sexta-feira, 1 de maio de 2015

Sísifo

Um homem viu Sísifo em sua sina eterna de rolar sua pedra montanha acima pra ela desafortunadamente rolar pra baixo e a empresa se fazer outra vez. Foi uma semana em que a cena se repetia sem nenhuma novidade e uma resignação nunca vista antes. Nada mudava. Nem mesmo Sísifo se queixava desse mister. Se foi assim até agora por que haveria de mudar e pra quê?
Só que o homem, com uma dessas mentes vanguardistas, achou que a mesma coisa se repetindo, mesmo que fosse uma ordem dos deuses, podia ser feita de forma otimizada. Um homem que rola uma pedra montanha acima se cansa demais e fará a mesma amanhã terá, evidentemente, uma produtividade menor. Cansado de ver sempre a mesma cena, o homem chegou a Sísifo e perguntou há quanto tempo ele fazia aquilo. Há muito tempo, séculos, milênios. Sem sábado, domingo ou feriado perguntou o homem. Sísifo não sabia o que era isso. Apenas empurrava a pedra. Era castigo dos deuses e pronto. O homem se indignou diante daquilo. Com indevida vênia (que arrumou sabe-se lá como), dispensou Sísifo de empurrar sua pedra no dia seguinte.
- Vai pra casa e descansa. Vem depois de amanhã, ok?
Claro que, assim como Prometeu no alto da montanha e com o fígado semidevorado, mas que se regenerava sempre, Sísifo, como “feriado”, também não sabia o que era “casa”. Sua casa era o pé da montanha onde estava a pedra que ele rolava pra cima e para onde ela rolava após a tarefa. Mas, tudo bem. Acabou se convencendo que precisava mesmo de férias (que ele também não sabia o que era), nem que fosse de um dia. Deixou sua montanha e sua pedra para o homem que lá ficou.
Quando voltou tudo estava quase como havia deixado não fosse uma engenhoca, que também desconhecia.
- O que é isso? – perguntou Sísifo ao homem.
- Isso se chama catapulta. Vai facilitar seu trabalho sobremaneira.
Explicou como funcionava o aparato ali construído, fez demonstrações simuladas. Disse que Sísifo não precisava mais cansar os músculos. Mais que isso. Mandaria a pedra para o alto da montanha e teria a Eternidade toda para fazer o que quisesse. Nunca mais pedra e montanha. Nunca mais suor. Teria férias eternas. Viveria na Terra como os deuses no Olimpo. O castigo estava encerrado. A tecnologia o livraria dessa triste rotina sem sentido. Tentado pela facilidade da máquina e seduzido pela vida dos deuses na Terra prometida pelo homem, Sísifo seguiu as instruções e procedeu como fizera no simulacro.
Um desastre. A catapulta, tão imponente, tão engenhosa, não suportou o peso da pedra. Ruiu como se fosse de papel. Sísifo olhou para o homem que não entendia o que podia ter havido. Fez todos os cálculos meticulosamente, os testes feitos no dia de folga de Sísifo foram perfeitos. Não conseguia achar onde estava o erro.
A história acaba aqui. Sísifo continua rolando sua pedra do pé ao topo da montanha como sempre fez. Próximo dele, o homem reconstrói teimosamente a catapulta sempre atrás do erro que possa haver, mas não existe. Quando a pedra desce do alto da montanha, a catapulta está pronta. O homem pede a pedra rolada para fazer o teste de sua construção, que, igual ontem e igual amanhã, desmonta não suportando o peso da pedra. Tudo se repete eternamente.
Numa montanha próxima, o fígado de Prometeu está novamente refeito para servir de refeição às águias.

Francisco Libânio,
27/03/14, 8: 21 PM

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