segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

700 - Soneto setecentista

Orgias bocagianas em meio à natureza. Cairia bem. 

Invejar os árcades? Invejo-os, sim.
Uma vida pura, doce e saudável,
A natureza dá um tom agradável
E nessa manhã, sinto vir a mim

A aura neoclássica. Ao motim!
Abdique-se da vida miserável
E fria da metrópole, da instável
Vida urbana, ranger sem fim.

Entreguemo-nos à natureza,
Aproveitemos dia e beleza.
E dessa forma ela interage.

Transemos sob sons naturais,
Façamos como os animais
Ou como um poema de Bocage.

Francisco Libânio,
31/12/12, 10:24 PM

domingo, 30 de dezembro de 2012

A Amiga de Minas

Que não demore a acontecer...

Chegou uma amiga minha passar uns dias comigo.
Fui buscá-la no aeroporto. Segundo ela, a viagem foi tranquila apesar de acordar cedo. O voo até São Paulo não teve problemas, o que ela achou muito bom. Viu na TV que o tempo pela Pauliceia estaria carregado, mas chuva mesmo ela só viu no aeroporto, e foi pouca. Enquanto esperava o avião para cá, leu um livro sobre mitologia nórdica (que me mostrou e disse que eu iria adorar ainda que o tema não seja lá um dos meus preferidos). De Sampa pra cá, tudo correu bem e, tão rápida a viagem que ela nem notou que tinha voado. Logo ela estava comigo num táxi indo pra minha casa.
Ao chegarmos, apresentei-a aos meus pais. Já tinha falado sobre ela algumas vezes. Ela se interessou, certa vez, pelos artesanatos de minha mãe. Gostou de uma e outra bolsa e queria uma. Minha mãe, meio resistente, acabou prometendo fazer uma, e fez. Depois, fomos tomar um café. Era o meio da tarde. Achei que minha amiga não fosse gostar de coisas mais simples como um café com leite e pão. Sempre a vi como uma mulher muito animada, doida por festas, boa bebedora. Para minha surpresa, ela se mostrou muito afeita a tudo o que estava na mesa. Não tomou leite, mas caprichou numa sanduíche de queijo. Mineirices. Continuamos nossa conversa como amigos que se falam todos os dias mesmo não sendo assim. Pouco a tenho encontrado na Internet nesses últimos dias. Não a culpo totalmente. Eu mesmo ando meio afastado das diversões virtuais atrás de melhoras na minha vida e replanejando projetos. Ela, bem sucedida em seu trabalho também pouco para na Net para papear amenidades. Trabalha demais e quando para ou dorme ou curte a vida.
Somos diferentes e nossas presenças mostram isso da forma mais evidente possível. Como podemos ser amigos sendo tão opostos e em pouco contato? Não sei. Sei que no pouco que conversamos, apesar de nossas diferenças de vida e preferências, surge uma empatia muito grande, algo sincero e, realmente, interessante. Sempre a admirei, mas nossas conversas nunca se enveredaram por temas mais densos. Não porque eu a subestimasse, mas por não me sentir capaz de me sustentar num assunto menos íntimo para mim e de total domínio para ela. Sei que seriam oportunidades ótimas para aprender mais e conhecer coisas novas. Sempre fui muito aberto a novidades e nunca me privei de certos conhecimentos engrandecedores. Só sei que no momento, nossa conversa ficou cabeça demais. Satisfeita com o café, ela me pergunta onde pode se instalar. Levo-a ao quarto de visitas. Avisei de antemão que ele não estava exatamente habitável e ela disse que não tinha problema.
- Quartos, para mim, são onde passo a menor parte do tempo embora costume fazer coisas muito gostosas neles.
E quando me diz isso solta um olhar malicioso e convidativo. Isso estava no programa? Sei que ela não tem nada contra o tal do sexo casual, desde que feito responsável e conscientemente. Atrevo um passo em sua direção, mas vacilo. Quero sem muita convicção o que ela quer. Pode ser que aconteça e seria ótimo que e se acontecesse. Dou uma desculpa:
- Você deve estar cansada. Quer dormir um pouco?
- Não. Se eu dormir agora não durmo à noite. O que você quer fazer?
Boa pergunta. Naquele dia ficamos conversando. Nos outros, levei-a ara conhecer grandes lugares de Prudente. A Universidade onde estudei, o Shopping onde costumo estudar e beliscar alguma coisa, o Centro Cultural Matarazzo (ela se encantou com os filmes alternativos que assistimos), a casa de alguns amigos meus e só. Para uma moça nova que vive numa das cidades mais animadas do Brasil (ela me conta que Belo Horizonte tem o maior número de bares por habitantes do Brasil), a vida numa cidade interiorana pode soar meio chata. Fico meio borocoxô por não oferecer algo a mais para ela. Ela percebe que tento agradá-la e diz:
- Tenho adorado sua companhia. É o que tem de melhor em Prudente.
E me diz isso com o mesmo olhar guloso do primeiro dia em que chegou. Tenho o pé atrás em me envolver com ela sabendo que estamos longe e manter isso será muito difícil. Por outro lado é difícil resistir. Amanhã ela vai embora. Peço desculpas a toda e qualquer culpa que eu venha sentir mais tarde e nos entregamos um ao outro. Foi uma tarde deliciosa a que passamos no motel. Saímos de lá e fomos ao shopping jantar juntos. No outro dia, levei minha amiga ao aeroporto. Oxalá todas minhas amigas, sexo casual à parte, fossem como ela. Eu teria uma vida social mais enriquecedora.

