sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Observar e ser observado

Só observando

Quando se escreve, ler é algo muito bom para buscar inspiração, conhecer autores, ora dialogar com seus diversos estilos. Mas por mais que toda leitura do mundo seja enriquecedora, às vezes ela se satura e satura quem lê. Quando isso acontece, vem a segunda parte, o recurso mais palatável para um escritor: Foi meu caso recentemente.
Após overdoses literárias, os livros já não correspondiam ao intento de coletar ideias. Resolvi me entregar, pois, àquilo que muitos poetas confessadamente fazem: A contemplação. Assim, peguei rumo a uma praça no São Judas, lugar tranquilo e sem aquele alvoroço humano atrás dos seus ônibus e compromissos no centro da cidade. Quem andava por ali, certamente, tinha algo a fazer, mas não demonstrava pressa. Permitia que fosse vista e podia trazer, ainda que não soubesse, ideia para uma crônica ou uma poesia.
Enquanto eu estava com o caderno à mão e a cabeça receptiva a qualquer ideia que viesse, alguém me cutuca o ombro:
- Moço, tem cigarro?
Vejo. É um velho mendigo andrajoso e um saco consigo. Espera um cigarro, que eu não tenho. Respondo com a mesma naturalidade:
- Eu não fumo.
Ele me pede uma moeda e temo um assalto, uma violência, essas coisas de cidade grande das quais nem Prudente escapa. Meu lado cristão me socorre e me lembra que tenho, sim, uma moeda – ou duas – e que, verdade seja dita, não me farão falta. Passo-as ao pobre homem. O que será delas agora já não me diz respeito. Ele se afasta e penso que um mendigo poderia me render uma crônica, uma poesia. Mas já escrevi tanto sobre questão social, vejo tanto isso todo dia que o tema sairia batido. O mendigo evidentemente não tem culpa alguma da minha pobreza criativa. Talvez nem lhe interessasse saber o que fazia ali o homem que lhe deu duas moedas. Pois que eu siga meu exercício contemplativo.
As horas passam. Rabisco versos, frases. Vejo pássaros. Mas todo mundo já escreveu sobre passarinhos, rosas. Vinicius fez isso com tal maestria que eu não tenho cara pra querer fazer igual. No banco ao lado, uma mãe e um filho pequeno se sentam. Descem a rua que eu subi. Estavam cansados e, pelo que eu entendi, ainda não estavam perto de casa. A mulher me pergunta se sei de algum ônibus que vai para dado bairro. Não moro ali, não posso ajudar. Recomendo que pergunte na padaria ali perto. A moça sai de lá e seu menino agora tem um sorvete. Crianças? Seria um bom tema? Não sei... Fernando Sabino escreveu algo parecido envolvendo criança, guloseima, botequim. Tá, era botequim ao invés de padaria, mas dá no mesmo. Até rabisco algo, mas não gosto.
O tempo na praça passa e, fora essa pobre aliteração, nada vem. Se eu fosse para outra praça, a São Sebastião, no Centro, talvez eu tivesse melhor sucesso. Pensando bem, não. Dois extremos. Nenhum deles me daria ideia nenhuma que prestasse. Se a calma excessiva não propicia algo que inspire, a pressa irracional pisoteia qualquer possibilidade lírica que se possa ter. Olho o tempo. O sol de inverno é bem tranquilo e não a inclemência que assola no verão. E se eu passeasse? Se eu andasse algo pela rua como se procurasse a inspiração, essa entidade invisível que só os poetas e os loucos a descrevem minuciosamente. Não. Seria loucura. Sigo na praça. Ônibus descem a rua e pessoas a sobem.
Contei que há uma padaria aqui perto. Atento-me a ela. Pode sair daqui a ideia que tanto quero pra escrever. Saem pessoas com pães quentes e cheirosos. Isso não me inspira a cabeça, mas excita o estômago. Escrever com fome é furada. E o problema agora é esse: Fome. Poderia me juntar e ir à padaria, mas não quero gastar dinheiro. Sou murruga? Estou sendo. Luto contra meu apetite, mas a praça começa a me desanimar. Nada acontece. Como os grandes escritores lidavam com isso? Se a praça é do povo como o céu é do condor, o ar aqui anda tão rarefeito que nem ele aguenta tal altitude. Não sou condor, mas declino à praça. Vou-me embora. O dia não rendeu. Paciência.
É quando chego em casa que reflito sobre essa experiência da praça. Para mim, ela não rendeu absolutamente nada, mas para a vida, ela foi uma sucessão de encontros casuais que dificilmente aconteceriam. Um poeta encontra um mendigo, ajuda-o com duas moedas e depois recomenda um aconselhamento a uma mãe que termina com seu filho ganhando um sorvete. Histórias pobres e nada criativas para este cronista, mas que renderam linhas muito melhores e bem mais trabalhadas que esta pobre crônica na qual ele foi mero personagem.

Francisco Libânio,
26/04/13, 10:47 PM

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