quarta-feira, 30 de março de 2011

O Roçar dos Corpos


O roçar dos corpos é um diálogo ininteligível, mudo,
Não há como interpretá-lo nem há algum sentido,
Apenas há o atrito entre corpos quentes, o alarido
Rouco de peças que se buscam como num estudo

Prático. O roçar dos corpos é cheio de conteúdo,
É uma forma de conhecimento, um crime permitido,
Uma dança sensual em compasso lento, repetido
Que parece ser superficial, mas que abrange tudo

O roçar dos corpos é espécie de sexo sem sexo,
Os corpos se enroscam, se enodam num complexo
Trançado. Corpos e bocas se beijam num frenesi

Que leva o calor e o desejo de se possuir às alturas
E para que além de danças, os corpos façam loucuras
O roçar dos corpos cessa, vamos para o sexo em si.

Francisco Libânio,
25/02/11, 10:49 PM

terça-feira, 29 de março de 2011

Passava o mundo em todas as eras,


Passava o mundo em todas as eras,
Glaciações, dilúvios e civilizações;
O planeta em translações e rotações,
A vida em todas as formas, das feras

Às plantas, das caças às criações;
Homens e mulheres, ações sinceras
Heroísmos e vilanias em primaveras
Bem como nas outras estações

Tudo que passava, tudo que acontecia
Eu via num tempo além do infinito,
Olhos fechados, pensamento restrito

A tudo que se passava, primeiro,
Depois inebriado pelo teu cheiro
Ative-me à tua boca que me engolia.

Francisco Libânio,
29/03/11, 4:07 PM

segunda-feira, 28 de março de 2011

Foi sexo sem amor, apenas esporte


Foi sexo sem amor, apenas esporte
Primeiro foi gozo, depois deprimente,
Uma onda de desejo que era latente
Acabou em instinto numa refrega forte

Sem censuras ou pudores de sorte
Que nosso coito duraria eternamente
Não fosse a fala a calar de repente
Meu ímpeto, minha fome, minha corte,

Tinhas alcançado o êxtase e pronto!
Era o que querias e fim do confronto
Minha cama não teria mais teu calor

O sexo acabava, cessava teu apetite,
Azar se eu gostava. Era até aí teu limite,
Ápice do teu prazer, início do meu amor.

Francisco Libânio,
28/03/11, 9:03 AM

domingo, 27 de março de 2011

Um Ídolo


Futebol é alegria, paixão clubística é identidade, é questão de coração. Quem escolhe um time de futebol não troca, no máximo simpatiza com outro clube, mas quando sobra um tempo. Quem gosta de futebol, de verdade, torce pra um time, mas admira o futebol mesmo que venha dos adversários.
Caso deste que vos fala, que não é sãopaulino, nunca pensou em ser, torce pelo Santos, mas admira alguns jogadores que jamais passaram pela Vila Belmiro. Dentre eles, um merece especial referência: Rogério Ceni.
Rogério é daqueles jogadores que tem identidade com um time, no caso o São Paulo, clube em que joga profissionalmente por quase vinte anos e que, desde que assumiu o gol, mais do que um goleiro espetacular que lidera da meta várias formações, tornou-se um exímio cobrador de faltas. Com a ele, o São Paulo ganhou vários títulos de diversas relevâncias e, enquanto capitão, o homem ergueu as taças. Resultado, virou um emblema do time, ícone de uma fase vitoriosa e sinônimo de São Paulo para uma geração.
Mas, sem dúvida, o que marcou a história de Rogério Ceni foram seus gols. Artigo raríssimo no futebol, de um goleiro artilheiro só se sabia do paraguaio Chilavert, que encerrou a carreira com inacreditáveis 62 gols, algo jamais visto ou imaginado pelo torcedor. Um ídolo amado e odiado. Rogério, que seguiu carreira à aposentadoria do dito paraguaio e foi fazendo gols. Quando superou o precursor, o time do São Paulo fez festa ao seu arqueiro, que não parou por aí. Por faltas ou pênaltis, Rogério foi marcando gols e mais gols até chegar aos noventa e nove gols e se tornado mais e mais lenda. Faltava o centésimo gol, aquele que o consagraria eternamente no panteão dos inesquecíveis, momento digno de Pelé, que ao fazer o milésimo gol parou o estádio.
Pelé, às portas do gol mil, declarou que gostaria que ele acontecesse ou no Maracanã, então o maior estádio do mundo, ou no Corinthians, grande rival do Santos e vítima predileta do Rei. Como o Corinthians não veio pra festa, ela aconteceu contra o Vasco no Rio de Janeiro. Andrada entrou pra história pela porta dos fundos. Rogério, por questão de politicamente correto, nunca demonstrou ter uma vítima predileta, mas a torcida elegeu o Corinthians como tal, rival do Tricolor. E se o Corinthians escapou de entrar pra história como o alvo do melhor jogador de todos os tempos, o destino não deu essa segunda chance. Neste domingo, a partir de uma falta muito bem cobrada. Rogério anotou seu centésimo tento. A torcida sãopaulina adorou e a história registrou um capítulo memorável no livro deste grande clássico. Perguntado pelos jornalistas, Rogério foi diplomático e minimizou que o fato da vítima ser o Corinthians.
Menos pela torcida corintiana, Rogério sedimenta definitivamente a pecha de ídolo dos admiradores do bom futebol. Ele entra no círculo que engloba gente como o próprio Pelé, Romário, Zico, Ademir da Guia, gente que todo torcedor adoraria ver jogando pelo seu time. Jogadores cujo marco alcançado fica na história e quem viu contará às gerações. Rogério é um desses caras que sobrevive ao futebol e faz o esporte ser muito maior que mera paixão clubística. Há quem não entenda isso, infelizmente. Quem sabe, quando aprenderem a admirar o esporte, a esportividade sem perder o fator torcida. Lembrem-se, torcedores, tão logo, nenhum goleiro fará cem gols.

sábado, 26 de março de 2011

Soneto de Ausência


Quedo-me só a espera de teus beijos,
Beijos que sentirei se Deus quiser,
Beijos em que encontrarei prazer
Envolto por teus doces gracejos

Queria te amar em meus lampejos
De saudade como alguém que quer
Realizar-se em teu sabor de mulher
E poder me perder em teus traquejos

De amante. Mas com a cama vazia,
O lugar sem tua presença incomoda
E a todos meus quereres ele denoda

Ah, amar e fazer de ta forma toda,
Minha Vênus, é o sonho que extasia,
Hei de realizá-lo ao sempre um dia.

