sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O Urubu


Filho chegou com a notícia pra mãe. Tinha achado um bichinho de estimação. A simpatia meiga pela alegria pueril do filho acabou quando o bichinho entrou em casa. Era um urubu gordo, cabeça pelada, andando caindo. Um monstro. A mãe vetou os projetos do filho:

- Aqui não fica!

E não adiantou a argumentação embasada do menino, que já previra essa repentina antipatia pelo bichinho. Nem a lembrança de que na escola todo mundo tinha um bichinho de estimação. Quando não era um gato ou um cachorro, era um passarinho, um papagaio, um periquito, uma calopsita. Até o iguana do Danielzinho da sétima série foi arrolado como atenuante para o urubu. A mãe era inflexível. Restou ao menino a mais drástica das suas táticas: O choro. E aí, a mãe viu o quanto lhe faltou umas chineladas. E não seria o urubu testemunha nem causa delas. O bichão foi admitido na casa.

O pai quando viu aquilo se sentiu repugnado. No dia seguinte, Candinha se benzia cada vez que passava pela ave empoleirada (provisoriamente, dizia-se) no parapeito do apartamento. E o urubu terminou virando bicho de madame mesmo. Carniça? De jeito nenhum. Ainda que fosse a último, mas sempre havia um bife pra ele. Aos poucos, a família foi se afeiçoando àquela simpática ave necrófaga, que desde então nunca mais comera um cadáver em sua vida.

Um dia, o cachorrinho do casal do prédio da frente apareceu morto. As suspeitas logo apontaram para o urubu. Eram vizinhos de janela. O cachorrinho latia para o outro quando o via. Nada mais normal que a ave, cansada de tanta afronta em língua desconhecida, fosse às vias de fato. A reação correu como pólvora:

- Crucifiquemos o urubu do 407!

- Nossos filhos correm perigo!

- Ele também comeu o meu hamster.

Esse foi desmascarado. O bicho estava escondido debaixo do sofá e apareceu.

Mas o urubu estava numa enrascada acusado de um crime sem qualquer prova concreta. Pensou-se até num tribunal para o assassino. Com júri e tudo o mais. Chamaram até legista pra exumar o cadáver. Mas se cada louco tem sua mania e uns criam urubus, outros resolvem embalsamar cachorros. Pois é. O morto, tido como o filho mais novo da casa, não foi enterrado. Resolveram empalhá-lo pra colocar na sala de estar “Em memória de...” Só que o casal era famoso por sua mão fechada. A contratar um profissional sério do ramo da taxidermia preferiram pegar o primeiro que cobrasse o preço mais camarada. Não importava que ele nunca tivesse visto bicho empalhado nem em museu de história natural. Resultado: O filho mais novo fedia morto tanto quanto em vida. Como fizeram da casa da vítima o fórum do julgamento, o juiz escolhido suspendeu a sessão por completa insalubridade. Não ficou vivalma no apartamento do 409 do bloco B. Minto. Ficou uma. O cheiro pútrido despertou no réu, já acostumado às molezas de mascote de classe média, seus instintos mais selvagens. Daí, a família voltou pra salvar o que restava do cachorrinho. Encontraram o urubu morto. Causa-mortis: envenenamento. Parece que andaram dando umas balinhas suspeitas para o cachorro. Quem teria sido? Ele latia e parturbava tanto e fazia tanta sujeira que metade do condomínio teria motivos pra isso. O caso foi encerrado e nunca mais se falou nisso.


Francisco Libânio,

21/10/09, 1033 AM

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Das Aparências


Extraído de http://anotacoesdebolso.files.wordpress.com/2009/07/alma-vazia1.jpg

Pão bolorento dentro de bela viola,
O bonito que parece ter em si tudo
Cai no chão, se faz ao ar o conteúdo
Mesmo assim, ele ainda faz escola

Francisco Libânio,
22/10/09, 10:16 AM

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A alma das poesias é a mão do poeta


Extraído de http://amadeo.blog.com/repository/306019/2672386.jpg

A alma das poesias é a mão do poeta,
Mas o poeta, ao dar a elas uma vida,
Perde um pouco da sua. Uma vez lida,
A poesia prescinde dele e decreta

Sua existência autônoma e concreta.
Ela existe e toma sua a alma abstraída
De quem a escreveu para, em seguida,
Tornar sua existência válida e completa.

Assim quem a lê gosta dela e se inspira;
Se puder, cria uma, a filha dessa poesia,
Seguindo-se essa estranha genealogia.

O poeta, pai da primeira, não se admira
Com a filha que lhe roubou a alma em parte,
Mas cria outras e com elas se reparte.