De fato, de fato, essa história não aconteceu. Tenho, realmente, uma amiga de Minas, mas ela não veio me ver. Por várias vezes, já combinamos de nos encontrarmos, mas dificilmente dá certo. Esse ano mais uma vez não deu. Ela tem vontade de conhecer Prudente e, claro, vir me conhecer. Não sei o que aconteceria desse encontro e não costumo pensar muito nisso. Só sei que, apesar de nossas diferenças etárias e de gostos, nos damos bem e certamente um encontro mudaria nossas vidas. Valeria muito a pena, mesmo que não acontecesse nada disso que escrevi, apenas uma crônica a mais.

Francisco Libânio,
30/12/12, 2:40 PM

699 - Soneto bolado

Que eu ganhe, mas que não me transforme em alguém pior.

Joga-se na mega da virada
E sonha-se com os milhões.
Ideias surgem de borbotões
Ganha! A vida está arrumada

É a mansão nova, mobiliada
E na garagem vários carrões.
Viagens e outras alucinações
Pipocam diante de tal bolada!

Quanto é? Mais de duzentos!
Grana para todos os alentos,
Prato perfeito para a avareza.

Eu, que apostei, espero ganhar.
Se sim, Ganância, não dê o ar
Não quero ser pobre com riqueza.

Francisco Libânio,
30/12/12, 1:49 PM

698 - Soneto retrospectivo

Não será tão diferentes, só terá menos gente de peso pra morrer...

Esse ano teve muitas mortes,
Muitos momentos históricos,
Instantes absolutos, eufóricos,
Episódios de todas as sortes.

Esse ano permitiu os recortes
Mais absurdos. Teve teóricos
Do apocalipse catastróficos
E doidos varridos dos portes

Mais inimagináveis. Diferença?
Nenhuma. Salvo a cega crença
Noutro fim do mundo foi igual

Este ano de outro e outro ano.
Só sei que este dará mais pano
Para mais loucura, mais surreal.

Francisco Libânio,
30/12/12, 10:19 AM

sábado, 29 de dezembro de 2012

697 - Soneto perspectivo

Se tiver fogos já é alguma coisa. O resto se vê depois.

O que pode se esperar do ano novo?
Eu espero apenas mais meses. Doze,
Um monte de dias dos quais se goze
O melhor. Esperança? Eu me demovo

Disso. Apenas soneteio e promovo
Em meus sonetos uma positiva pose
Para cada dia e, assim, por osmose,
Venha o bem para mim e para o povo

O positivo traz o bem, isso é um fato.
Esperança não. Ela ilude pelo abstrato,
Depende de fé e isso eu não cultivo.

De qualquer forma, do ano, que esperar?
Apenas que à meia noite ele possa deixar
Seu legado e que eu continue aqui. E vivo.

Francisco Libânio,
29/12/12, 7:30 PM

696 - Soneto introspectivo

Fim das contas, não foi muito diferente disso...

Recolho-me à minha nobre casca
E nela penso sobre meu ano todo.
Foi um passo a frente ou engodo?
Tirei, de experiência, alguma lasca?

Fiquei bastante descendo a guasca
No que discordo. Tudo que é modo!
No campo poético, soneteei a rodo
E houve lá uma sorte mais carrasca

Outra que temi e foi, até, mais branda,
Mas é pra frente que o mundo anda
Então, a introspecção tem fim lógico:

Vivi, escrevi e aprendi. E lá vem mais!
Este ano (perdão pleonasmar): aos anais!
E não o leia como algo escatológico.

Francisco Libânio,
29/12/12, 6:20 PM

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

695 - Soneto quase feliz

Não quero ser feliz no reveillon, e daí?

A obrigação impositiva em ser feliz
No fim do ano, esperança opressora,
Votos de feliz ano novo a toda hora
Me deixam puto até a mais funda raiz

Se não quero ficar feliz, onde se diz
Que isso é errado? Mandar embora
Toda esperança, pôr do lado de fora
O otimismo e não ver como motriz

O início do ano? Quero fazer isso,
E não esse frustrante compromisso
De ano novo ser um novo começo.

Feliz eu estou agora que soneteio,
Se me deixar seguir nesse esteio
De ser feliz por ordem enlouqueço.

Francisco Libânio,
28/12/12, 3:07 PM

694 - Soneto quase intelectual

Hei de te entender um dia, senhor Joyce.

Tenho um Joyce em minha estante
E li Nietzsche sem entender bem;
Tenho lá outros filósofos também
E gostaria de ser íntimo o bastante

Para entendê-los, mas soa gritante
Minha ignorância nisso. Quem tem
Cabedal no tema ou quem vai além
E faz dialogar o ideário conflitante.

Minhas leituras são muito variadas,
Literatura clássica, obras renomadas
Até best-sellers assim comerciais

Mas quando o negócio se adensa,
Tento vencê-lo, mais que se pensa
E aí a densidade dobra ainda mais.

Francisco Libânio,
28/12/12, 11:06 AM

693 - Soneto quase interessante

Só que não!

Da minha parte, o soneto só interessa
Se o contido nele me segurar a leitura,
Pouco conta métrica, estilo ou feitura
Sou leigo demais para prender nessa.

Esse soneto, por exemplo, processa
Nada de métrica nem nada da loucura
Com sílabas e acentos. Sobra a pura
Intenção de escrever, o que expressa

Preocupação apenas com o conteúdo.
Uso o fim do soneto para dizer tudo
De interessante que cabe e me resta.

Meu terceto falaria da noite anterior
Regada a luxúria, loucura e até amor...
Isso se tivesse havido realmente esta.

