terça-feira, 12 de maio de 2015

1872 - Soneto fálico

Que tamanho é esse interesse
Em ver em qualquer lugar o falo
Até onde ele não existe? O estalo
Paranoico que acentua a prece

Do pudico. Talvez mais devesse
Nem vê-lo e se o vir, bem ignorá-lo.
O pau visto não pode ser o calo
Tão doído. Esse incômodo parece

Demais com a grande incerteza
Frente a essa inexistente dureza
De um pinto que só o sujeito viu.

E se tiver um pinto, que lá fique
Curta-se o resto sem ter chilique.
Chilique desqualifica como viril.

Francisco Libânio,
08/05/15, 12:57 PM

1871 - Soneto que não sobe

Querida, hoje está complicado,
Não adianta carinho ou pressão.
Não é sua culpa nem da relação,
Acontece. Dia que só dá errado,

Não funciona nem com agrado
E não me agrada essa situação,
Mas manhã é hora de negação
E o jeito é pôr isso tudo de lado.

Infelizmente insisto, teimo, persigo.
Isso não pode acontecer comigo,
Mas tento tudo e a coisa mais trai

Que ajuda. Tento com muita calma,
Tento pôr, mais que corpo, a alma,
Mas essa porra de soneto não sai.

Francisco Libânio,
08/05/15, 9:06 AM

1870 - Soneto gramíneo

E se deitar na relva verde e natural
E admirando o céu azul lá em cima.
Sentindo o mais agradável do clima
Achando nada melhor que o frugal

Momento em que a grama é o ideal
Colchão. E, se poeta, busca a rima
Que encaixa melhor e se aproxima
Dessa paz serena que não tem igual.

A natureza é mesmo maravilha, e é.
Nada há que discorde ou negue fé
Nesse fato. A não ser uma formiga.

Ela e um batalhão picam. Paz já era!
O tal contra a natureza já se exaspera
Arrancando a grama com ar de briga.

Francisco Libânio,
06/05/15, 7:34 PM

Motel

Calma que esse gozo
Foi só um grosso desabafo
Ainda não, não acabou.
Esse nosso sexo gostoso
Anuncia muita coisa mais,
O amor apenas começou.

Francisco Libânio,
09/06/14, 10:21 PM

1869 - Soneto arbóreo

Uma árvore plantada na cidade,
Purifica o ar nela já tão poluído,
Mas fica num espaço diminuído
E longe do habitat que, verdade,

Parece poste sem eletricidade,
Um naco de floresta já perdido,
Mas se sua copa já tiver florido
E a sombra tiver a tranquilidade

Dos arcádicos tempos de outrora,
Deixa ser poste escuro. Vambora!
Se ela estiver perdida aqui se asila.

A árvore na cidade, prima distante
Das nativas, fica. Daqui em diante
Nada tira essa sombra tão tranquila.

