Só observando
Quando se escreve, ler é algo muito bom para buscar
inspiração, conhecer autores, ora dialogar com seus diversos estilos. Mas por
mais que toda leitura do mundo seja enriquecedora, às vezes ela se satura e
satura quem lê. Quando isso acontece, vem a segunda parte, o recurso mais
palatável para um escritor: Foi meu caso recentemente.
Após overdoses literárias, os livros já não correspondiam ao
intento de coletar ideias. Resolvi me entregar, pois, àquilo que muitos poetas
confessadamente fazem: A contemplação. Assim, peguei rumo a uma praça no São
Judas, lugar tranquilo e sem aquele alvoroço humano atrás dos seus ônibus e
compromissos no centro da cidade. Quem andava por ali, certamente, tinha algo a
fazer, mas não demonstrava pressa. Permitia que fosse vista e podia trazer,
ainda que não soubesse, ideia para uma crônica ou uma poesia.
Enquanto eu estava com o caderno à mão e a cabeça receptiva
a qualquer ideia que viesse, alguém me cutuca o ombro:
- Moço, tem cigarro?
Vejo. É um velho mendigo andrajoso e um saco consigo. Espera
um cigarro, que eu não tenho. Respondo com a mesma naturalidade:
- Eu não fumo.
Ele me pede uma moeda e temo um assalto, uma violência,
essas coisas de cidade grande das quais nem Prudente escapa. Meu lado cristão
me socorre e me lembra que tenho, sim, uma moeda – ou duas – e que, verdade
seja dita, não me farão falta. Passo-as ao pobre homem. O que será delas agora
já não me diz respeito. Ele se afasta e penso que um mendigo poderia me render
uma crônica, uma poesia. Mas já escrevi tanto sobre questão social, vejo tanto
isso todo dia que o tema sairia batido. O mendigo evidentemente não tem culpa
alguma da minha pobreza criativa. Talvez nem lhe interessasse saber o que fazia
ali o homem que lhe deu duas moedas. Pois que eu siga meu exercício
contemplativo.
As horas passam. Rabisco versos, frases. Vejo pássaros. Mas
todo mundo já escreveu sobre passarinhos, rosas. Vinicius fez isso com tal
maestria que eu não tenho cara pra querer fazer igual. No banco ao lado, uma
mãe e um filho pequeno se sentam. Descem a rua que eu subi. Estavam cansados e,
pelo que eu entendi, ainda não estavam perto de casa. A mulher me pergunta se
sei de algum ônibus que vai para dado bairro. Não moro ali, não posso ajudar.
Recomendo que pergunte na padaria ali perto. A moça sai de lá e seu menino
agora tem um sorvete. Crianças? Seria um bom tema? Não sei... Fernando Sabino
escreveu algo parecido envolvendo criança, guloseima, botequim. Tá, era
botequim ao invés de padaria, mas dá no mesmo. Até rabisco algo, mas não gosto.
O tempo na praça passa e, fora essa pobre aliteração, nada
vem. Se eu fosse para outra praça, a São Sebastião, no Centro, talvez eu
tivesse melhor sucesso. Pensando bem, não. Dois extremos. Nenhum deles me daria
ideia nenhuma que prestasse. Se a calma excessiva não propicia algo que
inspire, a pressa irracional pisoteia qualquer possibilidade lírica que se
possa ter. Olho o tempo. O sol de inverno é bem tranquilo e não a inclemência
que assola no verão. E se eu passeasse? Se eu andasse algo pela rua como se
procurasse a inspiração, essa entidade invisível que só os poetas e os loucos a
descrevem minuciosamente. Não. Seria loucura. Sigo na praça. Ônibus descem a
rua e pessoas a sobem.
Contei que há uma padaria aqui perto. Atento-me a ela. Pode
sair daqui a ideia que tanto quero pra escrever. Saem pessoas com pães quentes
e cheirosos. Isso não me inspira a cabeça, mas excita o estômago. Escrever com
fome é furada. E o problema agora é esse: Fome. Poderia me juntar e ir à
padaria, mas não quero gastar dinheiro. Sou murruga? Estou sendo. Luto contra
meu apetite, mas a praça começa a me desanimar. Nada acontece. Como os grandes
escritores lidavam com isso? Se a praça é do povo como o céu é do condor, o ar
aqui anda tão rarefeito que nem ele aguenta tal altitude. Não sou condor, mas
declino à praça. Vou-me embora. O dia não rendeu. Paciência.
É quando chego em casa que reflito sobre essa experiência da
praça. Para mim, ela não rendeu absolutamente nada, mas para a vida, ela foi
uma sucessão de encontros casuais que dificilmente aconteceriam. Um poeta
encontra um mendigo, ajuda-o com duas moedas e depois recomenda um
aconselhamento a uma mãe que termina com seu filho ganhando um sorvete.
Histórias pobres e nada criativas para este cronista, mas que renderam linhas
muito melhores e bem mais trabalhadas que esta pobre crônica na qual ele foi
mero personagem.
Francisco Libânio,
26/04/13, 10:47 PM