Francisco Libânio,
28/12/12, 09:05 AM

692 - Soneto quase comparativo

Se fosse aqui no Brasil... Mas é nos "Esteites" mesmo.

Aqui no Brasil se dá pane elétrica,
Ou dá zica em aeroporto aí já viu...
É chororô! Tinha que ser no Brasil!
A situação passa da linha patética,

Aí, nos Estados Unidos essa ética
Soa diferente. A estrada fica hostil,
Voo atrasa, cai a luz, impera o frio,
Culpa da neve, coisa mais poética.

Claro, afinal lá é o primeiro mundo,
E não esse país pobre vagabundo
Sem futuro e cheio de querer ser

Se é pra ter algum desastre natural,
Seja com neve ou furacão. O mal
É pior, mas mais bonito de se ver.

Francisco Libânio,
28/12/12, 8:21 AM

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

691 - Soneto quase repetitivo

Foto batida no Especial de _____ (Escolha o ano, não fará diferença)

Eu não sou nada monarquista,
Mas Roberto Carlos é rei, vá lá,
E cultiva esse reinado para cá
A cada fim de ano dando vista,

Em visita já sabida e prevista
Que tão cedo não se deixará.
E súdito algum a ela se oporá,
Pois a coroa ainda é benquista,

Querida, defendida e saudada,
Mas cá entre nós: Muda nada.
É sempre a mesma cerimônia.

O rei ainda tem toda majestade,
Mas seu especial é, de verdade,
Um grande remédio para insônia.

Francisco Libânio,
27/12/12, 12:34 PM

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

690 - Soneto quase maldito

Vejo uma dessas, me apaixono e adeus poemas fesceninos.

Leio Gregório e leio Mattoso,
Leio Bocage. Inspirado, tento
Cair pro lado mais besteirento,
Mais chulo e menos amoroso

O escopo original é prazeroso
Por que não seguir esse vento
Que afasta do bom sentimento
E vai atrás do prazer e do gozo?

Porque minha barca até segue
Tal alísio, mas mais navegue
Acha no caminho uma sereia

E ao invés de ir até ela e foder
Prefere apaixonar e se envolver
Não importa o quão ela é feia.

Francisco Libânio,
25/12/12, 6:12 PM

689 - Soneto do manjar natalino

Deliciosa e queimadinha..

Vejo-a lá, descansando dourada...
Como a morena que sai do mar,
Ela sai do banho para repousar,
É mais uma deliciosa rabanada.

Piro quando a vejo ali deitada,
Em paz deixando a brisa levar
O óleo do banho. Tenho lugar
Perfeito pra ela, linda e tostada:

Minha boca... Tudo que quer é ela,
Saboreá-la, senti-la, comê-la
Para que meu desejo debele.

E penso: Se existe um Deus
E algo a supere entre os seus,
Ele guardou, egoísta, pra ele.

Francisco Libânio,
25/12/12, 3:38 PM

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

688 - Soneto de véspera

E ninguém dá presente pro aniversariante...

Vinte e quatro de dezembro, um dia
E será Natal, o máximo contraditório,
Data que o Cristianismo por glorio
E em que tudo se enche de alegria.

É justo! É o nascimento que gloria
Todo o cristianismo. Um expiatório
Sentimento e um desejo elevatório
Para se achegar do que aniversaria.

Mesmo assim a troca de presentes
Na véspera deixa todos contentes
E quem dá o quê ao aniversariante?

No dia, depois da ceia e bebedeira,
Lembra do dito e ora à sua maneira
Sem praticar, Só a reza é o bastante.

Francisco Libânio,
24/12/12, 7:41 PM

687 - Soneto saciado

A melhor coisa...

Uma transa, se amorosa ou casual,
Tem uma única finalidade: Orgasmo!
Não tê-lo deixa o coito algo pasmo,
Então pra que trepamos aqui, afinal?

O homem, dado por broxa, fica mal
E a mulher equipara-se ao marasmo.
Não sou boa? Não causo entusiasmo?
E olha o homem como culpado real

Quisera eu levar as mulheres até lá
Com o indescritível prazer que me dá
O beijo no corpo que deixa louco.

E se um enlouquece, que vou dizer
De vários. Gozo até não mais poder,
E, abatido, quero mais um pouco.

Francisco Libânio,
24/12/12, 7:11 PM

domingo, 23 de dezembro de 2012

686 - Soneto acuado

Mas quem disse que quero fugir?

“Dessa vez você não me escapa!”
Ela disse como uma promessa.
E minha resistência toda cessa
Quero me entregar, ser a papa

Da perseguidora e, na caçapa,
Sujeitar à atividade pregressa
Proposta. E vamos depressa
Da ameaça à próxima etapa,

Aquela em que ela me devora
No seu papel de dominadora
Que acua e cumpre a ameaça

Assim sendo, sou fácil presa,
Deite-me e ponha-se à mesa
Usufruindo bem da sua caça.

Francisco Libânio,
23/12/12, 9:16 PM

sábado, 22 de dezembro de 2012

Depois do fim

Até que ele chegue, cada um faz a sua parte.