Francisco Libânio,
21/12/10, 10:35 AM

sexta-feira, 25 de março de 2011

Caso de aniversário


Dia de festa em família. Aniversário de seu Noca, o patriarca daquela casa e comemorado por todos os oito filhos, vinte e três netos e os primeiros bisnetos que já surgiam. Para abrilhantar ainda mais, coincidia de ser o primeiro aniversário do Luís Gustavo, que não tinha nada a ver com Noquinha, mas por nascer no mesmo dia em que o bisavô, ganhou o apelido. Assim, setenta e quatro anos e duas gerações separavam os aniversariantes. Seu Noca era um senhor muito lúcido e saudável e tinha apenas um pequeno problema de surdez. Nada que impedisse a festa nem o guaraná que corria a solta para as crianças e a brahma para os adultos.
Os pais de Noquinha, junto com o filho, eram os que menos se divertiam na festa. Tinham que ficar de olho no menino que, mal aprendera a andar, já queria começar a correr. E não podia, claro. Então carrega daqui, carrega dali, toma, que é sua vez e agora é você. O menino não podia se divertir como os outros. Não podia comer os brigadeiros nem os cachorros-quentes. Refrigerante pra ele era de golinho e, mesmo assim, super dosado. A mãe detestava, o pai, que era preocupado com a saúde do menino e mais ainda com os cuidados da esposa, apenas concordava. Ele era muito novo para exageros. Para piorar, não havia crianças da sua idade para brincar. O mais novo antes dele tinha seis anos e brincava com os outros de idade pareada. Não queriam saber de bebês. E daí que ele era o aniversariante? As mães brigavam com os meninos mais velhos, eles iam lá, faziam uns agradinhos e voltavam para o pega-pega entre eles e deixavam o pequenininho no colo dos pais.
Seu Noca curtia a festa mais pra não desagradar a família toda, mas não podia deixar de se perceber que se sentia deslocado. Claro que a conversa com os filhos e os amigos da família era boa. Seu Noca era orgulhoso da prole, todos criados, formados e encaminhados e saber as novidades do trabalho deles, as viagens, as gravidez de duas esposas dos netos, mas mesmo assim, faltava alguma coisa. Sua companheira de mais de meio século, dona Martinha, estava sempre ao lado do marido, acompanhava ele contar as histórias de anos e anos atrás. Os netos mais novos, aqueles que estavam chegando aos dez anos e os que começavam a adolescência ainda com um pé na infância adoravam ouvir os casos do avô. Certa forma, ele gostava dessa mitologia que criou para os netos. Eles ficavam vidrados em saber que o avô viu o Pelé jogar, viu vários gols do Garrincha, que viu na TV que o homem tinha chegado à Lua e, claro, que sobreviveu a uma revolução. Seu Noca era contrário ao regime militar, foi acusado de subversivo várias vezes, mas o máximo que levou foi uns tapões. Era peixe pequeno e não incomodava a milicada. Para os netos, ele era um herói.
Assim, a festa era divertida, mas seus protagonistas eram bons partícipes. Seu Noca e Noquinha cruzaram pouco. O patriarca preferia ficar com os adultos conversando e tomando sua coca-cola. O médico proibiu seu Noca de pôr álcool na boca. Já tinha tomado sua cota. Pegou o bisneto no colo quando os pais chegaram, bateu fotos, mas aos poucos, suas histórias foram deixadas pra lá. O menino ficou sendo carregado de colo em colo, batendo fotos com os convidados e, óbvio, não gostou. Chorou muito e foi preciso esforço para convencê-lo a ser mais simpático com o povo. E ensinar isso a uma criança de um ano não é fácil. A festa foi se desenrolando, seu Noca já estava ficando cansado e Noquinha começava a coçar os olhos de sono. Para os presentes, a festa estava tão ótima que se esqueceram de que era um aniversário. Perguntasse a qualquer um, diria que era uma reunião de domingo antecipada para o sábado. Quando alguém se lembrou de cantar o parabéns a você ouviu vários “espera um pouco”. Quando os assuntos mais importantes cessaram, cantaram, bateram palma, tiraram fotos. Finalmente, seu Noca estava liberado do compromisso. O filho mais velho levou os pais pra casa e os netos, pais do Noquinha, também foram embora. O menino não se agüentava em pé. Mesmo assim, a festa seguiu até a alta madrugada. E só foram se lembrar de levar os presentes embora no dia seguinte quando o povo do salão telefonou avisando.

Francisco Libânio,
03/03/11, 9:31 AM

quinta-feira, 24 de março de 2011

Ha-kai 03


Os piores trechos, difíceis de serem vencidos
São aqueles cuja distância nem é tão grande,
Mas que passam pelos corações partidos.

Francisco Libânio,
24/03/11, 8:35 PM

quarta-feira, 23 de março de 2011

Intenção


Se a proposta de quem ama é amar,
Que se ame, mas ame verdadeiramente
A ponto de que não haja mais lugar
Para que outro amor venha e sequer tente
Dispersar, dificultar ou interferir

Que a intenção de quem ama seja absoluta
E o sucesso do amante seja tal
Que o amar seja proposta única e resoluta.

Francisco Libânio,
23/03/11, 6:41 PM

A Segunda Morte de Cleópatra


Morreu Elizabeth Taylor, beleza única num tempo em que a beleza era um complemento, uma arma a mais, um tempo em que para ser atriz o talento contava um pouco mais que tudo. No caso de Liz, a o conjunto era um diferencial notável a seu favor, mas da mesma forma que não houve mulher como Gilda, como alguém disse, não haverá olhos como os de Liz. O violeta daqueles olhos é único, de uma beleza sem nome, um farol para abrilhantar ainda mais o esplendor de uma das atrizes mais fascinantes que o cinema já nos deu. E uma beleza que prescindia de botox, silicones, que nem imaginava a existência de photoshops ou retoques virtuais. Uma beleza que era por si só. Uma beleza que alguém lembrava depois das atuações e só enriqueciam mais os filmes em que Liz trabalhava. Uma beleza que se associou uma rainha a quem a história provou não ser tão bela assim e mesmo assim fala mais baixo que a fantasia.
Era mais difícil ser bonita. Mesmo naquela época. Ainda temos belezas, não se discute. Mas como aquela... Dificilmente.

