sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O último dia do ano


Já que o ano de 2010 ia acabar e junto com ele a década (pois era partidário da teoria que se não teve o ano zero, então tudo começava quando o fim era um), resolveu que tinha que se despedir dele – e dela – como mandava o figurino. Saiu, então, de casa e foi curtir um pouco do sol da cidade, que estava parada. As poucas pessoas na rua compravam os últimos acepipes para o réveillon nos poucos lugares que achavam abertos. Resolveu que leria um jornal na praça, mas achar jornaleiro aberto foi uma luta. Todos os que encontrou ostentavam placas avisando que só voltariam no ano que vem. Reparou bem e viu que a cidade estava bem esvaziada. Também... Quem podia ia passar o fim de ano com a família no interior ou na praia. E na cidade não tinha praia, mas era interior também. Resolveu que podia visitar algum amigo. Assim o fez. Bateu na porta de quatro. Um tinha saído com a esposa para a represa, voltaria à noite, se voltasse. O outro saiu para fazer compras, mas a secretária do lar disse que ele podia esperar até a volta. Recusou. Se fosse pra fazer nada, não faria em casa alheia, pois achava isso uma barbaridade. O outro tinha ido viajar pra São Paulo e o quarto estava dormindo. No alto da boa amizade deles, mandou o visitante pentear macaco. De volta à rua e procurando algo que marcasse de forma inolvidável seu réveillon. Sem jornal, sem uma boa conversa e sem nada diferente numa Prudente que nunca se transformava e não faria isso numa virada de ano, zanzou um pouco mais pela praça Nove de Julho. Nem um pipoqueiro estava na praça. Pensou em tomar uma cerveja, mas não tinha graça sozinho. Voltou pra casa.
Encontrou a mulher fazendo o almoço. Pensou em namorá-la, mas ela estava ocupada demais com os afazeres da casa. Ficou na frente da TV vendo que em várias partes do mundo, o novo ano, a nova década já eram realidade. Quando o viu na sala, a mulher reclamou dos pés jogados no sofá novo. Adorava fazer isso, tinha esse costume e não perdia nem por Cristo. Mandou a mulher procurar o que fazer. Já que não ia namorar, ficou estirado no seu trono da sala vendo o que a TV oferecia para o dia. Absolutamente nada, mas servia pra passar o tempo. Zapeando os canais, a opção era pouca. Desligou a TV e fechou os olhos sem dormir. Pensou no ano. O que teve de extra? O casamento seguia num piloto automático conveniente, os filhos fora de casa e a vida social era rigorosamente a mesma sem acrescentar gente nova e, melhor, sem perder gente velha. Seus amigos venciam com ele mais um ano. Pensou que a década nova podia ser uma cena de mudanças, mas como ia mudar se o último dia do ano não tem mudança nenhuma?
E eis que veio a luz. Muito melhor que fechar um ano já entregue com chave de ouro seria fazer do ano que chegava melhor. O ano presente era pano dobrado, mas o que vinha era fio na agulha esperando ser costurado. E assim fez. Decidiu que faria o ano novo melhor, mas não o dia, mas os trezentos e sessenta e cinco que esperavam. Resolvido, começou em casa mesmo e foi ajudar a mulher na cozinha, o que nunca foi do seu feitio.

Francisco Libânio,
31/12/10, 1:14 PM

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Dos absurdos


Diante de um despropósito se indignar,
Se contrariar... É o que se espera, justamente
Os despautérios são uma ninhada iminente
Esperando um incauto que lhe venha adotar.