Um dos maiores – se não o maior – acontecimentos de desse ano marcou, justamente, pelo seu não acontecimento. Então, segundo os maias, um dos povos de tecnologia avançadíssima para a época pré-colombiana, o mundo ia acabar agora em 2012. Com data marcada e tudo mais. Dia vinte e um de dezembro. Batata! É sentar e esperar. Não teria ai-jesus. Era o fim! The end! C’est fini! Sem tempo nem do último apagar a luz.
Como toda tecnologia avançada que se preze, hoje como antes, essa também não funcionou e cá está o Cronista, dia vinte e dois do mesmo dezembro, escrevendo depois do fim do mundo, que não acabou.
Alívio? Não. Embora muita gente tivesse comprado a ideia de fim do mundo, este que vos escreve não temeu (tanto assim) pela previsão. Por dois motivos. O primeiro é que muito dificilmente o mundo acabaria mesmo. Quantos fins-do-mundo foram previstos, anunciados, descritos e romanceados? Esse seria só mais um e, como todos os outros, não aconteceria. O segundo é que, pensando numa catástrofe anunciada, se o mundo acabasse, quem disse que nos salvaríamos? Nunca estive num fim do mundo antes, mas considerando que o dilúvio e o meteoro que extinguiu os dinossauros tenham sido reais, logo fins do mundo à época, quem sobreviveu àquilo? Noé tinha uma arca, ok. Alguns répteis sobreviveram, sabe-se lá como. De qualquer forma, não creio que a humanidade, apesar de toda sua tecnologia de ponta, se salvasse. Tecnologias falham. E os maias nos provaram isso.
De qualquer forma, aqui estamos todos nós sobreviventes ao fim do mundo. Ou quase todos, se considerarmos mortes naturais e circunstanciais, mas essas não entram na conta dos maias. Como fazer agora? Você, que estocou comida, água e toda a sorte de víveres para sobreviver ao fim, o que vai ser? Que tal uma festa com todo o farnel juntado? Motivo para isso tem. Você está vivo, sua família está viva e a previsão que você esperava não aconteceu. Aproveite que o Natal está aí e faça uma grande celebração. Natal é nascimento e renascimento. À festa!
Estamos ainda vivos. O mundo não acabou e tudo continua como antes, e isso não é bom. Junto com o mundo que não acabou permaneceu a desigualdade, a opressão e o mal ao próximo. O não-fim fez restar ao mundo a ignorância irracional, a indiferença e o egoísmo. Nossa maior virtude, o racionalismo, nos distanciou de coisas importantes. Nossa inteligência mais segregou que uniu. E nada disso acabou com o mundo que não acabou.
O mundo continua girando a despeito do que previram os maias, mas, como eles, continuamos belicosos e, em muitos casos, apelando pra requintes de crueldade. Cortamos cabeças por pura diversão e arrancamos corações por devoção. Isso não mudou. Foi aprimorado, o que não é melhor. Os maias e nós, além de calendários falhos, temos semelhanças nada felizes. Isso, definitivamente, não é bom.
Então, uma vez que o mundo não acabou e nós que aqui ficamos seguiremos nossas vidas como se nada tivesse acontecido (a menos que outro fim do mundo seja desenterrado em algum sítio arqueológico ou anunciado por algum guru da vez), que tal usarmos esse lapso entre fins para um novo começo? Se o mundo dificilmente acabará diante de nossos olhos, sabemos que todo dia ele recomeça. Dizem que há uma nova era começando. Mais uma vez, profetas dizem que há uma nova esperança para um mundo melhor. Mas isso não é preciso profetizar, mas urgente fazer. E cabe a cada um de nós essa tarefa. Porque o mundo não ter acabado não significa – e nem deve – que ele precisa continuar igual.

Francisco Libânio,
22/12/12, 9:59 PM

685 - Soneto safado

Só por hoje, ok?

Aí uma moça resolveu me dar condição.
Disse querer que eu a levasse pra cama,
Fizesse dela a puta que em casa é dama
E testar os limites dessa sexual atração

Porque ela sabe: Nós somos a pegação
Sem dar asas românticas à nossa trama
Nem falar que quer, que adora, que ama...
Nosso negócio é a luxúria, sem invenção.

Ela veio em casa e tocamos para o motel.
Ela tirou minha roupa, cumprimos o papel
De cada um. Agora é obrigado e bye-bye.

O sexo puro e simples parece complicado,
Mas o jogo, se estabelecido e combinado,
Corre tranquilo. Bate culpa, mas ela se vai.

Francisco Libânio,
22/12/12, 7:51 PM

684 - Soneto hirsuto

Tem quem goste... Ainda bem!

E eu que não suporto pelos,
Faço barba dia sim dia não.
Incomoda, pinica... Uma aflição!
Barba e eu... Só grandes duelos...

Pelos, eu preferia não tê-los!
Cara lisa não dá preocupação,
Agrada em geral, dá impressão
Positiva, inspira bons modelos.

Pensava assim até conhecer
Uma diva, maravilha de mulher,
Boa cabeça, ideias modernas...

Aí deixei barba, bigode, tudo
Porque a um rosto desnudo
Ela prefere o tipo das cavernas.

Francisco Libânio,
22/12/12, 1:06 PM

683 - Soneto pós-apocalíptico

E eu achando que isso era o que ia rolar no fim do mundo...

E aquela tal previsão maia
De que o mundo ia acabar?
Que um planeta ia trombar.
Coisa de gente de má laia

Pena. Humanidade cobaia
De uma hecatombe estelar
Era momento certo de dar
Um festão só de gandaia!

Pois é, mas tá aí o mundo
Após o vaticínio vagabundo
Girando com a humanidade

Pior! Nem estaremos aqui
Para curtir todo o frenesi
Quando acabar de verdade.

Francisco Libânio,
22/12/12, 12:46 PM

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

682 - Soneto usurpador

Onde tá que eu posso cassar e prender deputado? Ah, dane-se, vou fazer assim mesmo!

A coisa realmente tá estranha...
Juiz agora cassa o deputado
Com ódio um tanto celerado
E doido pra saciar sua sanha

O Judiciário usa de manha
Para fazer o fora do riscado.
Pois que Câmara e Senado
Equiparem a ridícula façanha

Das togas e desvirtuem o fim
Das casas e julgue toda ADIN
Furando o olho do Judiciário!

