sábado, 28 de fevereiro de 2015

Poema de fuga 24

Uma mulher nua,
Mesmo puta, de rua,
Que tem a nudez sabida
E até recusada de bandida,
Essa mulher, sem ser modelo
Quando põe a nudez no prelo
Das lingeries e se desnuda
Quer de quem a vê a ajuda
Para estar nua valer a pena,
Para que a nudez seja plena.
Corpo, alma, palavra banal
E eu a assistir a esse ritual
Meio que culpado pelo abuso
De ver essa nudez não minha,
Não sei o que fazer, não recuso
Um elogio, um soneto, uma linha.

Francisco Libânio,
11/01/14, 12:14 AM

1798 - Soneto estorvado

Como a festa não pôde descer,
Não houve paz pra ficar reposto
Dela no dia seguinte, o rosto,
As olheiras, o sono a abater

Por conta do vizinho, em lazer,
Curtir som de duvidoso gosto,
Pela madrugada, esse encosto,
Após breve pausa, volta a ter

Animação. Tome música braba,
Dá-lhe pogação que não acaba.
Engula-se gente que não cansa.

Assim fica difícil ter feliz Natal,
Alegria, claro, é algo essencial,
Mas que respeite a vizinhança.

Francisco Libânio,
27/12/14, 12:58 PM

Interessa?

- Mas você é gay?
A pergunta ribomba vinda de um amigo de uma amiga minha numa festa dada por ela. Amiga essa com quem eu conversava e perguntou sobre uma outra amiga nossa, casada com uma mulher – e essa amiga o sabe – e a quem visitei não faz muito tempo. Contei que ela e a esposa estavam bem e a chamavam pra ir lá qualquer dia desses. Esse amigo da minha amiga estava perto, ouviu a conversa e me lascou a pergunta. Teve certo respeito (ou cuidado ou, até, medo) ao ver a feição desaprovadora da amiga e parou o inquérito inapropriado em mim.
- Não, não sou. – respondi – Apenas trata-se de duas amigas nossas.
- Ah, tá, é que é... Sei lá. Além dessas amigas, você conhece algum travesti também? – perguntou passado um pouco da estranheza.
- Não, não conheço.
Aqui abro parênteses. Em tempos modernos, de Internet, o conceito de “conhecer” é vário. Se ele entende como “conhecer” já ter estado com algum, na casa de alguma como o caso das minhas amigas, de fato, a resposta é não. Se o conceito é mais amplo, vai para o fato de eu ter contato, qualquer que seja, conversa, papo furado, a resposta é sim. Conheço duas ou três travestis com as quais já gastei tempo conversando sobre música, literatura (o moço ficaria surpreso, pra ele travesti deve só fazer ponto em esquina e não tem, nem em sonho, trabalhos “convencionais”, como essas que eu conheço), variedades, inclusive foi uma delas que, em bronca divertida, mas instrutiva ensinou que a travesti é um substantivo feminino como a mulher. Mas eu não iria gastar meu latim explicando gêneros. O interrogatório estava desagradável e eu queria me livrar daquele estorvo. Só que ele não:
- E gay, você conhece algum?
- Conheço, sim. Nada que seja próximo, mas conheço.
É verdade. Na faculdade conheci dois moços assumidos, mas não éramos de andar juntos. Uma coisa de frequentar o mesmo ambiente, convivência cordial, tranquila e amistosa. Não tínhamos proximidade já que éramos de turmas diferentes. Tem o caso de um rapaz que, esse sim, já foi em festas na minha casa, conheceu meus pais e minha família, mas circunstâncias da vida nos afastaram. Ele foi trabalhar noutra cidade e eu fiquei por aqui. Anos depois, soube por um amigo nosso que ele tinha se arrumado com um moço, moravam juntos e viviam a vida. Fiquei surpreso e mais surpreso ficou quem me contou:
- Vai dizer que você não desconfiava?
Não, não desconfiava. Na verdade, nem me preocupava com isso. De qualquer forma, satisfazendo a feroz curiosidade do meu interlocutor, repisei que conhecia gays, mas ninguém próximo. Esse amigo, eu já não o vejo há uns bons anos. Dispensado? De jeito nenhum:
- Mas você acha tudo isso... Normal?
- Olha, fera, eu acho que as pessoas devem procurar sua felicidade. Sozinhas, acompanhadas com mulher, com homem. Só acho que elas devem ser honestas com elas mesmas e...
- Então você é gay! Touché!
Aquilo matou minha paciência. Resolvi entrar na onda do xarope:
- Tá, e muda o quê na sua vida isso? Te interessa eu ser gay?
- Não, não, pra mim não muda nada. Eu só acho esquisito. Não tive essa criação moderna. Não tenho nada contra gays, mas acho que... Eu não iria à casa de duas mulheres lésbicas.
- Mas te interessa eu ser gay ou não?
- Não, amigo, eu não gosto dessas coisas. Meu negócio é mulher, entendeu?
- Tá, entendi. Eu também tenho atração por mulheres, mas nada obsta que eu tenha amigos gays como tenho muito carinho pelas minhas amigas que são casadas. É que eu achei estranha a sua insistência sobre minhas relações.
- Não, desculpa aí. Não quis te ofender te chamando de gay. Longe de mim.
- Você não me ofendeu me chamando de gay. Ofendeu com a impertinência. Encheu o saco mesmo, desculpa meu português. E se me permite, vou dar uma circulada por aí, passe bem!
Passou bem mesmo. Soube pouco depois que o rapaz tinha ido embora da festa. Alguns dias depois, minha amiga disse que o encontrou num restaurante com um moço que ela não conhecia. Reconhecido, ele confessou que era uma espécie de namorado (espécie, como assim?) e que já estavam juntos há meses. Pediu pelo amor de Deus para não contar pra pai, mãe e ninguém, pois tinha um nome a zelar. Só de sacanagem, ela disse que ia contar só pra mim, que não mudou nada. Ainda não tenho nenhum amigo gay próximo e não será esse o primeiro. Muito falso pro meu gosto.