Francisco Libânio,
30/12/10, 3:30 PM

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

João de Deus


A mãe teve uma gravidez difícil. Era seu primeiro filho e, de todas as tentativas, a que chegou mais longe e desaguou no parto apesar de todas as expectativas contrárias. Mulher simples e devota que era, se apegou a todos os santos e prometeu mil intenções. O filho seria padre, seria casto, seria Papa se nascesse. O pai, mais pragmático e menos fiel, achou que não devia fazer promessa com a vida e a vontade do filho. A custo conseguiu convencer a esposa. Muito bem. Nascido, a promessa que ficou foi a do nome. Chamaria João de Deus. João, que era o apóstolo preferido de Jesus. Deus porque só ele para iluminar e vencer toda a adversidade. Mal nasceu, já levaram para batizar. De uma coisa a mãe não abria mão. Seria católico.
Cresceu sob cuidados de todos os anjos que a mãe pedia em orações. O pai achava bonitinha toda essa devoção que a esposa tinha. Sempre fora assim e não ia mudar agora que era mãe. E o menino cresceu forte, sadio sem nunca ter pego uma gripe. Catapora, sarampo, caxumba passavam longe. Também passavam longe apelidos. Na casa era lei. Ninguém chamava o menino de Joãozinho. Era João de Deus e pronto. Brigou até com a mãe que chamou o neto assim uma única vez.
Aos seis anos, o menino começou a freqüentar a escola e lá não tinha mãe devota que impedisse as tias, os amiguinhos ou quem quer que fosse de chamá-lo de Joãozinho. Reclamou na reunião de pais, mas nem foi ouvida. E, pelo menos na escola, esse laicismo irritante foi limando o Deus do nome cotidiano do menino. E seguiu até os dez anos quando ninguém sabia quem era o João de Deus, mas o Joãozinho da dona Edna, esse todo mundo conhecia. Mais velho, dona Edna entrou com os dois pés nessa mania de Joãozinho da dona Edna. Era João de Deus e pronto.
Crescido, João de Deus teve uma adolescência bem pouco cristã. Conheceu a noite na Lapa e passava lá todos seus fins de semana enquanto a mãe peregrinava pelas igrejas, sempre amiga dos padres que perguntavam do menino que ela sempre sonhou devoto a nosso Senhor. A mãe sorria amarelo. O pai arrumou um trabalho pra ele num escritório de um amigo e João pegou o posto com unhas e dentes, mas sem se esquecer da Lapa, da boêmia e das mulheres. Ah, as mulheres. Essas eram a miséria de dona Edna. Não que ela não quisesse que o filho arrumasse uma já que ele não queria ser padre. Mas precisava ser dessa? Cada uma mais assustadora que a outra e com cada roupa, meu Deus? Dona Edna pensava se as mães dessas meninas nunca lhe deram modos. Pelo visto não. E se tivessem dado passariam longe dos braços do filho. Vai gostar de mulher mal vestida e de cara estranha lá longe!
O trabalho de João de Deus (que, diga-se, era boêmio porta fora. Dentro até que dava conta do recado) levou ele a ser promovido, ganhar mais comprar apartamento, carro e, melhor que isso, dar festas em casa. Eram eventos que dona Edna tinha verdadeira paúra. Nunca viu tanta gente esquisita. Foi numa dessas que João de Deus, ao receber os amigos – e amigas – para festejar sua promoção pra gerente, recebeu a desagradável visita da Polícia. Um colega seu judas teria passado a fita de uma festa de arromba com muita bebida, mulheres e drogas no apartamento X, na rua Y. O caso da denúncia foi parecido com a Santa Ceia. A Polícia chegou estourando tudo e pondo o apartamento de pernas pro ar. Mas o santo de João de Deus era mais forte. Esclarecida a confusão, os policiais pediram desculpa pela averiguação, chegaram à casa do colega traíra e prenderam o sujeito pela confusão e pela falsa denúncia. E ao terceiro dia, João de Deus ressuscitou chamando os amigos para uma cervejada na orla.

Francisco Libânio
29/12/10: 10:43 AM

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

84 - Exprime a ideia que te nasce na cabeça,


Exprime a ideia que te nasce na cabeça,
Deixa que tua imaginação crie livremente,
Se for proibida ou pornográfica, não impeça,
Se parecer subversiva demais, alimente.

Nunca deixe que uma ideia a vir latente
Perca o fôlego, desintegre ou esmoreça,
Se ela parar pelo meio, vá com ela, enfrente,
Mas não deixe de transformá-la em peça

Escrita, dita, cantada, enfim, dá forma,
Se estiver etérea, disforme, transforma
Em realidade esta ideia que te escolheu

Pois ela, formada e materializada, agradecerá
Com o reconhecimento justo que te fará
Dono de algo próprio e genuinamente teu.