Francisco Libânio,
23/03/11, 10:40 PM

terça-feira, 22 de março de 2011

Perdi minha poesia em teus olhos


Perdi minha poesia em teus olhos. Exagero?
De forma alguma. Ela tinha toda inspiração
Neles e vivia uma espécie doce de afeição
Em que encontrava neles forma de tempero,

Um jeito em que a poesia tinha a permissão
Estrita para brilhar. Hoje, com ela num zero
Absoluto de inspiração e brilho, só reverbero
Friamente o que ela era num vago diapasão.

Levaste-me poesia em teus olhos e tua boca,
Fechaste para cessar minha alegria em te ouvir
E foste embora e nunca mais a ótima troca

De olhares, de saberes e experiências belas,
Nunca mais aquela mulher que me fazia luzir
Levando coisas minhas, a poesia entre elas.

Francisco Libânio,
22/03/11, 8:28 PM

domingo, 20 de março de 2011

No quarto de motel


No quarto de motel, eu, ela e uma champanha,
Nada mais precisava. A cama, a hidromassagem
Eram apenas elementos a mais para a sanha,
Eram detalhes para o que seria nossa viagem

A boca que se abaixava e tinha para si ganha
Minha tara refletida na ereta haste à passagem
De suas mãos, de seus lábios e da entranha
Onde eu me fiz visita e dono de tal estalagem

Depois, o amor, que era candura virou chama
Incontrolável, mas e daí? Quem queria controle?
Que ela incendiasse e tomasse nossa cama

E tomou mesmo. Teu pecado me levou ao céu,
Tua fome foi saciada num beijo, num só gole
Para não mais esquecermos o quarto de motel.

Francisco Libânio,
20/03/11, 8:45 PM

sábado, 19 de março de 2011

Essas pessoas


Essas pessoas que reinterpretaram o amor
De uma forma peculiar, mas mais sincera
Tiveram do mundo duas reações, o horror
Por amar peculiarmente do que se espera

E depois do horror veio uma paúra austera
De que o peculiar virasse regra a sobrepor
O que é dado por normal. Se é o que impera
Por que é que o diferente deve ser maior?

E o mundo, então, cercou essas pessoas,
Impôs-lhes verdades, fatos e lições boas,
Que de boas nada tinham. Só imposição

As pessoas se abalaram? Que abalar nada!
Continuaram se amando de forma apaixonada
Ignorando o mundo que falava sem razão.

Francisco Libânio,
15/03/11, 9:40 PM

sexta-feira, 18 de março de 2011

No funeral


Tem pessoas que não sabem mesmo ser engraçadas ou são em horas nadas propícias. E não há momento menos oportuno para destilar gracinhas que um velório, certo? Pois, muito bem. No dia em que seu Miquéias, o patriarca daquela família se foi dessa para uma outra melhor, correu-se logo para ajeitar o velório do velho e correr a notícia para todos os filhos e netos que moravam fora da cidade. Dessa forma, da forma que se pôde, todos os que moravam fora correram para dar o último adeus ao seu Miquéias, um excelente pai, um amoroso avô, funcionário exemplar e grande amigo. E um grande copo também, enquanto pôde beber. Quando não pôde mais, o máximo era um tapa na caninha, o que não dava mais que duas doses por ano. Suas filhas mais velhas marcavam o pai que nem zagueiro botinudo sendo condescendentes apenas no último desejo, a dose derradeira de sua caninha predileta. Agora, seu Miquéias era um defunto satisfeito e seu semblante deixava isso claro.
Durante o velório, quem teve que chorar chorou, quem tinha uma história, boazinha que fosse, do velho Miquéias, contava. Muitas eram de domínio público da família, mas sempre tinha aquele parente distante que não lembrava ou o esposo da neta recém casada que sabia do seu Miquéias como fosse um grande mito, uma pessoa das que nascem uma em um milhão e se deliciava com as narrativas. A risadaria das histórias era sempre feita porta do salão fúnebre a fora, pois as filhas mais velhas do falecido não admitiam coisa que não fosse choro em torno do caixão. Metódicas, conservadoras, quase antiquadas, as duas senhoras eram rígidas. Quisesse rir do papai que fizesse longe da presença delas, o que explicava o salão vazio com um ou outro conversando com as tias ou os outros filhos contemplando o rosto plácido do pai.
Deu que um alvoroço tomou conta do lugar. De repente, chegou ao salão o Maurão, que trazia com ele uma senhora cinqüentenária, mas das que davam banho em muita gatinha. Maurão era um dos netos mais velhos do seu Miquéias, morava em Ponta Porã e, de propósito, não foi avisado do falecimento do avô uma vez que era um sujeito dos mais inconvenientes e desagradáveis. Suas tias se lembravam bem do velório da esposa do seu Miquéias, quando o Maurão chegou falando de como a avó estava feia no caixão, cara amarrotada, cabelos desgrenhados, parecia uma bruxa. Era um sujeito que nem mesmo os avós suportavam. Mas naquele dia danou a contar piada e, pior, eram tão boas que foi difícil manter a fleuma e não rir. Nem mesmo o recém viúvo Miquéias conseguiu segurar o riso. Daquele dia em diante, o Maurão era persona-non-grata na família e ninguém entendeu como ele soube do acontecido e conseguiu se descambar de lá até São Paulo. Importa que ele estava lá. A sua acompanhante, ninguém fazia ideia de quem fosse. Cumprimentou primos, tios e pais, que pediram a ele que se comportasse. Situação ridícula pedir isso a um marmanjo de quarenta e quatro anos. Cumprimentou as tias, que o receberam com frieza e advertiram que não estavam para gracinhas. Finalmente chegou ao caixão onde estava o velho avô. O medo era visível. A quietude reflexiva de Maurão era prenúncio de hecatombes escatológicas.
Maurão fitou o avô e a interessante senhora fez o mesmo. Conversavam baixo entre eles. A família cravou que era uma namorada nova que o Maurão achou, mas nem quis saber mais. A última mulher que ele apresentou à família era uma chave de cadeia. Deram algumas risadas entre eles, inadmissível segundo a tia que chegou já querendo briga:
- Tão achando que isso é o quê? Picadeiro de circo?
- Desculpa, dona Gina – respondeu a moça que parecia ter familiaridade com a estranha – mas é que o Mimi deixou pra gente uma cara tão boa, tão satisfeita que parece a que ele fazia quando a gente saía junto.
A resposta desconcertou a família toda. Quem era a distinta e suspeita estranha. Quando o Maurão disse que era um cacho que o avô tinha há uns trinta anos, a paulada foi frontal. As duas tias tiveram um ataque de nervos, dois tios tiveram náuseas; o tio caçula saiu correndo e a mãe do Maurão começou a chorar copiosamente e só parou quando o filho, às gargalhadas, disse que era brincadeira e conhecera a mulher em questão no ônibus e topou a pegadinha.
Serenados os ânimos, a família decidiu. O próximo velório de família que o Maurão iria seria o dele.