Loucura? Loucura é o Supremo
Num ato insensato e extremo
Fazendo mal um trabalho vário.

Francisco Libânio,
21/12/12, 7:44 PM

681 - Soneto que não namora

Pelo menos no soneto, eu tô assim.

Namorada? Não tenho, e, por isso,
Meu soneto deixou o romantismo
De lado. No começo, num abismo,
Ele ficou triste e depois irritadiço;

Aí ficou deprimido ficando nisso
Por tempo remoendo o casuísmo
Da solidão negando o hedonismo
Esperando o futuro compromisso

Que salvaria a razão de existência,
O namoro não veio! Foi à falência
A esperança. O instinto descamba

E a inspiração, promíscua, apronta!
Arruma musas que faz perder conta
E assim, ela se diverte pra caramba!

Francisco Libânio,
21/12/12, 1:06 PM

680 - Soneto do fim do mundo

Ah, não! Agora vai esperar!

Escrevo antes que o mundo acabe,
Antes que caia uma bola de fogo
Então é melhor eu que escreva logo
O último verso que ainda me cabe

E deixar que mundo todo desabe.
Com meu último escrito homologo
O poeta que fui e também revogo
Meu dom, mas ainda nem se sabe

Se o mundo acabará. Será que vai?
Tanto dizem, mas esse fim não sai
E se fosse acabar, um pouco já era!

Quer saber? Que o mundo se dane!
Esse fim parece ser mais outra pane
Se não acabou, senta e me espera.

Francisco Libânio,
21/12/12, 12:10 PM

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

679 - Soneto de má fama

Eu passando o rodo? Só se for assim!

Dizem por aí que quem faz fama,
Curte, aproveita seus bons frutos;
Come-os, lambuza dos produtos
E, com fama feita, deita na cama

Eu, por poeta, alguém me chama.
Agradeço e degusto por minutos
O nome. Há quês justos, argutos
Sobre os quais o tal se derrama,

Mas quando se arruma um cacho,
Uma moça para aquietar o facho
E ter o sagrado direito ao prazer

Vem um e já diz de mim: Pegador!
Quisera eu a rotação a todo vapor!
Foi só uma. Outra não irá aquiescer.

Francisco Libânio,
20/12/12, 10:33 PM

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

678 - Soneto prazenteiro

Espetacular! Maravilhoso!

Ela me disse que seria inesquecível,
Que nós iríamos fazer o chão tremer.
Quando ela se despiu e fez aparecer
Parte do seu busto, achei isso crível.

Sua boca partiu para a tática infalível
Do oral! Disse que gostava de bater,
Que eu nunca conheceria um prazer
Maior, melhor, mais intenso e tangível.

A noite foi absoluta. Devo à parceira
O gozo dessa aventura passageira
Porque ela não quer levar isso adiante

Na verdade, eu também não queria.
Esse prazer não salvaria a monotonia
Do cotidiano. Uma vez é o bastante.

Francisco Libânio,
19/12/12, 8:14 PM

677 - Soneto comezinho

Ela é espetacular. E quer...

Pra se dizer o difícil, a complicação,
Erudição como o inútil rebuscamento
Não ajudam, travam o entendimento
E levam o interlocutor à pura aflição

“Diz logo!” Pede sem certa educação
Quem passa pelo irritante tormento
Enquanto quem diz para por momento
Procurando uma melhor explicação

E o cara resolve meter romantismo
Na história para abafar o cataclismo
E manda “Vamos dar uma, meu bem?”

Ela topa. A boa e velha simplicidade
Funciona e desenha legal a realidade,
Afinal, ela queria muito isso também.

Francisco Libânio,
19/12/12, 11:57 PM

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

676 - Soneto com os pés no chão

Melhor nem esperar demais. 

A dizer dessa mulher que eu admiro:
Nada além disso. Acho-a espetacular!
Mulher pra namorar, noivar e casar.
Ela é o tipo de mulher que eu prefiro.

Mas e daí? Admiro-a e me inspiro
E nada mais. Mas vou eu reclamar?
De forma alguma! Prefiro sonetear,
Achá-la espetacular, dar o suspiro

De como seria bom tê-la comigo
E não tê-la. Realizar é um perigo,
Uma paulada fatal na imaginação!

Porque vai que quem você admira
É louca, estúpida, piranha e traíra...
Já pensou o tamanho da decepção?

Francisco Libânio,
18/12/12, 12:03 PM

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

675 - Soneto em noite chuvosa

Vem cá, minha gostosa!

Às vezes, não fazer nada é fazer demais
Como, às vezes, fazer tudo é fazer nada,
O sujeito se estupora atrás de namorada
E segue em noites solitárias e invernais

Entendo o que é isso. Já passei demais
Por isso. Hoje deixo essa ideia desligada.
Acontecer, maravilha! Não, deixa a toada...
Não ando com o clima bonito dos casais

Prefiro a solidão acompanhada a ser par
Por obrigação, por imposição elementar
Da sociedade que mais e mais se separa,

As noites a sonetos, leitura e introspecção
Podiam ser melhores, ter certa devassidão
Mas isso só não satisfaz, apenas mascara.

Francisco Libânio,
17/12/12, 8:54 PM

674 - Soneto da expressão mentirosa

Continua a mesmas, mas... Dane-se!

“A amizade continua a mesma”. Existe,
Por acaso, um fim de frase mais infeliz
Que esse? Digno de pessoas mais vis
Que não quer por perto e, dedo em riste,

Afasta, mas ilude que ainda persiste
Alguma coisa e para apagar a cicatriz
Deixa a deixa estúpida quando a diz.
Não há nada mais falso ou mais triste.