Francisco Libânio,
28/12/10, 10:24 AM

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Teu vestido encarnado


Teu vestido encarnado cobre-te a silhueta
Definida e contrasta tua alvura e o rubor
Do tecido que te envolve. Tão forte cor,
Mais que te vestir e te ornar, te completa

Ele marca teus movimentos, te projeta
Formas, te realça mostrando inda melhor
E depois roça em meu corpo em calor
Demarcando posse deixando inquieta

Minha libido, acendendo minha vontade
De te ver além do teu vestido encarnado
A mulher despida e absolutamente perfeita

E melhor quando esta mulher se deita
Comigo deixando seu vestido ao lado
Para me amar com tamanha receptividade.

Francisco Libânio,
27/12/10, 3:21 PM

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Hai-kai eloquente


Não te convenças, meu filho, por teus ouvidos.
Pense se isso vai ser bom para a sua alma
E reflita como os outros foram convencidos.

Francisco Libânio,
23/12/10, 6:26 PM

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

83 - Abra-se, Amor, deixe que por esta porta


Abra-se, Amor, deixe que por esta porta
Entre somente a mulher da minha vida,
Esta mulher que parecia sempre preterida,
Mas que na vida só alegra e conforta

Deixa que essa mulher que se importa
Comigo hoje e sempre entrar, ser querida,
Deixa que ela ame se perdendo abstraída
Isso é tudo que meu coração te exorta

E quando estivermos em nosso momento,
Quando nosso calor chegar a cem por cento,
Esparge sobre nós suas melhores loções,

Cubra-nos com teu manto que nos aquecerá
E eu te agradecerei com o riso que me dará
A hora em que vierem de ti nossas explosões.

Francisco Libânio,
22/12/10, 10:42 AM

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Soneto para combater minhas mágoas


Não queria ter raiva ou estar magoado,
Mas há aqui um peito em fase de cura
Que foi ferido e louco a ser recuperado
Após tantos golpes, após tanta fissura

Foi preciso um repouso até contrariado,
Para que tudo se fechasse com costura,
Foi preciso tirar quem se estava ao lado,
Buscar outro remédio, fazer uma procura

Noutras faces. Quanto às minhas mágoas,
Por mais que eu não as queira, trago-as
Comigo tentando educá-las à uma maneira

Menos rude que matá-las, pois não preciso
Ser carrasco do que um dia foi um sorriso,
Dor permanente de uma alegria passageira.

Francisco Libânio,
21/12/10, 11:30 AM

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Soneto de segunda feira


Quero escrever um soneto que me marque,
Uma poesia que fique em minha história,
Um soneto meu com o qual eu viva e arque
Com conseqüências positivas. Glória?

Não espero tanto, mas adoraria se viesse.
Com um poema só duvido que aconteça,
Mas adoraria criar algo que explode, acontece,
Escrever algo inesquecível, bom à beça.

Mas minha cabeça, hoje, não me permite.
Paciência, nem todo dia é dia de poesias.
Senta-se, espera-se que surja um palpite

Da vida, uma dessas inspirações fugidias,
Uma que venha, conceba e me reabilite
Do vazio criativo e me presenteie alegrias.

Francisco Libânio,
20/12/10, 10:18 AM

domingo, 19 de dezembro de 2010

Além do meu amor, eu


Além do meu amor, eu. O que tenho
Para te dar de coração pode ser nada,
Pode ser pouco, mas se eu venho
E te dou meu amor e eu em apaixonada
Oferta e olho em teus olhos que tomas
Em mãos o teu mais exclusivo presente,
Durmo tranqüilo com o melhor dos diplomas
De um bem intencionado. É que felizmente
Meu amor e eu estaremos do mal protegidos
Em boas mãos e dentro de um bom coração
Bem guardados e bem servidos.

Francisco Libânio,
19/12/10, 2:07 PM

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Causo


O seu Nogueira vivia num sítio afastado da cidade. Podia acontecer o que fosse na “civilização” (porque assim seu filho insistia em chamar a cidade) que seu Nogueira sabia só no dia seguinte pelo jornal da manhã. A televisão era o elo entre o sitiozinho e o mundo. E nem se coçava muito. O dólar podia subir, o petróleo podia acabar, as ações podiam cair vertiginosamente que, não faltando o banho de lagoa com a família, tudo estava bem pro seu Nogueira.