Francisco Libânio,
21/10/09, 10:58 PM

terça-feira, 20 de outubro de 2009

As noites frias


Extraído de http://www.provasdeamor.com/fotos/mensagens/8C6E3.jpg

As noites frias são aquela coisa: Inspiradoras
Enquanto pedem um calor a dois, também
Podem ser tristes. Quer-se consigo um alguém
Para que passem melhor estas frias horas

E da janela eu vejo pernas que aparecem
Logo depois a dona, mulher de mechas loiras,
Mas cabelos negros, tranquilamente vem
Trazendo no olhar idéias das mais sedutoras

Vem como se eu a esperasse por convidada,
Está à minha porta, e – surpresa – não bate.
Para e fica ali me olhando totalmente parada.

Realmente são inspiradoras as noites frias...
Só elas pra me forjarem dama de tal quilate
Quando daria o mundo por tais companhias

Francisco Libânio,
20/10/09, 8:28 PM

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Quadras de esperança


Extraído de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgr8AwthPJmfL0w0Mmtz9-HsXDgGdLWs7-2kocQRGg6883DjPH33yPgdj5Guzje54u-nRuW2MlBMNKY8-RRvw9mimrKgBjDbizrZqhaJji-YJ_CAw8JGidgpNgIHZpITj7yfnnddpiwraQ/s400/deserto.jpg
Não que eu não seja de tudo descrente,
Minha crença tem o tamanho do meu dia
E meu dia encontra uma noite pela frente
E a noite apaga tudo. Assim onde havia

Um sonho há agora algo que não se fia
Na minha capacidade. Em minha mente
Apenas o que era. O futuro se desanuvia,
Um deserto manda que eu o enfrente.

Assim, num deserto, como posso acreditar
Que além dele virá algo que não é deserto?
Como imaginarei que há um algum lugar
Que não seja o que é igual ao que é perto?

Não sei como o farei, mas farei, isso é certo!
Um resto de esperança ainda haverá de brotar
E não sei por que, mas, vejo que neste deserto
Timidamente, a paisagem começa a mudar.

Francisco Libânio,
19/10/09,
7:16 PM

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dos professores


Extraído de http://populo.weblog.com.pt/arquivo/professor.jpg
Segundos pais, não. Sim, peças imprescindíveis
Para nosso futuro e exemplos para nossa qualidade
Seja com ensinamentos ou atos, são inesquecíveis
E tão ou mais valiosos quanto uma paternidade.

Francisco Libânio,
15/10/09. 10:51 PM

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Quadras de desejo


Extraído de http://camaraoculta.weblog.com.pt/arquivo/Desejo2.jpg


Vejo-te de espaldas contra a luz por trás de ti,
Teus contornos não são só teus. Eu os tenho
É isso que, com meus olhos neles, eu decidi
E para tanto, empregarei todo meu empenho

Por sorte, este trabalho não será tão ferrenho.
Queres também que eu tenha tudo o que vi
Tanto que lançaste mão deste teu engenho
E me carregaste e agora me tens todo teu aqui.

Depois de me tomar, trouxeste-me a tua casa,
Deitaste-me ao teu leito como se embalasse
Uma cria. Beijo, colo, uma bondade que arrasa
E eis que me fizeste teu como se num passe

De mágica. E ainda eu, como se conservasse
Algo de mim, de forma sem sentido de tão rasa
Digo que te tenho, mas ao ver agora tua face
Entrego-me teu por fiança meu corpo em brasa.

Francisco Libânio,
13/10/09. 1:33 PM

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Soneto a Nossa Senhora Aparecida


Manto azul, mãos prostradas em oração,
Foi achada num rio por três pescadores.
Adorada, ela foi intercessora de favores,
Atribuíram-lhe milagres, fez-se a devoção.

E agora, tu, ó mãe, padroeira da Nação,
Como farás para lidar com os detratores
Descrentes, violentos, vis e profanadores
Que te agridem, mas gozam em diversão

Do teu dia, o dia em que há mais fervor,
Mais fé e que te lembram como padroeira
Com devoção o crente e displicência o vil?

Eu, que não creio, aprendo apenas o amor
Teu, exemplo que pregas como a primeira
Santa, a mais amada e querida do Brasil.

Francisco Libânio,
12/10/09, 11:04 AM

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Soneto da rosa no jardim


Extraído de http://www.fotoplatforma.pl/foto_galeria/3084__DSCN0505.jpg

Vejo-te imperial e imperiosa. A atenção
Prende-se entre gerânios e violetas,
Entre margaridas, amigas desafetas,
E cravos desgostosos com a distinção

Dada ao rubro com o qual projetas
Tua majestade. Todos súditos são
No jardim e dele exalas inspiração
Para o deleite pleno dos poetas.