A amizade continua a mesma. Passa,
Então em casa e fiquemos de graça
Apesar do havido, te aguardo por lá!

Frase imbecil, quem a criou não pensa
Nem sabe o quanto isso é uma ofensa
Ou não tem nenhum amigo nem o terá.

Francisco Libânio,
17/12/12, 12:01 PM

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

673 - Soneto sapiossexual

Eu!

Já sabe bem quem me conhece:
Me mulheres negras ou morenas,
As belezas indianas, sarracenas
Ou que com esse tipo se parece

Gosto de seio, do que aparece,
Não gosto de roupas pequenas
Demais. Parece vulgar apenas
E a beleza nelas some, fenece.

Mas pode ser a morena peituda,
Indiana bem vestida e manteúda
E dominar com total excelência

As artes de amar, dons da cama,
Não acenderá fagulha de chama
Sem ter o mínimo de inteligência.

Francisco Libânio,
14/12/12, 12:35 PM

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

672 - Soneto quase revolucionário

Uma gata dessas não se conquista na base da revolução.

Sempre quis revolucionar no soneto
Quadras e tercetos? Pra quê? Chega!
Quero vencer essa obediência cega,
E revolucionar, bagunçar esse coreto

Se eu fizesse um soneto com sexteto,
Ou um tipo novo estrofe que emprega
Sete versos. Arrebentar essa bodega
E aí, sento e penso, eu comigo quieto

Se no verso convencional, o sucesso
É como o com o mulherio, no avesso,
Certamente, eu não faria melhor figura!

Assim, no verso ou no beijo é melhor
Que se siga as regras. Elas, sei de cor.
E talvez levem uma mulher à loucura.

Francisco Libânio,
13/12/12, 8:14 PM

671 - Soneto serelepe

Maluco? Não, apenas feliz!

Você gosta de se mexer, é hiperativo!
Se não entende, tem déficit de atenção!
É bipolar se sofre qualquer alteração
No humor, se fica, repente, apreensivo.

E assim qualquer movimento instintivo,
Uma atitude orgânica, uma respiração
Mais acelerada, aos olhos da comissão
Especialista em nada merece um crivo.

Você tem psicopatia, precisa se tratar,
Claro! Vá o conserto. Não existe lugar
Para o diferente, só para os tais normais

Como você, que esconde sua fraqueza
Enquanto aceito a minha e lhe dou beleza
E vivendo com ela eu quero muito mais.

Francisco Libânio,
13/12/12, 12:40 PM

670 - Soneto oito ou oitenta

Esse olhar... Nunca sei o que vem.

Ela na cama ou é beijo ou é mordida,
Chama de amor ou de filho da puta,
Seu pé ora me acaricia ora me chuta,
Olho-a. Ora satisfeita ora arrependida.

Ela transita pelos extremos da vida
Com tanta facilidade que ela executa
O melhor e o pior sem haver disputa
Prazer e ofensa sem qualquer medida,

De mim? Não sei se a quero ou não,
Não sei se espero beijo ou agressão,
Ela mandou a razoabilidade embora

Que tenho medo de me oferecer a ela,
A parte íntima. Vai beijar e vai lambê-la
Ou vai morder, arrancar e cuspir fora?

Francisco Libânio,
12/12/12, 3:38 PM

669 - Soneto dos três dozes

Só uma data, ok?

Doze do doze de dois mil e doze,
Última data ao estilo no calendário
Em que a coincidência e o arbitrário
Se juntem, e aqui há um que glose

Sem muito dizer, sem ser o virtuose
Das letras nem crente num cenário
Apocalíptico de um acaso numerário,
É uma data. O resto é pura neurose.

Como outra onzena de oportunidades,
O dia doze tem lá suas pessoalidades,
Suas notícias e seus acontecimentos

E tenho certeza que o fim do mundo,
A destruição absoluta num segundo
Não estarão hoje entre tais momentos.

Francisco Libânio,
12/12/12, 12:12 PM

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

668 - Soneto benfazejo

Pode não ser maravilhosa, mas é espetacular

Ela não era a mulher mais linda
Nem a mais gostosa nem nada
Demais. Ela sequer era notada
E às vezes ficava numa berlinda

Entre as mais feias ou ela, ainda,
Se lembrada, era logo apontada
A mais mal vestida, mal arrumada
E essa estranheza que a blinda

Foi o que atraiu num outro olhar,
Mais reparado querendo demorar
E vi lá coisas nunca antes vistas

O que fiz foi caridade? Se foi, bem!
Aquele corpo me fez bem também,
Somos, eu e ela, satisfeitos altruístas.

Francisco Libânio,
11/12/12, 1:04 PM

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

667 - Soneto do número seguinte

Deve ser assim...

Se o meia-meia-meia é o anticristo,
O meia-meia-sete, no rolo, é o quê?
Um número qualquer e sem mercê
Positiva ou negativa nem um visto.

Contrário do seu vizinho malquisto,
Ele está na contagem sem porquê
E o poeta, um desocupado que vê
Esses detalhes, segue o previsto:

Discorre sobre um número qualquer
Porque o antecessor pediu tal mister
E agora escreve com bom improviso

E ele crê que este número seja terno
Afinal se o meia-meia-meia é inferno
Diz-se que após ele chega o paraíso.