Francisco Libânio,
27/10/14, 7:54 PM

1797 - Soneto enrabanado

Festas de Natal originalmente tem
Peru, nozes e o que tem no Norte.
Só não tem neve. Tome o recorte
Importado de lado e vá dele além.

O que sobra? Algo que ilustra bem
O Natal a nosso chão e nossa sorte,
A rabanada, iguaria que se exporte
E mostre ao Norte que aqui também

Tem acepipes de nossa característica
Que trazem à festa a local casuística
E que nada devem ao que é de fora.

O poeta, um bom apreciador do pão,
Do ovo e de doçuras, nega seu não
À rabanada e com elas se estupora.

Francisco Libânio,
26/12/14, 11:45 AM

Hai-kai 12

Casamento a três,
Algo de amor a mais,
Mas um de cada vez.

Francisco Libânio,
28/02/15, 8:40 PM

1796 - Soneto reempanturrado

Passa o Natal, vão-se as festas,
Acaba o caldo, a ceia e o pasto
A pôr mais, que obeso, nefasto
O gordo que viu tantas frestas

Para comer como as desonestas
Desculpas. Comeu o tanto vasto
E após as ceias fez mais repasto
No dia seguinte com as modestas

Sobras de ontem. E não satisfeito,
Se rolar, já deixa de antemão feito
Um lanchinho básico para, se vier,

Uma fome temporã. Espaço? Aperta
Que dá. Assim a única coisa certa
É um hugo forte em hora qualquer.

Francisco Libânio,
26/12/14, 9:48 AM

1795 - Soneto turbinado

O poeta curte mulher peituda
E já disse isso e até tal tema
Noutro soneto com esquema
Igual talvez, mas que sacuda

O assunto. Algo que se muda
No entanto, é esse estratagema
Feminino de aderir ao sistema
De beleza imposto. Ser bojuda

É uma regra e daí ter o implante
No busto para que soe bastante
Atraente. E esse turbo mamário

Confunde o homem que duvida,
É real essa fartura da escolhida
Ou esse peito bonito é lendário?

Francisco Libânio,
24/12/14, 9:48 AM

1794 - Soneto tunado

O bacana comprou um carrão,
Bonito, importado, um modelo
Por ele só bem mais que belo
Digno de nota e de exaltação.