Francisco Libânio,
18/03/11, 8:09 PM

Dos reatamentos


Se é fato que cristal partido não se iguala
Ao que era antes mesmo depois de colado,
A taça colada e ainda bela, para não quebrá-la
De novo, é manuseada com mais cuidado.

Francisco Libânio,
18/03/11, 11:52 PM

quarta-feira, 16 de março de 2011

Cara Poesia


Confesso que me assustei com essa história do Ministério da Cultura liberar a bagatela de um milhão e trezentos mil reais para que a cantora Maria Bethânia criar o blogue “O Mundo Precisa de Poesia”. Nada contra o Ministério, que eu acho o mais importante e é um dos mais desvalorizados, nem contra Bethânia, a quem reputo como uma das maiores intérpretes da música brasileira, mas por que tanto?
É certo que esse dinheiro não vem do Ministério, mas de renúncia fiscal. Cessa-se então aquela conversa do “eu estou pagando por um blogue”. Não está. Também é certo que, enquanto assunto de Estado, e assim deve ser, é obrigação do Ministério da Cultura fomentar, estimular e, mesmo, subsidiar manifestações culturais. Um blogue de poesias recitadas pela Maria Bethânia é, sem dúvida, um bom investimento. Une-se um material riquíssimo, que é a poesia brasileira, com um nome de respeito que tem know-how no assunto. O Cronista recomenda a audição do disco Rosa dos Ventos, de 1971, em que a baiana arrebenta nas declamações de Fernando Pessoa.
Não sei quais poemas serão declamados. A ideia é que sejam 365, um para cada dia do ano. Overdose de Bethania fazendo o que sabe muito bem, muito bem vinda no que tange à beleza e ao bom gosto (é o que se espera), mas quando a coisa chega nos números, vê-se que não é tão bem-vinda assim.
Um milhão e trezentos mil reais é dinheiro que ergueria e manteria fácil escolas, conservatórios, bibliotecas ou teatros. É dinheiro que custearia um bom filme, talvez sobre a própria Bethânia, por que não? Sobre os filhos de dona Canô, que foi pródiga com a cultura brasileira, quem sabe? Mas... Um blogue? O dinheiro serve pra custear a produção dos tantos vídeos, que serão dirigidos pelo competente Andrucha Waddington. Certo. Um profissional caro e que vale o que se paga, mas tanto? Para uma turnê, a mesma Bethânia teve recusados 1,8 milhão de reais. Um blogue, por mais caprichado e bem trabalhado que seja não pode custar quase uma turnê com músicos, traslados e quetais.
O cronista segue fã da Bethânia, a quem admira até mais a declamadora que a cantora. Também ele espera que dos 365 vídeos que virão, boa parcela deles seja destinada a nomes novos da poesia brasileira para que não só um nome graúdo de nossa cultura seja beneficiado, mas vários indiretamente. Que a dinheirama seja utilizada de forma inteligente e seja fiscalizada rigorosamente sem protecionismos a pistolões, afinal, se o mundo precisa de poesia – e precisa mesmo –, também precisa de bons exemplos de uso consciente de dinheiro repassado por órgãos públicos, ainda mais esse país de grandes poetas, grandes artistas e grandes desperdícios em nome das mais respeitáveis causas. Inclusive da Cultura.

Francisco Libânio,
16/03/11, 11:47 AM

Um cantor


Um pobre cantor de recursos limitados
E limitada plateia, as paredes apenas
Cantava a elas suas operetas e cenas
E seus hinos sem brilho ovacionados

Por ele mesmo em ecos espalhados
Que achou que se saísse das pequenas
Plateias mudas encantaria dezenas,
Milhares de fãs seriam por ele saciados

Reservou teatro, noite inesquecível,
Cantou, não agradou. Ele era horrível,
Foi escorraçado a pedras e pauladas,

Aprendeu: Era cantor pra ele somente,
Seus ecos inflaram o ego enormemente
Esvaziado por pessoas sinceras e indignadas.

Francisco Libânio,
16/03/11, 1:38 AM

terça-feira, 15 de março de 2011

Para quem escreve


A necessidade de um assunto é tão premente,
Tão prioritária que quem escreve e não cura
De escolher sobre o que é escrito e só procura
Assunto para encher a página e, finalmente,

Dizer que escreveu não merece receber lisura
Do leitor. Quem escreve precisa ter em mente
Que o bom escrito vem de uma lapidação dura
E que a bisca do assunto é parte do batente,

É encontrar o diamante que será cristalizado,
É poli-lo com a dureza grata de quem educa,
É arrematá-lo deixando puro e bem acabado

Qual diamante deve ser o texto ao fim escrito,
Com ideia labutada e um quê que ainda retruca
Perfeição crendo que poderia ser mais bonito.

