo um americanófilo sem nunca pisar lá. Nem na Rússia.
Ficando adulto e estudando o mundo e a Rússia em História e em Geografia, alguma coisa da admiração pelos russos voltou. Nada a ver com Stalin e a transformação negativa e tirânica de um sistema que, no papel, podia dar certo, que era o Socialismo. Nada a ver com o que os governantes pós Stalin fizeram, menos repressivo, mas igualmente desvirtuado do que era pra ser o governo dos sovietes, esse sim me agradava e agrada se tirar a violência e a repressão. Além do quê, a União Soviética e seu mosaico de raças, povos e línguas também eram interessantes. Eis que me cai nas mãos o primeiro escritor russo. Fiodor Dostoievski. Leio Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo. A literatura russa, a partir de um escritor, me cativa definitivamente. Logo vem Ana Karenina, Tolstói é outro que arrebata o gosto. Lê-los me dá a vontade de aprender o idioma e ler tudo no original, mas ter que aprender outro alfabeto, além de outro idioma, me faz usar as palavras de uma amiga “Aprender russo, eu quero, mas não vai ser nessa vida”. De qualquer forma, espero encontrar uma tradução boa de Guerra e Paz pra ler.
Tudo isso pra dizer que hoje, tenho um carinho que vem de criança pela Rússia, adoraria conhecer o país, se possível andar de trem pela Transiberiana, ferrovia que liga Moscou a Vladivostok (que eu só conhecia de jogar War) e ver como é esse imenso país. Agrada demais ver a Rússia ser um dos emergentes da economia mundial e ainda tem, por conta do passado soviético, certo respeito pelo mundo. Não há uma admiração política ou ideológica até porque a União Soviética mais errou que acertou e, por isso, sucumbiu. Resta uma Rússia tão contrastante quanto o Brasil e seus parceiros de BRICS. Fica o carinho, mas vendo um país com tudo isso e um líder que podia ser exemplo tomando decisões tão ruins para uma parcela de sua população como admirar? Um homem que lidera o país a um crescimento econômico e chega mesmo a peitar grandes potências emulando momentos mais tensos da Guerra Fria consegue ser tão preconceituoso? Como um sujeito, desses marca por ser um homofóbico convicto que derrama ódio por gênero para a Instituição? Mesmo sem ser homossexual, agride a quem admira, mais que a Rússia, mais que a literatura russa, o ser humano e sua diversidade. Continuo admirando a Rússia da minha infância, mas esses russos, diferente de Tolstói, merecem meu repúdio.

Francisco Libânio,
09/11/14, 1:38 PM


1833 - Soneto atraiçoado

Viu-se numa lama tremenda, a vida.
O espaço entre nascimento e morte
Era bom e saudável, mas sem porte
De rei e queria usar a realeza devida

E que, em seu entender, era merecida.
Para ser como um rei, ele jogou forte,
Ganhou dinheiro e montou uma corte
De amigos, puxas e parças na bebida,

Na comida e em outros todos prazeres.
Oferecia a eles tudo, carros a mulheres,
Um dia, enquanto dormia, veio sorrateiro

Um do seu séquito e o matou. A briga
Agora indispõe, cerra punhos e instiga
Todo aquele que se dava por herdeiro.

Francisco Libânio,
09/03/14, 7:32 PM

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Hai-kai 14

Não desvie sua atenção.
Ou o que vier pode ser
Algo bem pior: a tensão.

Francisco Libânio,
02/04/15, 6:30 PM

1832- Soneto fedido

E veio outro cara, o bodum
Que contaminava todo o ar,
Um urubu vinha o escoltar,
E rato ele trazia mais de um.

E dizia sem vexame algum:
Banho? Mas olha esse lugar!
Sujo igual, parecendo o mar
Da Guanabara fede a bumbum

De velho cagado, tá um nojo!
E falando com tamanho arrojo,
Uma voz fez coro e disse igual,

Outra a acompanhou e o coro
Criticou esse hipócrita decoro
Num tão sujo e fétido hospital.

Francisco Libânio,
07/03/15, 10:08 AM

quarta-feira, 1 de abril de 2015

1831 - Soneto perfumado

Chegou ao recinto com tal cheiro
Doce, agradável, mas exagerado.
A princípio soou como bom grado,
Mas em pouco o ambiente inteiro

Ficou empesteado. E de matreiro,
O cheiroso se desviou em cobrado,
Mas tão incômodo que fazia agrado
Àquele terrível olor o de um bueiro.