Mas qual os reis, teu reinado dura
Tempo e acaba e de não perdura
Nem a beleza. A terra herda o belo

Dos teus dias de ápice e fará a nina
À semente da tua vida, a que germina
O rubro alegrando o jardim em vê-la.

Francisco Libânio,
01/08/09, 1:30 AM

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Homem Tocando Violão


Extraído de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsw2Yyd6M_8OlX5rm4C1IzPphGR3ndDXrpTf9WlpAZid3JV8I0FEZQc43hRqnVZ9-DzpiB7Tm2VRpwjiRQlCHi5F-M1kY2P1wwSfX0f14Has9m31xBJ7ccSaX38CzXxaChicTe0MopzelJ/s320/MULHER+VIOL%C3%83%C6%92O.jpg

(Em cima de uma crônica de Vinícius)

O homem que toca um violão deita
Sobre as pernas uma mulher desejosa
De ser amada que, deitada, aceita
As mãos em sua barriga esbelta e airosa

O cós que sob as pernas repousa
Simula um ventre que ao outro se ajeita
Num encaixa e eis que se faz glosa
Pedindo ao homem uma cópula perfeita

E ele, que não é bobo e ama o esporte
De amar, tira do tal uma nota forte
Para dedilhar sobre ambos os assuntos,

Música e mulher, em sua amada
De madeira e cordas e ela, extasiada,
Leva-o ao clímax e se excitam juntos

Francisco Libânio,
02/08/09, 12:22 AM

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

As novatas


Não se questiona que todas mulheres são bonitas, sejam elas como forem. Há em todas alguma beleza e, mesmo que não se ache nelas aquela beleza física que instiga ou mesmo alicia os hormônios do homem, a simples possibilidade delas serem mães já as transforma numa beleza pujante.

Mas me remeto àquelas que são mais novas. Aquelas que ainda trazem um pouco do frescor infantil. Àquelas que, no alto dos seus dezessete anos, cheiram um pouco a leite materno ou mesmo a cuidados de mãe indo até as de vinte, que se preparam pra vida adulta já sabendo o que querem seja da vida, seja do homem. E todas nesse intervalo carregam ainda as recomendações de que moças sérias não fazem isso nem aquilo. Agora caberá à dona Consciência, recém dona das cabeças dessas moças decidirem quais ensinamentos aplicar ou não e como.

Vejo moças dessa idade perto do cursinho onde freqüento. Em algumas delas, dona Consciência deu aquele golpe a la 1964 e decretou o AI-5 contra todo mandamento materno. Intitulou-os caretice e resolveu guiar com mão de ferro e ideologia heterodoxa o país recém soberano chamado mulher. Em outras, a balada é outra. E essas ouvem as primeiras com aquele risinho envergonhado meio reprovando meio querendo ser igual. De uma forma ou de outra, elas, como países que vieram de adquirir sua soberania buscam seu espaço. Aliam-se às iguais, confrontam as diferentes, aprendem, apreendem. Algo muito engrandecedor pra todas.

De certa forma, elas me acompanham sem saber. Vejo-as no ônibus, na rua, nas calçadas, nas escolas. São mulheres que ou acabaram de ser mulheres ou ainda estão a caminho. E aí se vê uma certa insatisfação física, um desejo de querer ser como a moça do outdoor ou da revista. Mas elas ainda têm um ano ou dois para que a natureza termine a reforma. Se não vai ficar como a Juliana Paes ou outra qualquer é porque o projeto não era esse, afinal nem toda casa precisa ter duas suítes e garagem pra cinco carros. Uma quitinete bem arrumada, bem acabada e bem localizada também tem seu charme.

Não sei como elas me vêem. Talvez como um tio arredio que não fala (pra sorte de algumas) e que mais as observa. Confesso que ao vê-las, seja com suas bermudinhas curtas e pernas a mostra (porque elas querem exibir o que tem de bom) ou mais comportadas e conversando entre elas, não tenho o que falar. Não são do meu tempo, não vibramos na mesma sintonia. Prefiro ser observador com elas. Até porque muitas são excelentes visões. Mas as que rompem isso e se permitem a uma troca com pessoas mais velhas, a coisa flui muito melhor. E vejo que elas podem até ser novatas como mulheres, mas ensinam coisas muito boas.


Francisco Libânio,

01/10/09, 3:00 PM

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Do Hedonismo


Extraído de http://www.alternativephotography.com/artists/renata_ratajczyk/rr_bachus-b.jpg

Se o que eles querem é prazer, vinho e orgias,
Deixa-os. Quem sabe não estarão certos.
Se eles são – mesmo – nisso tudo grandes expertos,
Baco lhes cobrará o saber daqui alguns dias

Francisco Libânio,
23/09/09, 5:25 PM