Francisco Libânio,
10/12/12, 8:03 PM

666 - Soneto do mal cabalístico

Six, six, six... The number of the Beast (melhor do que muita patuscada por aí)


Meia, meia, meia, o número da besta,
Até o Iron Maiden já falou sobre isso,
Como meu soneto poderia ser omisso
E fazer, justamente aqui, sua sesta?

Anticristo, o número desperta a festa
Absoluta e faz crer ser o compromisso
Fiel de quem a tal crença é submisso
E é besta de grafar o número na testa

Aí não é besta de diabo, mas de tonto,
De idiota. Não basta cair fácil no conto,
Tem que mostrar que é a reencarnação

Do mal. Ok, fie-se de cabeça na lenda,
Mas ciente de que essa mania horrenda
É a forma mais ridícula de ter devoção.

Francisco Libânio,
10/12/12, 6:19 PM

665 - Soneto aleatório

Às vezes, o soneto chega assim. Como quem não quer nada.


Escreve um soneto. Vá lá! Perfeito!
Hoje não tem inspiração, tudo bem!
Deixa que o soneto de pouco vem
E surpreende o poeta tão suspeito

E tão descrente que esse seu feito
Possa dar certo. Mas se até alguém
Apareceu o chamando de meu bem
Sem planejamento, pode ter efeito

Escrever e o soneto vir. E ele chega,
Pede licença, se coloca e se entrega,
Presa fácil, falta só o poeta conferir

E anotar. Mais um soneto pra conta!
Ele, como mulher que surge, apronta
Fazendo apaixonar e fazendo sorrir.

Francisco Libânio,
10/12/12, 1:09 PM

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

664 - Soneto absurdo

Flor, você precisa ir embora...


Quando eu a chamei para um pouco mais,
Obviamente havia uma maldadinha no ar
E ela bem sabia, principalmente ao aceitar
Sem perguntar nem se alongar demais

Subimos pelo elevador, pessoais normais,
Entramos no apezinho de forma elementar,
Cada um tomou sem insinuações seu lugar
E não houve malícias ou induções sexuais

Tomamos o último drinque tranquilamente,
O álcool, a conversa tornaram envolvente
O clima e ela se aproximou de mim e, tesa,

Desnudou-se e me atacou, perdeu a linha!
Houve o que houve e não foi culpa minha,
Tenho a testemunha e o prazer por defesa.

Francisco Libânio,
07/12/12, 8:14 PM

663 - Soneto acintoso

Isso não vai parar aí... Eu sei.


Quando eu a chamei para um pouco mais,
Obviamente havia uma maldadinha no ar
E ela bem sabia, principalmente ao aceitar
Sem perguntar nem se alongar demais

Subimos pelo elevador, pessoais normais,
Entramos no apezinho de forma elementar,
Cada um tomou sem insinuações seu lugar
E não houve malícias ou induções sexuais

Tomamos o último drinque tranquilamente,
O álcool, a conversa tornaram envolvente
O clima e ela se aproximou de mim e, tesa,

Desnudou-se e me atacou, perdeu a linha!
Houve o que houve e não foi culpa minha,
Tenho a testemunha e o prazer por defesa.

Francisco Libânio,
07/12/12, 8:14 PM

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

662 - Soneto abalizado

Aí ele defende as ideias do Bolsonaro e acabou...


Aí você imagina que a pessoa sabe
Tudo, tudo, um verdadeiro cabedal,
Uma fonte de onde jorra sem igual
A quem nenhum elogio justo cabe.

A ignorância, parece, lhe descabe,
Mas esse castelo de marfim é irreal,
Dê-lhe um tema político ou moral
E deixa que ele por si só desabe

O vil conservadorismo tanto exala,
Escorre pela boca que não se cala
E dá vez a um aprendiz de ditador

O mundo que ele quer é retrocesso,
A sabedoria que soava em excesso
É tão ausente que nos causa dor.

Francisco Libânio,
06/12/12, 8:07 PM

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Monet para todos

A beleza é universal.