O problema é que só ser lindão
Não basta e achando ter zelo
E gosto, no carro, vai mexê-lo
Porque é bobagem ostentação

Pouca. E dá-lhe a pôr acessório,
Insufilme e rebaixar é obrigatório;
O carro, de fábrica maravilhoso,

Vira um circo ambulante, horrível,
Tunado e mostra às claras o nível
Dos com grana e gosto duvidoso.

Francisco Libânio,
23/12/14, 12:57 PM

1793 - Soneto sem rodeios

Num outro encontro, ela o vê,
Reconhece e relembra a cena,
Tanto de interrogação amena
Que ela mesma ainda não crê

Que um homem peça o dossiê
De sua vida, busque lá a plena
Informação e nenhuma obscena.
Gostaria ela de saber o porquê

De tanto para nada e zero ação.
Só que ele atiçava dela a atração
E ela era dessas de ir ao ponto.

Tascou-lhe beijo e língua funda,
Trouxe a mão dele até a bunda
E saiu com o questionário pronto.

Francisco Libânio,
22/12/14, 11:02 AM

domingo, 22 de fevereiro de 2015

1792 - Soneto com rodeios

Achou-a espetacular, divina!
Perguntou nome, onde mora,
Conversou, perguntou a hora,
Esperou, tomou a canjebrina

E foi ter com a moça a rapina
Da corte, mas ao vê-la ele cora.
E embaça até que vai embora
Sem um avanço com a menina.

Foi embora ela. Ele ficou quieto,
Em silêncio, desgosto completo.
Timidez que trava toda paquera.

Aprendeu que quando um quer
Deve agir seja homem ou mulher,
Nada cansa mais que a espera.

Francisco Libânio,
21/12/14, 5:15 PM

Poema de fuga 17

Meus poetas na estante
E eu a lê-los, as lombadas...
Eles nesse cativeiro
E eu dando cacetadas,
Eles supremos e geniais
Eu leitor, quase desplante,
Eles nesse Olimpo doméstico
E eu, candidato a iniciante.

Francisco Libânio,
11/01/14, 12:01 AM

1791 - Soneto sem negociação

A coisa feita na base da porrada,
Em que a maioria vem e subjuga
A minoria evolui como a tartaruga.
Quem se beneficia com a bocada

Como, bebe sem parar, dá risada
E não vê que aquele que ela suga
Ergue a voz, grita e luta. Sua fuga
É sair pra violência e escancarada

Repressão, seja armada ou moral.
Se parlamentassem na fase inicial,
As duas partes chegariam a termo,

Agora a maioria tem a quantidade,
Mas não tem ideias e sua maldade
Põe essa gente no lugar mais ermo.