Francisco Libânio,
15/03/11, 12:30 AM

segunda-feira, 14 de março de 2011

O Dia da Poesia


Não que eu ache certo esse negócio de dia da poesia. No meu entender, poesia, mãe, pai, criança, tudo não pode ter um dia só, mas todos. Mas já que hoje é dado o Dia da Poesia, este eterno aprendiz de poeta, não podia se furtar de dar algumas palavras. O dia catorze de março foi eleito como tal por ser aniversário de Castro Alves, um dos grandes nomes da poesia brasileira e expoente máximo do romantismo chamado “condoreiro”. A poesia de Alves é grandiloquente e nasceu pra ser declamada às praças, às multidões. O poeta foi bem escolhido para representar a poesia brasileira. Podia ser outro, a discussão se abre, mas temos o consenso de hoje como dia oficial da poesia.
O que não quer dizer, claro, que só por hoje é que se deva tomar um livro de poesia e ler, pesquisar na Internet qualquer verso para recitar, inventar um sarau especialíssimo em homenagem ao dia. Poesia, bem como literatura, faz bem ao espírito. Se há quem diga que apenas poesia é literatura fiada, coisa de pouco valor, digo que ela é a porta de entrada para a literatura mais sisuda. Não há quem na vida não tivesse recitado, ao menos um versinho.
Por essas, fica o conselho de que se celebre o Dia da Poesia com um versinho que seja, um batatinha-quando-nasce como este que escreve já ouviu por aí, mas que seja um começo. Recite sua batatinha, mas procure algo mais. Quando encontrar algum autor que lhe apeteça, leia outro verso do mesmo e mais outro. Conhecida alguma coisa da obra, apresente-a a um amigo, confronte, sugira, aceite sugestões. Encha a alma de poesia e poderá dizer que o Dia da Poesia fez brotar em si um leitor, artigo raro, e um admirador, outro tão caro aos poetas. Aí, o dia terá valido a pena.

Francisco Libânio,
14/03/11, 4;55 PM

01 - 14-03-11 - Não me impressiona mais tanta desfaçatez


Não me impressiona mais tanta desfaçatez,
Tanta hipocrisia, quem se faz de indignado
Parece tudo um jogo, um circo já armado,
Todos esperando a pouca vergonha da vez

Quando não é a novela, é o vizinho do lado,
Quando não é nenhum deles é alguém que fez
O que não devia, é a imoralidade da nudez,
É o mundo que está perdido de tão errado

Mas ninguém desse povo todo que só fala
Faz o que mude. A vida alheia é tão importante
E o miúdo é tão incômodo que ninguém,

Às coisas grandes, se dói. Se existe quem
Não coma ou viva mal é apartado o bastante
Para não cortar a indignação seletiva na sala.

Francisco Libânio,
14/03/11, 10:15 AM

sábado, 12 de março de 2011

Sabedoria


Cinge-se de ideia, teses e convicções
A mente culta e aberta ao academicismo
Às vezes reveste-se de um tal esoterismo,
Às vezes não se subjuga a reflexões,

Às vezes não se envergonha do cinismo
Que usa quando frente a ferozes leões
Nem da inutilidade de algumas discussões
Nem do extenso e auto-imposto abismo,

Abismo no qual se separa dos demais
Por orgulho, vaidade, vício ou qualquer
Outra causa que a faz separar e sofrer

E este é o grande mal que este poeta faz
Quase sempre se isolando em alegria,
Mas triste crendo ter sem ter sabedoria.

Francisco Libânio,
21/08/10, 1:28 PM

sexta-feira, 11 de março de 2011

A terra treme, o chão de lá balança,


A terra treme, o chão de lá balança,
Os edifícios bailam flácidos na altura,
Enquanto as pontes em sua estrutura
Também entram nessa triste dança

A multidão corre assustada, se lança
Atrás de salvação ou então à procura
De notícia da família, estará segura
Diante deste apocalipse que avança

Terra adentro e que alimenta a revolta
Do mar vizinho que, impiedoso, solta
Ondas. O que será isso? Ira divina?

Não, apenas um manifesto da natureza,
Como é natural ser solidário na dureza
E pedir pelos que enfrentam essa sina.

Francisco Libânio,
11/03/11, 10:35 AM

quinta-feira, 10 de março de 2011

Hai-kai 02


Escrever de amor seria coisa propícia
Se o amor me escrevesse
Ou, ao menos desse notícia.

Francisco Libânio,
10/03/11,
8:40 PM

quarta-feira, 9 de março de 2011

Tua Imperfeição


Tua imperfeição em não ser a grande musa,
A que os homens desejam beijar e comer,
A deusa por quem se quer matar ou morrer
Apenas acende e torna ainda mais difusa

A chama que brilha crispando de querer.
Santa seja essa contínua e total recusa
Dos homens em te amar, despir a blusa
E se arriar às tuas pernas pelo prazer

Que o sabor de tua fonte seja estranho
Aos amigos da perfeição, do acabamento
Eles nem imaginam o quanto eu ganho

Quando estou em ti em concupiscência
A fartar meu corpo de contentamento
Enquanto eles buscam mera aparência.

Francisco Libânio,
09/03/11, 2:30 PM

Crônica da Quarta-Feira de Cinzas


A todos esses que criticam o Carnaval, que o tomam como um retrocesso de quatro dias no ano do brasileiro, que insistem em confrontar a alegria fugaz que reina nesse breve interregno à sisudez que impera no Norte (e só em parte dele, diga-se), o que dizer? Como demover uma ideia cheia de tristeza agora que os foliões estão cansados de tanta festa e com a alma lavada podem retomar os mais ou menos trezentos dias de ano que sobram? E mais: Será que vale a pena tentar convencê-los?
Acabou nosso carnaval? Sim, infelizmente. Afinal tudo que é bom dura pouco, não é? Ninguém ouve cantar canções nem passa mais brincando feliz? As canções estão aí, apenas tiraram as Cinzas para descansar. Brincadeira também tem, mas agora com hora, como tudo deve ser.
É triste ver que haja quem condene tão duramente o carnaval tachando-o de forma tão jocosa, tão explícita. O carnaval é parte de uma brasilidade que merece, sim, ser exaltada. E daí que não é genuinamente nacional? E daí que ele foi transformado, coisificado, enlatado e vendido a ações nas Bolsas de Valores. Sua essência não deixou de existir. Ainda há muitos carnavais dentro de um só. Quanta alegria foi derramada nas avenidas, nos blocos, nos trios. É justo chamar isso de atraso? De retrocesso? O Brasil para, sim. Mas anda parado atrás daquilo que mais tem de seu, que é sua identidade, de sua multiface que o faz ser Brasil no mundo, da mesma forma que tantos elementos fazem os outros serem outros e cada um ser cada um.
É triste ver que enquanto um cordão passa pela rua a brincar, a expurgar de si tudo aquilo que entristece, que oprime, alguém condene isso. Virou crime ser feliz agora? Ou é crime essa forma explosiva, sonora, colorida de ser feliz? Não sei. Talvez seja melhor mesmo ficar se remoendo em seu mundo particular juntando metais para juntar mais e mais zeros à direita. Quem sabe seja mais prazeroso passar todos os dias do ano metido num terno e gravata com celular a tiracolo criando e buscando metas. Às vezes é divertido cultivar uma úlcera ou ter um ataque nervoso porque nada disso foi atingido. Pode ser que morrer de velhice antes dos setenta enfurnado em rabugice sem ter um sorriso para se lembrar seja uma onda legal. Não sei. Quem sabe os que não sejam brasileiros ou aqueles que estejam ocupados demais para jogar uma serpentina que seja tenham explicações plausíveis sobre a felicidade além das críticas ferrenhas. Quem sabe.
Claro que o Carnaval não pode nem nunca vai agradar a todos. Que Momo jamais baixe um decreto obrigando a felicidade forçada, o que já não seria felicidade, durante seu breve reinado. Mas que a oposição ao monarca da alegria se reúna com todo o direito que tem a curtir sua folia em escritórios, corporações, templos ou mesmo em casa e o faça sem condenações, sem ataques e que todos nos vejamos na quarta-feira de cinzas cansados de tanta alegria, mas de espírito cheio ou felizes com seus amealhos dos quatro dias e que o ano comece, já que sempre se diz que é agora que ele começa, feliz para todos. Sem julgamentos, sem preconceitos e com muita paz, da forma que for.