Francisco Libânio,
06/05/15, 1:19 PM

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Intimidade

Na cama, o diálogo.
- Mas o que você está fazendo aqui?
- Eu quero dormir. E você?
- Eu também. Até porque essa é a minha cama.
- Sim, eu sei.
- E por que você está aqui?
- Poxa, a gente se conhece há anos. Qual o mau em dividir sua cama comigo? Vai regular agora?
- Mas você é homem, é meu amigo, eu sei. Somos amigos há muitos anos, confere. Só que deitar comigo na minha cama...
- Ah, tá. E você vai negar a sua cama a um amigo de muitos anos, como você mesmo acabou de deixar claro. Deixar seu amigo num sofá duro ou, pior!, sob as estrelas. Que belo papel de um amigo!
- Veja bem. Não pega bem dois homens dormindo na mesma cama. Olha o que o povo vai dizer. Você é solteiro e eu também...
- E você se preocupa com o que o povo fala?
- Não, mas veja bem. É esquisito, você há de convir.
- Escuta aqui. Você é viado?
- Não.
- Você sabe que eu não sou viado também, não sabe?
- Sei, mas é que...
- É que coisa nenhuma! Você está com frescura. Se eu não sou viado e você também não e ambos estamos com sono e queremos dormir, qual o problema, cacete? Cada um vira pro seu lado e dorme. E fica tranquilo, você sabe que eu não ronco. Já de você eu não posso dizer a mesma coisa. Aquela excursão pra Praia Grande em 1999 foi traumática. Achei que você ia morrer tanto que roncava.
- Eu nem me lembrava mais disso.
- Claro, você dormiu o sono dos justos e não deixou ninguém dormir. Todo mundo reclamou.
- É verdade.
- E outra. Tá vendo como você tá com história? Naquela oportunidade, a gente dormiu junto e ninguém saiu sofrendo por isso.
- Mas naquela vez, você dormia numa cama, eu em outra e o Gouveia numa outra. Cada um na sua.
- Sim. Eu na cama de baixo do beliche, o Gouveia na de cima e você todo gostosão sozinho na outra cama. Tive que aguentar o Gouveia peidando a noite toda e rezando pr’aquele gordo não cair em cima de mim.
- Porra, você sabe que eu não gosto de beliche. Se tivessem me falado que tinha beliche eu nem tinha ido. Uma viagem horrível e ainda com beliche. Ninguém merece.
- Você é muito cheio dos não-me-toques. Não gosta de beliche, não gosta de calor, tanto que tive aguentar ar-condicionado por sua causa. Minha rinite acabou comigo e eu nunca te falei isso porque sou seu amigo. E ainda por cima fica com esses frufrus de não dividir cama comigo, que só quero dormir. Olha, que belo amigo você me sai!
- Tá bom, tá bom. Você tem razão. Fui eu quem te chamou pra vir em casa pra gente tomar umas cervejas. Você não tem culpa de não dirigir nem de não achar táxi pra sua casa. Faz o seguinte: deita e dorme. Você é meu convidado. Fui eu quem chamou e sou eu quem tá com história. Você tá certo. Amanhã, eu pago o táxi pra você ir pro trabalho, ok?
- Sabia que você terminaria sendo razoável. Então, vira aí pro seu lado e boa noite. Até amanhã.
- Boa noite.
No meio da madrugada, o convidado saiu da cama. Preferiu encarar o sofá duro quando notou que o amigo estava roçando suas pernas e gemendo. Não tinha nada contra, continuariam amigos por muitos anos, mas não era a dele. E como amigo que era nem espalharia pra turma que o outro dormia e chamava, à noite, por um tal Aílton.
O que a intimidade e a boa amizade não fazem, pensou antes de pegar no sono de vez.

Francisco Libânio,
11/04/15, 5:29 PM

1868 - Soneto errado

Admitir que não se está certo,
Que virtude essa, que bonito!
Sujeito daí quase vira um mito
Da honestidade ou chega perto.

Merece, sim, loas e concerto,
Pois evita começar um conflito
Ou piorar. Do que era maldito
Ele se redime e de peito aberto

A situação o recebe. Tem paz
E expurgam-se as coisas más,
O pecado chega, então, ao fim.

O problema é quando, de birra,
Não se faz, o mal mais se acirra
E o teimoso fica melhor assim.

Francisco Libânio,

05/05/15, 7:25 PM

Haicai 02

Amor de verdade, sim, existe.
Mesmo em quem só erra
E por amor, no acerto, persiste.

Francisco Libânio,
08/05/15, 5:51 PM

1867 - Soneto afobado

Como se tivesse muito a dizer,
Mas não sabia a palavra certa.
Ao mesmo tempo muito aperta
O coração que mais quer fazer

A falar, mas precisa se entender
Como explicar o que desconcerta.
No entanto, é preciso estar alerta:
Há ali um ser complexo, a mulher.

Como dizer o difícil e ser didático?
Como resolver isso de jeito prático?
Vou e falo. Meu peito se escancara,

Algo sai do fluxo e sai do contexto.
Ela esquece o todo, ignora o resto,
Fica puta e me larga o tapa na cara.

Francisco Libânio,
05/05/15, 12:21 PM

quarta-feira, 6 de maio de 2015

1866 - Soneto aberto

E se eu recebesse sugestões
E as aceitasse sem pestanejar,
Sem filtro, apenas pelo trovar?
Em que dariam as implicações?