Francisco Libânio,
21/12/14, 2: 00 PM

Caso dos rins

Seria uma manhã de sábado normal, com café, computador e um pouco de TV pra ver se acontecia algum jogo. Naquele tédio sem fim, às vezes esperava que acontecesse algo para mudar o cotidiano sabatino. E eis que tocam a campainha.
Olho pela janela. Quando é gente de igreja, despeço educadamente e digo que estou tomando café, que já tomei. Mas não era gente de igreja. Era um homem bem vestido, cara séria. Não parecia ser pedinte. Trazia uma maleta. Me viu pela janela e pediu dois minutos da minha atenção. Fui ver o que se tratava.
- Bom dia, eu me chamo... E o senhor me parece ser um homem de boa saúde, estou errado?
De fato, minha saúde andava bem. Nada a reclamar dela. Confirmei o que ele supôs. Ele agradeceu a deus por mim e continuou:
- Mas nunca sabemos quando algo pode nos acontecer, não é? Por isso tenho uma proposta muito interessante que vale a pena o senhor considerar.
Pronto. Eu não sabia que planos de saúde agora ofereciam vendas no porta-a-porta. Muito bem. Eu já tenho um plano de saúde, vamos ver, no entanto, o que ele oferece. Nunca se sabe. Que continue:
- Nunca sabemos como é o dia de amanhã. A gente pode estar bem num momento e no outro não estar nem mais aqui. Então, o que eu proponho pro senhor?
O que ele me propõe? Vamos ver...
- Eu tenho um rim perfeito. Você sabe que um problema renal pode acabar com um homem. De repente, ele pode parar de funcionar, de filtrar as impurezas e seu corpo pode contrair sabe lá quais doenças.
Pois bem. Se tem algo com o qual não preciso me preocupar são meus rins. Meu coração talvez por tanta porcaria que como. Meu pâncreas, uma tendência ao diabete, algo assim. Meus rins estão bem. E explico isso. Estão bem os dois.
- Mas rim é que nem peça de carro. Pode estar bem hoje e pifar amanhã. Do nada. Então, por isso, tenho aqui dois rins de excelente qualidade e se o senhor precisar estarão à disposição.
Claro que o rapaz esqueceu a possibilidade que nunca se descarta da rejeição, da incompatibilidade, mas a conversa estava boa e eu fiquei curioso. Vamos ver os valores. Pedi os preços.
- Cada rim sai por vinte mil reais, o que daria, matematicamente, quarenta mil reais. Mas como não queremos que o senhor tenha um problema com os dois rins e vai que acontece (nunca se sabe...), os dois sairiam trinta mil reais. Fora uma taxa.
- Taxa? – perguntei. Agora tenho que pagar imposto por um negócio absolutamente ilegal?
- É o que chamo de taxa de cuidado. – explicou – Enquanto o senhor não precisar dos rins, eu fico com eles, procuro mantê-los saudáveis. Então é um negócio interessante. E nem tem período de carência. Se amanhã o senhor começar a ter problema, depois de amanhã o transplante tá garantido.
No mais, agradeci. Realmente, não preciso de um rim, muito menos de dois. Que ele procurasse outro e que, se sua situação fosse tão grave a ponto de precisar vender órgãos, eu poderia recomendá-lo a um amigo que precisa de vendedores, pois vi que ele tinha jeito pra coisa. Recusou a recomendação, deu bom dia e foi embora. Voltei para meu sábado modorrento e minha vida seguiu.
Uns dois ou três meses depois, eu abro o jornal e está no obituário a foto do meu ilustre vendedor. Morreu no dia anterior. Sabendo onde seria o velório, passei por lá pra prestar condolências. Conversando com amigos seus, descobri que a morte foi devido a uma nefrite mal cuidada. Os rins do moço eram completamente doentes e ele nunca cuidou disso. Saí de lá desejando uma refeição aos vermes que se fartarão desses rins pútridos. E de graça.

Francisco Libânio,
02/08/14, 10:18 AM

1790 - Soneto com negociação

Não será assim na imposição
Que as coisas vão acontecer.
Liberdade é válida a todo ser
E a recusa é a manifestação

Volitiva. O direito á negação,
É a demonstração de poder,
Alcança o homem, a mulher,
O branco, o negro e a Nação.

E assim, reservo o respeito
Ao não dela. E, insatisfeito,
Tento persuadir. Argumento,

Proponho e onde há malícia
Tiro. Uso toda minha perícia
E adio a dívida e pagamento.

Francisco Libânio,
19/12/14, 9:33 AM

1789 - Soneto de três listras

Pediam, ao tomar a Bastilha,
O óbvio: Liberdade, Igualdade
E Fraternidade. A Crueldade
Dos reis, a coroada matilha,

Dessa vez não se desvencilha
Da maioria que faz a saciedade
Com certo excesso, é verdade,
Mas deu ao mundo a maravilha

Que são nossos nobres direitos,
Sobretudo voz igual nos pleitos
Em que equivalem povo e nobre.

Duzentos anos e ainda há briga
Contra quem tem o rei na barriga
E é rico com o espírito tão pobre.

Francisco Libânio,
17/12/14, 1:12 PM

Hai-kai 11

Essas coisas inesperadas
São terríveis. Trocaria
Todas por vários nadas.

Francisco Libânio,
22/02/15, 10:15 AM

1788 - Soneto do calendário rasgado

Uma folhinha, que lá em Janeiro
Era gorda, após forçado regime,
Entrou em Dezembro nesse time
Das esbeltinhas no dia primeiro,

Mas o passar do mês e o cheiro
Do dia de ano inspiraram a sublime
Vontade de engordar, um crime
Em tempo em que o verdadeiro

Sinônimo de belo era a magreza.
E nos trinta e um veio a beleza
Sonhada pelo mulherio, mas a tal

Folhinha queria era bem o inverso.
Trocada, inútil com o mal perverso,
Desejava a sua substituta o igual.