Francisco Libânio,
09/03/11, 10:53 PM

terça-feira, 8 de março de 2011

E a fragilidade?


Todo dia oito de março, imprensa, marketing, mídia em geral, derramam-se em elogios ao Dia Internacional da Mulher, data de relevância histórica, mas que, como toda data, ficou meio datada – com o perdão do pleonasmo. E como tudo o que é datado, o dia é marcado por clichês, pelo Sexo Frágil que de frágil não tem nada, relembra-se de mulheres que são acuadas em regimes mais fechados, de heroínas que vencem esses regimes, das que estão presas pelos mesmos, da dona de casa, da mulher independente, enfim... De todas as mulheres que pelo prosaico ou pelo excepcional se tornaram personagens.
Com tanta coisa sendo veiculada por aí, fica difícil para o Cronista escrever algo que saia do lugar comum. Quando ele se traveste de poeta, fica mais fácil usar do lirismo para exaltar a beleza, a força, a doçura. Este Cronista, poeta em horas mais inspiradas e contista em lampejos esporádicos, poderia usar de várias formas para contribuir para o dia simbólico das mulheres.
Simbólico porque toda data é simbólica. Não há dia que não seja da mulher. Não há momento que a mulher não seja mulher, não seja mãe, não seja esposa. Logo que acorda, as primeiras preocupações, o filho precisa ir pra escola, o marido precisa ir trabalhar. Eu preciso ir trabalhar. Mas esse cabedal de preocupações cabe às casadas que tenham filhos. Às solteiras, a coisa é tão complicada quanto. O trabalho, as contas, o cobertor curto do dinheiro e tantos pés para serem cobertos. Desde isso até mesmo a outras questões menos importantes para a sociedade e o mundo, o que almoçar? Um sapato novo, comprar ou não... Pode parecer coisa pequena, mas para a mulher, beleza é fundamental. Não para seu namorado ou seu marido, mas para si mesma.
Mas é legal ver que o mundo anda evoluindo, mesmo que alguns lugares e pessoas tomem sentido contrário. Temos uma presidenta (termo que devia ser, mais que aceito, coercitivo. Presidente é só homem), uma juíza na Corte Suprema, governadoras, senadoras, algo impensável há um tanto de décadas. E dar esse direito à mulher não é questão, simplesmente, de evolução. É tornar-se humano, justo, consciente. Valorizar a mulher não é falar de sua roupa, como muitas exigem, do que muitas se enojam. Valorizar a mulher é dar a ela a real dimensão de sua importância na vida de uma pessoa, seja essa pessoa um homem ou, mesmo, uma mulher. Valorizar uma mulher é valorizar a si mesmo. Nunca se deve esquecer que só existimos porque uma mulher nos permitiu isso. Claro, essa regra não se aplica ao velho Adão, que não tinha umbigo, não tinha sogra, mas devia se sentir um filho de chocadeira e precisou de alguém para combater sua solidão. Para tanto, segundo os livros, Deus fez uma mulher.
A grande questão que fica nisso tudo é: E a fragilidade? O Cronista procura na história e na natureza o diacho dessa fragilidade feminina. Fragilidade que tomba quando a mulher vai ser mãe, cede – em qualquer espécie – quando se trata de defender a prole gerada via dor. Claro, porque os homens, os machos defendem o todo, as mulheres por uma questão de conveniência, um dever. As mulheres defendem os filhos porque são, antes de tudo, parte delas. E a fragilidade? Simplesmente não existe porque toda mulher se refaz muito mais fácil de qualquer golpe. Coisa que os homens enganam bem, mas não superam.
E fica essa crônica como breve homenagem do Cronista, que pescou ideias aqui e ali para fugir do óbvio sem conseguir. A homenagem às mulheres, a intenção é maior que as palavras. Quer homenagear todas as mulheres? Celebre a sua.