Na falta de leitores e atenções,
Deixo uma primeira ideia a voar
Pousar na mesa e ter seu lugar,
Convido-a despertar inspirações.

Ela aceita esse inglório serviço
E sai um soneto assim sem viço
Em que as rimas têm destaque,

Mas, tema mesmo, é sobre nada.
Ideia que chega é coisa arriscada.
Escrever bem é coisa pra craque.

Francisco Libânio,
01/05/15, 8:18 PM

terça-feira, 5 de maio de 2015

1865 - Soneto de (falta de) trabalho

Feriado do dia do trabalho e o poeta,
Desempregado e o sendo de graça,
Sem receber e sem ter quem o faça
Pagar por ser poeta, apenas enceta

Um soneto com a única e boba meta
De termina-lo. Com a cabeça escassa,
O humor ruim e lembrando da massa,
Que, como ele, não trabalha e vegeta,

Mas que diferente dele não soneteia,
O poeta se revolta e esse não floreia,
Evita palavrão, evita gratuita agressão.

Ele sabe que sobram talento e vontade,
Sabe como é cruel e triste a sociedade,
Para quê ser duro ao sonetear então?

Francisco Libânio,
01/05/15, 9:55 AM

1864 - Soneto endiabrado

Mulher diz que está pro crime
E nos olhos existe uma malícia,
Pode apostar, há toda a factícia
Maldade e como nada a oprime,

Praticar e fazer que se legitime
Esse crime usufruindo a delícia
Dele é metal final. Não há polícia
Que a impeça. E não subestime

O que pode fazer esse desejo.
Quando ele surgir de um cotejo,
O fogo da mulher a fará criativa,

Fará dela puta. E bom que seja.
Azar tem é o cara que apedreja
A mulher pelo erro de estar viva.

Francisco Libânio,
29/04/15, 7:43 PM

1863 - Soneto atrás de calma

Porque todas as tensões têm,
Naturalmente, a coisa inimiga,
Coisa negativa que só dá liga
Com outras e uma puxa cem,

No maremoto já nos faz refém,
Na tranquilidade arruma briga,
Qualquer coisa já a empertiga
Dando mal a si e a mais quem

Esteja perto. Então na tensão,
Fujo de gente, evito invenção,
Tento sonetear a ver se volta

A paz, mas paz não já existe
Quando se está o tanto triste
E as tensões estão aí a solta.

Francisco Libânio,
29/04/15, 12:22 PM

sábado, 2 de maio de 2015

Indecisão

É esse dilema
Amar você como está
Ou não
Já que amar mais
Também dá.

Francisco Libânio.
09/06/14, 10:38 PM 

1862 - Soneto despido

Que ideia fixa essa com a nudez
Tem o poeta. Que ele a explique.
Eu já a explico no mesmo pique
Para que não perder nem a vez

Nem a dúvida. Parece insensatez,
Mas é admiração. Que petrifique
No soneto o que talvez não fique
Na escultura com toda sua altivez

Renascentista. A forma tão exata
Física e estética, vezes até chata,
É preterida. Venham as informais

E humanas formas livres, cheias
Longe dos modelos ou até feias.
O poeta ama nudezes normais.