Francisco Libânio,
16/12/14, 1:24 PM

1787 - Soneto do copo filosófico

Está meio vazio ou meio cheio
O copo? Isso que nunca se cala.
O filósofo na questão se regala,
Vê a bela esperança ou um feio

Porvir. O rigor que está no meio,
A divisa perfeita põe tanta gala
Nesse copo que ele tanto abala
Com filosofia vazia no recheio.

Está meio cheio, diz o otimista.
Não, meio vazio, é o pessimista.
Razão um ao outro não concede.

E eu vejo aquela discussão tola,
Tema em nada o mundo assola
Como assola agora minha sede.

Francisco Libânio,
16/12/14, 9:28 AM

1786 - Soneto do prato quebrado

Após lauta refeição com tal delícia
E tal fartura, casal que empanturra
O bucho e após o que ela sussurra
Com boa dose de segredo e malícia,

Esse rapaz, com inigualável perícia,
Pega o prato e joga-o, fazendo hurra,
Ao chão. O prato após doída surra,
Aos cacos analisa essa sub-reptícia

Atitude. Acaso pensa, o bom rapaz,
Que lá é restaurante grego e o apraz
Seguir as mais insensatas tradições?

Não. De grego ele nada tem ou sabe,
Só quer o pospasto antes que acabe
O fogo dela ou uma das raras ereções.

Francisco Libânio,
15/12/14, 5:44 PM

1785 - Soneto do livro velho

Num sebo tudo é novidade,
Cheiro de novo lá não tem,
Mas uma edição me detém,
Rola ali uma certa afinidade.

Um título atiça a voracidade,
Dado escritor que ninguém
Conhece me falou tão bem
Que nem a não-notoriedade

Que o relegou àquele sebo
Afastou. Folheio e percebo
Ali esse novo livro já velho.

É meu. O cheiro novo é mofo,
E sobre ele aqui eu filosofo
E ao livro novo faço parelho.

Francisco Libânio,
12/12/14, 9:12 PM

E é quando tudo muda

E é quando tudo muda
Que a experiência,
Usando toda sapiência,
De repente
Fica muda.

Francisco Libânio,
10/01/14, 11:24 PM

1784 - Soneto do livro novo

O livro novo, qual carro novo,
Tem o seu charme no cheiro,
O bibliófilo aspira prazenteiro
O produto. Eu, um, promovo

Agora a prova. Merecerá ovo
Podre ou aplauso alvissareiro
O escrito? Já vou ao primeiro
Parágrafo sem curtir. Renovo

A fé, a primeira página e folha
Primeira, capítulo. Sua escolha
Parece infeliz, mas algo acena

Mudança. Era aceno de tchau.
O livro novo não foi todo mal,
Ficou na memória o seu cheiro.

