quarta-feira, 16 de março de 2011

Cara Poesia


Confesso que me assustei com essa história do Ministério da Cultura liberar a bagatela de um milhão e trezentos mil reais para que a cantora Maria Bethânia criar o blogue “O Mundo Precisa de Poesia”. Nada contra o Ministério, que eu acho o mais importante e é um dos mais desvalorizados, nem contra Bethânia, a quem reputo como uma das maiores intérpretes da música brasileira, mas por que tanto?
É certo que esse dinheiro não vem do Ministério, mas de renúncia fiscal. Cessa-se então aquela conversa do “eu estou pagando por um blogue”. Não está. Também é certo que, enquanto assunto de Estado, e assim deve ser, é obrigação do Ministério da Cultura fomentar, estimular e, mesmo, subsidiar manifestações culturais. Um blogue de poesias recitadas pela Maria Bethânia é, sem dúvida, um bom investimento. Une-se um material riquíssimo, que é a poesia brasileira, com um nome de respeito que tem know-how no assunto. O Cronista recomenda a audição do disco Rosa dos Ventos, de 1971, em que a baiana arrebenta nas declamações de Fernando Pessoa.
Não sei quais poemas serão declamados. A ideia é que sejam 365, um para cada dia do ano. Overdose de Bethania fazendo o que sabe muito bem, muito bem vinda no que tange à beleza e ao bom gosto (é o que se espera), mas quando a coisa chega nos números, vê-se que não é tão bem-vinda assim.
Um milhão e trezentos mil reais é dinheiro que ergueria e manteria fácil escolas, conservatórios, bibliotecas ou teatros. É dinheiro que custearia um bom filme, talvez sobre a própria Bethânia, por que não? Sobre os filhos de dona Canô, que foi pródiga com a cultura brasileira, quem sabe? Mas... Um blogue? O dinheiro serve pra custear a produção dos tantos vídeos, que serão dirigidos pelo competente Andrucha Waddington. Certo. Um profissional caro e que vale o que se paga, mas tanto? Para uma turnê, a mesma Bethânia teve recusados 1,8 milhão de reais. Um blogue, por mais caprichado e bem trabalhado que seja não pode custar quase uma turnê com músicos, traslados e quetais.
O cronista segue fã da Bethânia, a quem admira até mais a declamadora que a cantora. Também ele espera que dos 365 vídeos que virão, boa parcela deles seja destinada a nomes novos da poesia brasileira para que não só um nome graúdo de nossa cultura seja beneficiado, mas vários indiretamente. Que a dinheirama seja utilizada de forma inteligente e seja fiscalizada rigorosamente sem protecionismos a pistolões, afinal, se o mundo precisa de poesia – e precisa mesmo –, também precisa de bons exemplos de uso consciente de dinheiro repassado por órgãos públicos, ainda mais esse país de grandes poetas, grandes artistas e grandes desperdícios em nome das mais respeitáveis causas. Inclusive da Cultura.

Francisco Libânio,
16/03/11, 11:47 AM

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