Tenho pra mim que nada alimenta mais a alma que a Arte. Mais até do que nos alimenta uma excelente iguaria culinária. Seja como for e tomando por verdadeira essa boba comparação, estou num ótimo restaurante – um museu – a me fartar com uma grande iguaria francesa, um cardápio recheado com pratos modernistas servidos, principalmente, pelo chef Monet. É um extenso self-service em que muitas pessoas, a maioria aparentando muito mais garbo, muito mais classe que eu, sorvem suas refeições da forma mais fleumática possível. Discretos “oh” pipocam. Pequenos grupos, quase sempre pares, trocam impressões sussurradas sobre o cardápio. Eu estou sozinho e não conheço ninguém com quem possa dividir meu parecer sobre os quadros. Nem sei se isso é necessário. Minha alma está sendo bem servida em sua solitude e prefere não ouvir outras opiniões. Estou satisfeito como todos no recinto. O chef Monet está de parabéns. Assino embaixo de todas as boas referências que lhe deram durante todos esses anos. Em meio do meu prazer artístico-alimentar sou interrompido por uma fala alheia mais alta que o habitual:
- Bonitos esses quadros, né, moço?
Viro-me ao dono da voz. Um senhor de (suponho) quarenta anos chegando tortuosa e descuidadamente aos cinquenta. A barba por fazer e os cabelos desgrenhados conflitam com a pasta que envolve o local. Homens imberbes ou de polidos e cuidados bigodes olham o meu interlocutor com desagradável surpresa. Mulheres em tailleurs finos e bem recortados estranham-no como um verdadeiro invasor. A presença incomoda. Vejo que a digestão cultural de muitos foi solenemente agredida. Meu interlocutor não dá pelo que provoca, mas percebo que estranha o meu silêncio. Oras, ele me fez uma pergunta. É de bom tom que seja respondido.
Observo um pouco mais o ambiente. O mal-estar, ainda que fleumático como pede a ocasião, é indisfarçável. Indisfarçável e passível de ser eliminado. Perto do meu interlocutor dos seguranças o medem com uma postura impassível, mas defensiva. De onde surgiu esse homem? O que ele quer aqui? Ao meu destoado interlocutor, dois sentimentos o abstraem: A beleza do quadro que ele mira como se procurasse um detalhe, uma nuance e a minha grosseria. Ele me fez uma pergunta. Um mero aceno de cabeça servia como resposta. Não precisa falar. Noto que todo o estranhamento dirigido pela assistência encantada com Monet e agredida com sua presença não ofende mais que o meu silêncio. Sinto-me desaprovado. Certamente, se soubesse que eu fui perguntado, ainda que de forma tão simples, o público não veria mal nenhum em não responder. Ele não é um dos nossos. Aqui não é o lugar dele. Mas a mim me incomoda. O velho me fita com uma ponta de mágoa. Não posso com isso.
- Sim, são realmente muito bonitos. – respondo. O mal-estar no ambiente não está desfeito, mas o meu mal-estar desapareceu com essa janela que abri. Um interlocutor e eu continuamos a admirar Monet e degustar cada um de seus quadros. Mais uma vez observo o salão. Senhoras bem vestidas e maquiadas conversam apontando meu interlocutor, sua roupa maltrapilha, ainda que deva ser a melhor. Do outro lado, o incômodo é flagrante. Ouço reprovações mais audíveis. Talvez para serem ouvidas pelo meu interlocutor que nem faz caso.  Continua contemplando cada quadro com o apetite de quem não come há dias. Certamente, um almoço dessa magnitude ele nunca teve. Da minha parte, de repente, cada prato tem um tempero a mais. Meu interlocutor não me dirige mais a palavra. Não pergunta, não comenta. Porta-se como um conhecedor de arte. Não nota nada o que o rodeia. Nem a mim. Até eu deixei de existir. Sou eu que, além de Monet, também aprecio o interesse do senhor que se sacia com tão bem posto cardápio.
Após o último quadro, me preparo para ir embora. Estou empanturrado de Monet. Minha dieta artística está em dia. À porta da saída do museu, meu interlocutor daquela hora me aborda pela segunda vez:
- O nome do pintor, moço, qual é mesmo?
- Claude Monet, francês. Precursor do Impressionismo.
Ele me agradece e sorri. Volta ao seu mundo árido de belezas, mas com a alma repleta de belezas. E essa beleza o fez maior que tudo, maior que a reprovação, que a chacota, só não maior que Monet.

Francisco Libânio,
04/12/12, 10:50 PM

661 - Soneto absuado

Achava que ela fosse ficar mais braba...


A mulher que chamei de peituda
Não gostou do nome, evidente!
Também não disse nada frente
A isso. Uma repreensão aguda,

Uma atitude mais dura e sisuda,
Apenas me encarou seriamente
Sem reclamar mais do incidente,
Apenas se quedou ela lá, teúda,

Altiva e paciente. Esperava mais?
Alguns outros elogios eventuais
Aos seus peitos fartos e belos?

Não os fiz. Atingi a cota de abuso,
Poderia pedir a licença de uso,
Mas estava bom só enaltecê-los.

Francisco Libânio,
04/12/12, 7:08 PM

660 - Soneto abastado

Se eu fosse como ele, teria milhões, mas seria feliz?


Não tenho posses, não sou milionário
Quem dera a poesia assim me fizesse,
Mas creio que seja para quem merece
E não um dom, título assim arbitrário

Mas fosse eu um, do tipo perdulário
É que não seria. Dinheiro não cresce
Em árvore. Rapidinho a grana fenece
E quase nunca se iguala o numerário.

Tudo bem, não sou rico, e nem quero,
Prefiro o suficiente e usar do esmero
Para não vê-lo reduzido logo a nada.

E já que esses milhões não me dão
O prazer da posse, que todos vão
Pro inferno ou pra pessoa precisada.

Francisco Libânio,
04/12/12, 12:29 PM

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

659 - Soneto preocupado com o cu alheio

Será que ele é? E se for? Interessou, machão?


Aí vem um e fala que o Gianecchini
É viado. Eu acho bem interessante
Essa curiosidade demais incessante
Sobre aqueles que a patuleia define

Serem gays. Normal que se opine,
Se presuma, se especule bastante.
Celebridades causam o desplante
De serem invejados e essa vitrine

Em que vivem expostos é secada
Sempre. Mas, na miúda, na calada:
Sujeito ser gay, isso muda em quê?

Caso ele venha a público e assuma,
Acha que ele, que só bem se arruma,
Vá te dar essa moral e namore você?

Francisco Libânio,
03/12/12, 8:05 PM

sábado, 1 de dezembro de 2012

658 - Soneto hedonista e cuidadoso

Juízo e precaução nunca fizeram mal

Não discuto: Sexo é algo delicioso,
A monogamia tem também a delícia,
Mas se se curte variedade e malícia,
Curta-se. Se o que busca é o gozo

Descompromissado e pecaminoso,
Faça-o. Pratique-se com tal perícia
Nessa luxúria ou use toda a carícia
Se prefere e pratica sexo amoroso

Não se deve olvidar nunca, entanto,
Que na fidelidade a um ou no tanto
Quantitativo que sempre se avizinha

O perigo. Prazer pede boa maneira
Para não se perder uma vida inteira
E nos exige o cuidado da camisinha.

Francisco Libânio,
01/12/12, 12:33 PM