Francisco Libânio,
12/12/14, 8:58 PM

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Monique

E numa enxurrada de reminiscências, eis que surge, do nada, absolutamente surpreendente, o rosto fino e alvo de Monique.
Nunca falei de Monique porque não gosto de desfiar em crônicas experiências pessoais e, menos, as personalíssimas. Monique apareceu num momento em que eu não esperava. Num momento de tanta alegria, tanta felicidade e tanta dedicação em meus estudos que me deixou, confesso, triste.
Inclusive, se eu pudesse preferir, não me lembraria de Monique. Que ela ficasse no recôndito de meus pensamentos, no íntimo das lembranças, naqueles vãos memoriais onde até eu evito circular pelo simples medo de ou não saber sair de lá ou de algo de que eu tenha me arrependido amargamente.
Só que Monique não faz parte dos arrependimentos. Não posso ser injusto com ela. Pelo contrário. Puxada por ela, veio uma batelada de lembranças com Monique. Nenhuma delas me trouxe dissabor ou desagrado. Nada entre elas era pesaroso. Não havia um ponto negativo sequer. Monique, da forma que veio e junto a tudo que veio, era espetacular e foi uma parceira perfeita. A mulher ideal para seguir durante toda uma vida. Mas a lembrar de Monique não era bom. Tantas alegrias, no computo geral, tinha um sabor amargo.
Um amargo diferente do doce que foi, por exemplo, nosso fim de semana no Rio de Janeiro. A primeira vez que eu conhecia a tal Zona Sul das novelas. Monique era da mesma cidade que eu, mas tinha parentes no Rio e amigos na Zona Sul. Em Copacabana especificamente. Um desses amigos emprestou a ela um apartamento para que fizéssemos sede nesses dias. E foi quando andamos na praia, comemos camarão e víamos as pessoas se deleitando no mar ou esparramadas na areia. Gozadora como era, Monique sempre chamava a atenção para alguma mulher bonita que passasse. Reconhecia a beleza da transeunte e repreendia divertida se eu reparasse demais. Mas havia uma grande sintonia entre a gente. À noite, fomos a um restaurante, trocamos algumas juras e ela disse que nunca me deixaria. Devolvi a promessa. Não teria porque deixar Monique. E não nos deixamos.
Uma outra passagem nossa, estamos os dois em nossa cidade numa apresentação de dança. Nunca gostei de dança, mas não me custava fazer esse agrado à Monique, que nunca me negava nada. Devo admitir que esse programa foi muito bom. A presença de Monique e sua paciência em me explicar coisas que nunca procurei saber transformaram algo que eu sempre achei chato numa atração de muito bom gosto. No fim das contas, para premiar minha paciência e o “sacrifício” (assim ela definiu eu ter ido a um programa que não me agradava), Monique pagou uma pizza para nós dois, com direito a um vinho dos bons. Não poderia haver nada de errado. Monique sabia me conquistar sempre e me convencer àquilo que não me agradasse, pois o simples prazer de estar ter minha presença já fazia o que era do agrado dela melhor. E ser presente naquilo que eu não gostasse, acreditava ela com razão, dirimiria meu enfado.
Esses dois episódios pinçados a esmo são amostras de como Monique e eu tínhamos a identificação. Há outras tantas histórias igualmente agradáveis em que um casal tão enamorado quanto cúmplice. Éramos o casal ideal. São tantas coisas boas, tantas felicidades que eu me pergunto por que Monique e eu não estamos mais juntos. O que fez terminar essa lua-de-mel?
Eis que me lembro. Tudo começou num momento em que todas as minhas reminiscências vieram em enxurrada, uma delas apareceu intrusa, trouxe o nome de Monique e fantasias nunca vividas, mas desejadas. É o que me entristeceu sem saber o que era. Na verdade, ela nunca existiu e foi a única coisa boa em todo esse processo. Amei Monique e nossa história e desejarei, com todas as minhas forças que ela apareça em minha vida e todas as delícias lembradas com ela aconteçam um dia.

Francisco Libânio,
12/09/14, 5:12 PM

1783 - Soneto do copo sujo

Bebo meu leite e, engordurado,
O copo sujo, pela falha minha,
Fica sujo, só na pia da cozinha,
Pede de mim atenção, cuidado.

Cuidado que não dou. Relaxado,
Deixo o copo e tomo uma linha
Outra. Admito, atitude mesquinha,
Nada exemplar e de mau grado.

E saio eu, suado e sem banho,
Tento cortes e não tenho ganho
Algum. É quando vem o estalo!

Sem ter higiene nenhuma mulher
Chegará. Banho é o que se fazer.
Tomo um e ao copo, vou lavá-lo.

Francisco Libânio,
10/12/14, 1:21 PM

1782 - Soneto para o livro

Conhecimento, é o que deveria trazer.
Conteúdo, é o que deveria estar nele.
A capa ainda que alguma coisa revele,
Deixa pouco, muito pouco a se saber.

E se livros e homens põem-se a fazer
Um país, como Lobato nos diz e ele
De livros entende, que nunca se nivele
O Lobato, cara de peso, com o lazer

Barato da escrita vazia, mas que seja,
O livro, um lazer, mas que se proteja
Sempre a boa contra a má literatura.