Francisco Libânio,
08/03/11, 11:18 AM

segunda-feira, 7 de março de 2011

GRES Unidos do Caixão


Este cronista não é fã de carnaval, não torce pra nenhuma escola de samba – embora simpatize com a Mangueira, a Portela e o Salgueiro, mas não vibra desesperadamente por nenhuma –, não sabe o que significa evolução no contexto carnavalesco, mas gosta de assistir aos desfiles pela televisão. É um festival de cores e de criatividade que encanta. Perdeu muito do encanto inocente de outros tempos, é verdade, mas se tornou apenas um produto do seu tempo, como tudo o que nos cerca.
Mas no Carnaval desse 2011 em que funks pululam, melozinhas grudentas espreitam incautos que se vêem cantando por osmose, os desfiles têm sido interessantes e menos empestados de seios gratuitamente nus ainda que infestado de próteses de silicones, outro produto do tempo em que vivemos. Paciência.
Assim, nessa madrugada, assisti ao desfile da atual campeã, a Unidos da Tijuca cujo carnavalesco, Paulo Barros, tem seu trabalho muito elogiado e é posto à frente dos outros. Não sei diferenciar trabalhos destes profissionais, mas gostei do que vi. Digno de todos os elogios com todos os efeitos, os carros, o tema, tudo. Na minha ignorância dentro do assunto, minhas notas seriam dez a dez, começo ao fim.
No entanto, o que mais gostei foi a homenagem que a escola fez ao cineasta José Mojica Marins, o famoso Zé do Caixão. O jornalista André Barcinski falou bem sobre o homem, que para muitos se funde com o personagem. Mojica é cineasta e Zé do Caixão sua criação. Algo como Charles Chaplin e Carlitos. A diferença é que Mojica flertou com o suspense, o terror, o sangue, o medo. Medo que foi tema da Unidos da Tijuca que, por sua vez, resolveu homenagear o cinema nacional com menção especial a Mojica.
E juntar o colorido do Carnaval com o negro que povoa os filmes de Mojica, tão longes da alegria que a festa propicia, de forma tão coesa e coerente como Paulo Barros fez essa noite soou sensacional. Por trabalhar com um filão pouco simpático ao grande público, ainda mais ao brasileiro, Mojica sempre ficou à margem quando o assunto é cinema nacional restando a ele o trash, o paralelo, o alternativo, o underground. Nada disso afetou o cineasta, coerente com seu trabalho, que foi melhor reconhecido fora do Brasil e, mais tarde, visto com alguma reverência, mas ainda muita desconfiança por aqui. A homenagem que ganhou da Tijuca hoje é merecida. Mojica é tão grande cineasta quanto Babenco, Meirelles ou Walter Salles com uma diferença: Diferente deles, não recebe verbas polpudas, públicas ou privadas, e mesmo assim, no peito, leva a um público fiel um trabalho de respeito. Fez muito bem a Unidos da Tijuca.

Francisco Libânio,
07/03/11, 7:18 PM

Amor de carnaval


Foi a reunião de todas as alegrias,
Os blocos a brindar o acontecimento,
Nosso encontro, o contentamento,
O beijo prenunciando que serias

A mulher da minha vida, o alento
Da minha vida por todos os dias,
Enquanto o bloco bailava às vias
Eu contemplava meu complemento,

Esta mulher maravilhosa, foliona,
Uma amante à noite e brincalhona
Ao dia marcou naquele carnaval

Mas, como tudo tem seu fim, afinal
Ela também teve. Sumiu sorrateira
Sepultando o amor na quarta-feira.

Francisco Libânio,
07/03/11, 10:11 AM

domingo, 6 de março de 2011

Saindo do túmulo


Vinicius de Morares, que era um poeta genial, um letrista sensacional e que, enquanto tal, nos legou sambas e poesias ligados a ao estilo, cometeu certa vez uma daquelas bobagens que até mesmo os gênios cometem enquanto humanos que são. Ao falar sobre São Paulo, definiu a cidade como o “túmulo do samba”. Declaração infeliz que não diminui o Poetinha, mas que até hoje criou certa desafeição por ele por este lado. Mesmo em vida, Vinicius lutou pra se redimir da frase que o perseguiu, inclusive se desmentindo com uma bela composição com Adoniram Barbosa, Bom Dia Tristeza.
Adoniram não é o único argumento que contradiz Vinicius. Sambista italiano de qualidade que difere dos sambistas dos morros do Rio, mas não o desqualifica. Outro que desmente Vinicius é Paulo Vanzolini. Seu clássico Ronda é uma das letras que, segundo pesquisa, melhor representa São Paulo. Uma outra que simboliza São Paulo, escolhida na mesma pesquisa, é Trem das Onze, composição de Adoniram e imortalizada pelo grupo Demônios da Garoa, terceiro item que mostra o quão Vinicius errou em sua afirmação.
Infelizmente, Vinicius não viveu o bastante para ver o que enterra sua colocação de vez no túmulo das bobagens, o carnaval paulistano. Se, nos tempos de Vinicius, o Carnaval na Pauliceia era relegado a um plano menor sendo eclipsado pelo sempre majestoso desfile do Rio, os anos trataram de fazê-lo evoluir a ponto de, primeiro, lembrar e, depois, rivalizar com a Sapucaí. O que fez o Carnaval em São Paulo atingir tal patamar? Dinheiro para importar know-how carioca vão dizer os detratores. Não estão totalmente errados, mas é fato que o intercâmbio fez bem para as duas pontas da Dutra.
Se o Carnaval carioca ainda é referência e ganha a preferência dos turistas e da mídia (afinal Carnaval e Rio são quase substantivo composto), o de São Paulo deixou de ser patinho feio há muito tempo. Tem sambas-enredo tão bons quanto os do Rio, tem vibração e energia tão contagiantes quanto. Por outro lado, os desfiles no Rio tem se tornado mais sóbrios sem deixar de ser empolgante e sedutor.
Não sou uma pessoa tem um cabedal enciclopédico de informações sobre escolas de samba, desfiles, temas, mas se já aconteceu, merecia um repeteco. Se não aconteceu, seria de muito bom tom que qualquer escola de São Paulo dedicasse um desfile para louvar Vinicius de Moraes, esse sambista de alma e ofício e fazer as pazes definitivas. De onde estiver e encantado com a beleza que a cada ano povoa o Anhembi, o Poetinha aplaudiria de pé e lavaria a boca de vez.

Francisco Libânio,
06/03/11, 12:03 PM

sábado, 5 de março de 2011

Ao telefone


Ao telefone, ela dizia “Te amo” enquanto
Com a outra mão coçava a si com prazer
Um suspiro, sua voz falta e ela a gemer
E o desejo e a exclamação “Te quero tanto!”

Do outro lado, o outro a se satisfazer,
A mão se entusiasma ouvindo o canto
Sibilante: Te amo! Roça-se e eis o espanto,
O jorro da fonte pela perna a escorrer

Enquanto ela, num exemplo de sincronismo,
Solta de si igual mel tão caudaloso
Fazendo em ambos lados sonoro cataclismo

O telefonema acaba. Frisa-se o enfoque
De treino. O par deixa-se desejoso
Do dia seguinte com o cheiro e o toque.