Um dia, falaram na cidade de extraterrestres em nosso planeta. Muitos acreditaram, muitos duvidaram. Uns não queriam nem saber e uns outros queriam logo ser os melhores amigos dos novos visitantes. O Alaor, homem urbano convicto, mas que gostava de passar um fim de semana por bimestre em contato com a natureza – e justamente no rincão do seu Nogueira –, adiantou uma de suas visitas só pra saber o que o velho amigo da roça pensava sobre os extraterrestres. Passou a mão no carro e se mandou para o idílico sítio.

Qual foi sua surpresa ao se deparar com homenzinhos amarelos estirados em redes e sentados ao pé das mangueiras ou manchados de amora! Eles deram bom dia, perguntaram da família e tudo mais numa tranqüilidade que parecia nunca terem vivido antes. Mas ali eram as terras do seu Nogueira, não eram? Sim senhor.

- E onde ele está? – perguntou assustado.

- Tá lá dentro, moço. Ajudando a esposa a tirar uma fornada de pão quente. Puxa uma cadeira e toma um café com a gente. – informou o homenzinho preguiçoso da rede que mascava um capim.

Francisco Libânio,

16/12/10, 7:27 PM

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quadrinha de Necessidade


Eu precisava de atenção contra minha carência,
Precisava de seriedade e de compromisso
Até que vieste, vivi contigo o amor em experiência
E eis que teu amor supriu tudo isso.

Francisco Libânio,
16/12/10, 5:45 PM

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O poema do meu amor


O poema do meu amor, queria com letras douradas,
Em seda chinesa e ornei com diamantes
Fiz requinte e fiz beleza para compará-lo
A ela em quesitos em que ela é inigualável
O poema do meu amor foi escrito de forma amável
E quis correr o mundo e perigos para dá-lo
Em mãos. Combinei com pássaros cantantes
Para ao final da leitura piar odes apaixonadas

Mas não foi bem assim, o dourado era bijuteria,
A seda era imitação e os diamantes eram caros,
Sobraram o requinte e a beleza, mas comparar?
Como, se ela é a mulher mais linda do planeta?
Não me intimidei corri o mundo ao me fazer poeta,
Convoquei os pássaros dizendo o que se ia cantar,
Meu amor leu, ponderou e relevou o despreparo;
Agradeceu o verso dizendo que sendo meu ela o leria

Oras, que bobo que fui. Querendo encher de rococós
E de perfumarias algo simples como uma flor,
Esqueci-me que todo o ornamento cala a voz
Tímida, mas eloqüente que tem este meu amor.

Francisco Libânio,
15/12/10, 10: 26 AM

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Eu queria escrever o teu soneto


Eu queria escrever teu soneto... Não consegui!
Faltaram palavras sobrou inspiração,
Ela estava todo tempo comigo, ali,
Esperando ser usada com precisão

Ela estava deitada em minha imaginação,
Nua, oferecida esperando... Ela era igual a ti
Na nossa noite de amor, envolta em paixão
Com um segredo maior, que eu descobri

Era teu amor, puro genuíno e cristalino,
Este amor que exigiu de mim teu soneto
E que tentei escrever sem ter sucesso

Escrevi este, no qual agora me despeço
Prometendo presente digno e completo
Amando-te enquanto me inspiro e desatino.

Francisco Libânio,
14/12/10, 12:02 PM

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Meu mundo


Meu mundo de muitas letras e poucas obras
É um monte de escombros, cacos, estilhaços,
Meu mundo que eu esperava viver de abraços,
Quando tem um, ele pega do que são sobras

Meu mundo, antes de sorrisos e de luzes cheias,
Não pagou a conta e os sorrisos foram embora,
A escuridão e a penumbra vão além da sua hora
Onde havia frases bonitas tem sombras feias

Meu mundo, tão internalizado e tão ensimesmado,
Caiu do décimo quinto andar e afundou o chão,
Vendeu amor por ninharia e tomou emprestado

O amor alheio como se fosse seu. Ficou a lição
De que o mundo aceita o que está ao nosso lado,
Mas não admite a órbita nesse outro por missão.

Francisco Libânio,
13/12/10, 3:09 PM