Julgamento? Que cada um faça o seu.
Já o livro terá comigo eterno apogeu
Como farei viva sua ímpar formosura.

Francisco Libânio,
05/11/14, 11:33 AM

Hai-kai 10

Sem a grande expectativa
De ter o amor de carnaval
Curtiu e depôs a esquiva.

Francisco Libânio,
13/02/15, 10:11 AM

1781 - Soneto para a roupa velha

Se mais simples ou sofisticada,
Importa é: O tempo dela passou,
A moda que outrora só a louvou
Agora é história e ela lá estirada,

Ocupando espaço já não agrada.
As cores o tempo mais amarelou,
O manequim o corpo transmutou
E fora decoração, ela não é nada.

Pobre roupa que perdeu o bonde
E ao atual não mais corresponde.
O destino pode ser um frio brechó.

E se for, que orgulho! A serventia
Ainda restará viva. Muito pior seria
Se seu último ato fosse limpar pó.

Francisco Libânio,
19/09/14, 10:41 PM

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

1780 - Soneto a um presidenciável

Se quer meu voto, vamos conversar.
Por que eu deveria, qual uma razão,
Plausível, um motivo para tal dação
De confiança no ilustríssimo ao votar?

Falo no masculino, mas pode usar
O feminino. O gênero é só situação,
O caráter merece aqui mais atenção
Que sexo, então, favor me explicar

Por que o senhor, ou senhora, merece
Meu voto, instrumento que aquiesce
Qualquer desvario caso o faça eleito

Ou eleita. Serei cúmplice no seu erro.
Certo que te abençoo e eu me ferro
E sendo assim sem voto. Nada feito.

Francisco Libânio,
15/09/14, 12:31 PM

1779 - Soneto a um terrorista

Treze anos atrás, a tua vitória
Ante o grande satã americano
Abalou a História em tal plano
Que foi aquela a grande glória

Do teu ódio, fez linha divisória:
Agora o inimigo era todo tirano
Num confim. Fosse muçulmano
Aí mereceria bala. Eis a História

Reescrita pelo cego radicalismo.
O americano, todo o simbolismo
Das torres, tudo ficou martirizado.

Meu bom terrorista, apoio tua ideia,
Mas teu atentado perdeu a plateia
E a razão ficou toda do outro lado.

Francisco Libânio,
11/09/14, 4:16 PM

1778 - Soneto para o caderno

Este caderno que abriga o soneto
Agora escrito sequer se dá conta
Da honra que tem. Não desaponta
Nem se engrandece. É só correto

Em sua postura. Com o porte reto,
Recebe o soneto sem apor afronta,
Sabe que cada verso que desponta
Será outra linha. Pensa ser discreto

E não morrer cheio das arrogâncias
Onde foi escrito com as elegâncias,
Por exemplo, o Soneto de Fidelidade.

Como sabe que o soneto cá escrito,
Como o caderno o queria. Proscrito,
Chora. Não é em caderno de verdade.

Francisco Libânio,
11/09/14, 3:59 PM

1777 - Soneto para a caneta

A caneta não aguentava a comparação
Que sempre faziam sobre ela e a vida,
Da sua rasura que seria eterna sentida
E que apagar fazia piorar a impressão

Pois fosse usasse branquinho ou não,
O escrito pela caneta a ela era devida,
Fosse um escrito de beleza descabida
Fossem a rasura, a mácula e o borrão.

Triste com tudo, certo dia essa caneta
Viu que se a vida não era a tal repleta
Felicidade, o erro era um aprendizado.

E passou a ser orgulhar de cada erro,
Cada rasura tirava da caneta um ferro
Para ser melhor. Ser vida era seu fado.

Francisco Libânio,
25/08/14, 12:13 PM

1776 - Soneto independente

A Independência além Atlântico
Antecipou essa vontade liberal
E, não nego, turbinou um ideal
A se mostrar depois em cântico

Nacional, mas o valor semântico
Disso tudo ser a liberdade é real.
Mas a igualdade não é tão igual,
O discurso fica só no romântico

E os escravos seguem escravos.
O poder fica mais nos conchavos
E o país se divide em sul e norte.

Os boreais tem o dinheiro que dá
A palavra final. O Sul é o que há
De retrógrado. Há cheiro de morte.