Aí pediram a ele que fosse embora.
Ele não foi até que chegou a hora
Em que o incômodo bateu a razão.

Arrancaram o cheiroso dali na marra
E para se vingar fizeram uma farra
Jogando o engomado num caminhão.

Francisco Libânio,
06/03/15, 8:10 AM

terça-feira, 31 de março de 2015

1830 - Soneto de amor adiposo

Pensei uma história de amor
Rápida, conhece-se e casa.
Sem rodeios e sem dar asa
A dores ou ao tipo sofredor.

Uma gordinha, charme-mor
Namora um sem mente rasa,
Gosta dele e o par extravasa
Em fluidos. Ele, galanteador,

Pede-a em casamento e sim.
Ela o aceita e tudo fica assim.
Casal casou e o soneto deu.

Só lamento que essa história
A celebrar do amor tal vitória
Não tenha por personagem eu.

Francisco Libânio,
05/03/15, 12:10 PM

1829 - Soneto autolimpante

Alguém leu meu soneto e o viu sujo,
Feio a versar apenas sobre bobagem.
Criticou, foi contra a tal sacanagem
Vista no soneto e condenou o cujo.

Eu, que o escrevi, e que nunca fujo
Da crítica, mesmo cheia de fuleiragem,
Ponderei e resolvi, de primeira viagem
Ao politicamente correto ser marujo.

Tirei a sacanagem, tolhi a grosseria,
Repreendi palavrões como se queria
Pra ver se é isso que a claque gosta.

Ficou sem sal minha nova produção,
A plateia aplaudiu por mera educação
O soneto limpinho, que era uma bosta.

Francisco Libânio,
05/03/14, 10:36 AM

1828 - Soneto da reação antimachista

A moça passou incógnita e um gaiato,
No afã de ser poderoso ou o perfeito
(Idiota, no caso) fala: Que baita peito!
A moça escuta esse despudorado ato

E ato contínuo põe fora eles ao chato.
“É bonito, né? Mas é só para o eleito
Por mim. Cretino qual você, nada feito!”
E o cara, assustado e todo estupefato,

Pede pra ver de novo. Negado, parte
Para a força contra ela, mestra na arte
Do jiu-jitsu como na de surpreender,

Sufoca o animal machista que arrega,
Pede perdão e chorar até dizer chega,
Não deu certo com ela o criminoso lazer.

Francisco Libânio,
18/02/15, 9:33 AM

1827 - Soneto da sexta azarada

Inventaram: Sexta-feira treze
É dia de azar, olha gato preto,
Se vir uma escada passa reto.
A superstição que leva a tese

Cria filme. A fé pede que reze,
Deus protege o fiel completo.
Já o mais cético faz seu veto
À bobagem e que se despreze

Crenças e mandingas, é sexta
Como outra, ele de lá contesta.
Quebra um espelho em desafio

E se corta ferindo fundo. A sorte
É quieta, mas instigada vai forte
Ao oponente e o deixa por um fio.

Francisco Libânio,
13/02/15, 8:25 PM,
Sexta-feira 13.

Poema de fuga 27

Tangencio meus medos
Sem intimidade
Trato-os respeitosamente
Sem tanta liberdade
E eles me querem amigo,
Amigo de verdade,
Mas não sou esse bobo
Que lhes dá amizade
Deixo-os dentro de mim,
Mas cobro mensalidade.

Francisco Libânio,

23/01/14, 11:40 PM

1826 - Soneto a trair com uma feia

A patroa desconfiou e pôs na cola
Do marido um secreto informante.
Suspeita se confirmou o bastante
Factual. O beijo de batom na gola

Da camisa era da outra. Pôs a sola
Na história, mas ficou é broxante
O desfecho. Viu a cara da amante
Sentiu pena. Como que se descola

Uma mulher tão estragada assim?
Como o marido a preferiu a mim?
Perguntou a ele que, a ela abraçado,

Só disse: Sei lá, amor tem razões
Só dele, prescinde de explicações
E apanhou das duas esse coitado.

Francisco Libânio,
13/02/15, 10:24 AM