Francisco Libânio
07/08/10. 12:01 AM

sexta-feira, 4 de março de 2011

O Rolex


- Senhor, senhor! – alguém chamou outro alguém, transeunte preocupado com sua vida e despreocupado de outras coisas, de lado.
- Que é? – respondeu como se não quisesse perder tempo. Tinha muita coisa a fazer e não podia parar e incomodar o fluxo na Praça da Sé assim impunemente e à toa.
- O senhor está interessado num Rolex novinho, original, zero bala, esse aqui, ó? Presente.
E era original mesmo. Novinho mesmo, virgem. O outro ficou cismado:
- Tá louco, rapaz? Não aceito presente de estranhos. Cai fora!
- Pois se a estranheza é o problema, não seja por isso. Eu me chamo José Maria dos Reis. Aqui meu RG e carteira de trabalho pro senhor conferir que eu falo a verdade. Viu só? Não somos mais estranhos. E eu sei que o senhor se chama José Silva. Olhaí, somos xarás.
Maldito crachá. Por que inventou de por ao sair de casa? Agora seu nome não seria mistério pra ninguém. Nem pra um sujeito que para na rua e oferece um Rolex. Tirou o corpo fora:
- Se o senhor me dá licença, eu estou atrasado pro trabalho, tá? Não quero seu Rolex.
- Amigo, não faz uma desfeita dessas comigo, não. Tô te dando de coração.
- Escute aqui. Eu nunca lhe vi na vida, o senhor nunca me viu mais gordo e agora vem com essa de querer me dar Rolex? Que palhaçada é essa?
- Palhaçada, chefia? Pode ver. É produto de primeira. Importado da Suíça, doutor. Coisa de elite.
- Tão coisa de elite que pra ser tudo isso deve ser roubado, né? Cadê um guarda?
- Assim o senhor me ofende, doutor! Se o senhor quer saber, eu comprei esse Rolex, tá legal? Com dinheiro ganho com o suor do meu rosto, ok? Tá aqui a nota fiscal se o senhor ainda duvida de mim.
A nota conferia com o produto. O relógio estava com tudo nos conformes. O abordado estava passado. Tudo certo, mas algo estava errado. Quem oferece um Rolex assim na rua pro primeiro que passa? Enquanto se metia em questões, o outro desafiou:
- Tô vendo que o senhor ainda não acredita. Tá aí com cara de desconfiado. Quer saber de uma coisa? Acabei de comprar esse troço por uma baba naquela loja ali ó. – e apontou – Vai lá perguntar. É meu há apenas dez minutos, mas me arrependi. Não quero mais.
O Silva foi à loja, abordou um vendedor, apontou o outro plantado na porta da loja, contou toda a história e ouviu a resposta que menos esperava:
- É realmente surpreendente senhor. Alguém dar um relógio desses de mão beijada, o mais caro do mostruário. Mas eu me lembro desse homem. Eu mesmo fiz a venda. Ele viu uns cinco, seis e escolheu esse. Eu disse que era o mais caro e ele disse que isso não era problema, que queria um Rolex não importasse o preço. E agora quer repassar? Estranho mesmo, mas não há nenhum problema com o produto.
Voltou para o outro que o encarava com um olhar triunfante, um “tá vendo?” doido pra sair da boca. Não tinha o que dizer, o que questionar. O relógio era original e sua procedência a mais honesta e correta possível. Tentou a última cartada:
- Fala pra mim, você é traficante de drogas, né? Pode falar, fica entre a gente.
- O senhor tirou mesmo o dia pra me insultar, só pode! Eu trabalho numa lanchonete na Liberdade. Sou chapeiro. Ganho o meu na labuta. Coisa é que eu nunca quis nada de luxo na vida. Nunca quis carro bom, roupa boa, mas quando vi um Rolex na TV – e eu tinha dezessete anos – eu prometi pra mim mesmo que não ia morrer sem ter um. Juntei dinheiro a vida toda pra realizar meu sonho. Hoje eu tô com trinta e sete e consegui juntar a grana. Comprei... Mas aí pensei “Tá, comprei, mas não gostei. Não era o que eu esperava.” Em vez de jogar no lixo, resolvi dar de presente. Alguém vai ser feliz com o que devia me fazer feliz e não fez. Aí o senhor apareceu, fui com sua cara e aqui estamos.
O outro pegou o relógio. Não podia aceitar. Propôs-se pagar, pelo menos, uma parte do valor. O dono do Rolex desconjurou:
- O senhor está louco? Não quero um centavo por ele. A questão não é grana. É meu prazer em satisfazer como fui satisfeito.
Sem acordo. Um queria pagar e o outro não queria receber. Jogou-se o Rolex num bueiro. Algum rio ia herdá-lo. Despediram-se e nunca mais falaram sobre isso.

Francisco Libânio,
03/03/11, 10:23 AM

quinta-feira, 3 de março de 2011

Passados


O que foi em nossas vidas um dia
Poderá ser de novo? Talvez...
Se as semanas se repetem todo mês,
Porque algo que foi não poderia?

Francisco Libânio,
03/03/11, 7:20 PM

quarta-feira, 2 de março de 2011

O futuro podia ter alguns elementos do passado


O futuro podia ter alguns elementos do passado,
Ensinamentos que cimentassem os caminhos,
Experiências que, tal quais os melhores vinhos,
Seu sabor se aprimora com o tempo guardado

Os anos, claro, trazem com eles agudos espinhos,
Dão a experimentar tonéis de gosto estragado,
Mas eles o fazem porque acham de bom grado
Que o amaro ensine, assim, a evitar descaminhos

Mas nem tudo dos anos é ruim, triste e amargo,
Mesmo o que for ainda servirá de desencargo
Para outras coisas iguais que vierem adiante

E o que o futuro tome alguns desses elementos,
Que passaram, bons ou ruins e faça momentos
Novos, para se viver outra vez o acerto lá faltante.

Francisco Libânio,
02/03/11, 5:38 PM

terça-feira, 1 de março de 2011

Poesia na auto-intimidade


Nos meus momentos de auto-intimidade,
O que fazer? Escrever? Parece boa ideia,
Mas o que escrever? Eis uma epopeia
A se enfrentar. A inspiração se evade,

A poesia parece minguar ante o acontecido,
Mas não posso permitir isso. Eu quero
Esta poesia no papel. Vem o desespero
Quando o próximo verso parece perdido,

Mas não será. Não deixarei que ele se vá
Sem que eu o registre. Eu estou sozinho
E não vou ser vencido por quem oporá

Forças para não ser vencido e escrito
Mas sou mais forte. Domo o verso, alinho
Rimas. Ele tem força, mas eu o dito.

Francisco Libânio,
01/03/11, 7:24 PM