Francisco Libânio,
21/08/14, 7: 58 PM

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Hai-kai 09

Um momento de silêncio
Guarda em si um grito
Do tipo do mais aflito.

Francisco Libânio,
05/05/15, 6:53 PM

1775 - Soneto para o lápis

O lápis dizia portar uma riqueza
O grafite que, primo do diamante,
Deveria valer mais ou o bastante,
Mas não valia. Faltava-lhe dureza,

Faltava-lhe valia sobrava aspereza.
A ponta do lápis que num instante
Escrevia e desenhava tão brilhante
No conteúdo sofria a má surpresa

Da ponta quebrada. Eis o horror!
Como ele podia defender o valor
De uma riqueza que fácil estraga?

E mais, como poderia valer igual
Ao diamante um tesouro que mal
Escreve algo e a borracha apaga?

Francisco Libânio,
21/08/14, 12:32 PM

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

1774 - Soneto para a janela

Como televisão do mundo real,
A janela gozava de tal respeito
Dos cansados desse rarefeito
Mundo divertido, mas só virtual.

Ela reunia o público com o viral
De sua paisagem dando efeito
Nunca visto. Tudo tão perfeito
Que a tecnologia não fazia igual.

A janela assistia a tudo divertida
Como podia impressionar, a vida?
Ser algo prosaico tão animador?

Ela não pensava ter tanto poder
Só que sabia ter mais a oferecer
Que as janelas de um computador.

Francisco Libânio,
19/08/14, 12:19 PM

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

1773 - Soneto para a porta

A porta estava a guarnecer a casa.
Todos ali confiavam, e muito, nela.
E ela dizia: Verifiquem cada janela
Pois vai que por uma delas defasa

Cuidado e um safado vem e arrasa.
Qual minha serventia e a da tramela
Se com outros flancos não se zela?
Enquanto tudo, mandava-se brasa

Numa janela. Bem já avisara a porta.
Mas a dificuldade do mister o aborta
E a caterva desesperada já empurra

A porta. Sem sucesso. A barulheira
Atrai a patrulha a cessar essa zoeira.
Sábia porta! E ainda a dizem burra.

Francisco Libânio,
19/08/14, 9: 23 AM

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

1772 - Soneto para a cadeira

Como tinha a função de conforto
E do mais revigorante descanso,
A cadeira, em qual agora afianço
Minha canseira, tem um pé torto

E disso a acuso. Pensa, eu exorto
Que suporte o peso ou eu danço
Num tombo feio e em tom manso,
Ela responde: Se eu já te suporto

Gordo como estás, e não de agora,
Meu pé torto também se estertora
Há algum tempo. Cadê providência?

Como eu, ela também tem sua razão.
Mas impossibilitado da substituição,
Ouço calado a malcriada indolência.

Francisco Libânio,
18/08/14, 12:18 PM

1771 - soneto para a cama

Ela foi de “amores” testemunha
E do sono o maior porto seguro.
Do sono, a cama tosava futuro
Agora a tais amores se opunha.

Um dia pegou seu dono à unha:
Se continuar essa putaria, te juro,
Para cada amor outro eu deduro!
E enquanto a cama descompunha

Seu dono e reclamava desse jeito
Calhorda, ele não acreditou. Feito!
A cama entregou sem mais aquela

Cada “amor” e o mulherio furioso
Quis matar o moço que, ardiloso,
Usou a cama e foi pra baixo dela.

Francisco Libânio,
17/08/14, 10:45 AM

1770 - Soneto para a estante

Empostada e abarrotada, a estante,
Gaba-se dos livros de todo o saber
Deles que, crê, abastece quem os ler
E a ela. E isso a faz tão arrogante

Que na casa, já se fala o bastante
Sobre a soberba dela. Se descer
Do salto e deixasse o falso poder
Que tem ela não seria a ignorante

Que ela acha que porventura seria.
Os livros passam saber e poesia,
Sabedoria enfim. Mas ela, absorta

Na sua pretensa e falsíssima cultura,
Mantém-se tão oca e cabeça dura
Que sua estupidez ofusca a porta.

Francisco Libânio,
17/08/14, 10:17 AM