Francisco Libânio,
28/04/15, 12:32 PM

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Sísifo

Um homem viu Sísifo em sua sina eterna de rolar sua pedra montanha acima pra ela desafortunadamente rolar pra baixo e a empresa se fazer outra vez. Foi uma semana em que a cena se repetia sem nenhuma novidade e uma resignação nunca vista antes. Nada mudava. Nem mesmo Sísifo se queixava desse mister. Se foi assim até agora por que haveria de mudar e pra quê?
Só que o homem, com uma dessas mentes vanguardistas, achou que a mesma coisa se repetindo, mesmo que fosse uma ordem dos deuses, podia ser feita de forma otimizada. Um homem que rola uma pedra montanha acima se cansa demais e fará a mesma amanhã terá, evidentemente, uma produtividade menor. Cansado de ver sempre a mesma cena, o homem chegou a Sísifo e perguntou há quanto tempo ele fazia aquilo. Há muito tempo, séculos, milênios. Sem sábado, domingo ou feriado perguntou o homem. Sísifo não sabia o que era isso. Apenas empurrava a pedra. Era castigo dos deuses e pronto. O homem se indignou diante daquilo. Com indevida vênia (que arrumou sabe-se lá como), dispensou Sísifo de empurrar sua pedra no dia seguinte.
- Vai pra casa e descansa. Vem depois de amanhã, ok?
Claro que, assim como Prometeu no alto da montanha e com o fígado semidevorado, mas que se regenerava sempre, Sísifo, como “feriado”, também não sabia o que era “casa”. Sua casa era o pé da montanha onde estava a pedra que ele rolava pra cima e para onde ela rolava após a tarefa. Mas, tudo bem. Acabou se convencendo que precisava mesmo de férias (que ele também não sabia o que era), nem que fosse de um dia. Deixou sua montanha e sua pedra para o homem que lá ficou.
Quando voltou tudo estava quase como havia deixado não fosse uma engenhoca, que também desconhecia.
- O que é isso? – perguntou Sísifo ao homem.
- Isso se chama catapulta. Vai facilitar seu trabalho sobremaneira.
Explicou como funcionava o aparato ali construído, fez demonstrações simuladas. Disse que Sísifo não precisava mais cansar os músculos. Mais que isso. Mandaria a pedra para o alto da montanha e teria a Eternidade toda para fazer o que quisesse. Nunca mais pedra e montanha. Nunca mais suor. Teria férias eternas. Viveria na Terra como os deuses no Olimpo. O castigo estava encerrado. A tecnologia o livraria dessa triste rotina sem sentido. Tentado pela facilidade da máquina e seduzido pela vida dos deuses na Terra prometida pelo homem, Sísifo seguiu as instruções e procedeu como fizera no simulacro.
Um desastre. A catapulta, tão imponente, tão engenhosa, não suportou o peso da pedra. Ruiu como se fosse de papel. Sísifo olhou para o homem que não entendia o que podia ter havido. Fez todos os cálculos meticulosamente, os testes feitos no dia de folga de Sísifo foram perfeitos. Não conseguia achar onde estava o erro.
A história acaba aqui. Sísifo continua rolando sua pedra do pé ao topo da montanha como sempre fez. Próximo dele, o homem reconstrói teimosamente a catapulta sempre atrás do erro que possa haver, mas não existe. Quando a pedra desce do alto da montanha, a catapulta está pronta. O homem pede a pedra rolada para fazer o teste de sua construção, que, igual ontem e igual amanhã, desmonta não suportando o peso da pedra. Tudo se repete eternamente.
Numa montanha próxima, o fígado de Prometeu está novamente refeito para servir de refeição às águias.

Francisco Libânio,
27/03/14, 8: 21 PM

1861 - Soneto de luz apagada

É no breu completo e irrestrito
Que ela resolveu ser a mulher
E se entregar com total prazer,
Por condição havia o requisito:

Vê-la nua de saída era proscrito.
Primeiro amor não precisava ver.
Quero ver se você vai me querer
Ou querer o que vê. Tal conflito

Foi vencido. Amamos no escuro,
Caiu dela o intransponível muro
E revelou-se para mim a surpresa:

Algo imprevisto que não obstou
O amor, só requintou esse show
Cheio de amor, cheio de destreza.

Francisco Libânio,
28/04/15, 9:28 AM

Sabedoria

Calar quando o silêncio fala
Ou ser uma voz solitária
Que atrevidamente estrala?

Francisco Libânio,
09/06/14, 10:41 PM

1860 - Soneto fechado

Não se admitirá aqui um conselho,
Uma dica, nada. Não meta a colher
Nesse soneto. Deixe-me o escrever.
Ouvir demais e eu me destrambelho.

O silêncio, então, é o maior aparelho
Para que flua o soneto e esse lazer,
De rimar, de experimentar, de torcer
E de, numa sacada, tirar um coelho

Da cartola é algo assim inenarrável!
Então, estar comigo e incomunicável
Não é antipatia, mas a necessidade

Breve para uma convivência intensa
Com o poema, mas não se dispensa
Um recreio para que se faça maldade.

Francisco Libânio,
27/04/15, 11:02 AM