sábado, 28 de fevereiro de 2015

Interessa?

- Mas você é gay?
A pergunta ribomba vinda de um amigo de uma amiga minha numa festa dada por ela. Amiga essa com quem eu conversava e perguntou sobre uma outra amiga nossa, casada com uma mulher – e essa amiga o sabe – e a quem visitei não faz muito tempo. Contei que ela e a esposa estavam bem e a chamavam pra ir lá qualquer dia desses. Esse amigo da minha amiga estava perto, ouviu a conversa e me lascou a pergunta. Teve certo respeito (ou cuidado ou, até, medo) ao ver a feição desaprovadora da amiga e parou o inquérito inapropriado em mim.
- Não, não sou. – respondi – Apenas trata-se de duas amigas nossas.
- Ah, tá, é que é... Sei lá. Além dessas amigas, você conhece algum travesti também? – perguntou passado um pouco da estranheza.
- Não, não conheço.
Aqui abro parênteses. Em tempos modernos, de Internet, o conceito de “conhecer” é vário. Se ele entende como “conhecer” já ter estado com algum, na casa de alguma como o caso das minhas amigas, de fato, a resposta é não. Se o conceito é mais amplo, vai para o fato de eu ter contato, qualquer que seja, conversa, papo furado, a resposta é sim. Conheço duas ou três travestis com as quais já gastei tempo conversando sobre música, literatura (o moço ficaria surpreso, pra ele travesti deve só fazer ponto em esquina e não tem, nem em sonho, trabalhos “convencionais”, como essas que eu conheço), variedades, inclusive foi uma delas que, em bronca divertida, mas instrutiva ensinou que a travesti é um substantivo feminino como a mulher. Mas eu não iria gastar meu latim explicando gêneros. O interrogatório estava desagradável e eu queria me livrar daquele estorvo. Só que ele não:
- E gay, você conhece algum?
- Conheço, sim. Nada que seja próximo, mas conheço.
É verdade. Na faculdade conheci dois moços assumidos, mas não éramos de andar juntos. Uma coisa de frequentar o mesmo ambiente, convivência cordial, tranquila e amistosa. Não tínhamos proximidade já que éramos de turmas diferentes. Tem o caso de um rapaz que, esse sim, já foi em festas na minha casa, conheceu meus pais e minha família, mas circunstâncias da vida nos afastaram. Ele foi trabalhar noutra cidade e eu fiquei por aqui. Anos depois, soube por um amigo nosso que ele tinha se arrumado com um moço, moravam juntos e viviam a vida. Fiquei surpreso e mais surpreso ficou quem me contou:
- Vai dizer que você não desconfiava?
Não, não desconfiava. Na verdade, nem me preocupava com isso. De qualquer forma, satisfazendo a feroz curiosidade do meu interlocutor, repisei que conhecia gays, mas ninguém próximo. Esse amigo, eu já não o vejo há uns bons anos. Dispensado? De jeito nenhum:
- Mas você acha tudo isso... Normal?
- Olha, fera, eu acho que as pessoas devem procurar sua felicidade. Sozinhas, acompanhadas com mulher, com homem. Só acho que elas devem ser honestas com elas mesmas e...
- Então você é gay! Touché!
Aquilo matou minha paciência. Resolvi entrar na onda do xarope:
- Tá, e muda o quê na sua vida isso? Te interessa eu ser gay?
- Não, não, pra mim não muda nada. Eu só acho esquisito. Não tive essa criação moderna. Não tenho nada contra gays, mas acho que... Eu não iria à casa de duas mulheres lésbicas.
- Mas te interessa eu ser gay ou não?
- Não, amigo, eu não gosto dessas coisas. Meu negócio é mulher, entendeu?
- Tá, entendi. Eu também tenho atração por mulheres, mas nada obsta que eu tenha amigos gays como tenho muito carinho pelas minhas amigas que são casadas. É que eu achei estranha a sua insistência sobre minhas relações.
- Não, desculpa aí. Não quis te ofender te chamando de gay. Longe de mim.
- Você não me ofendeu me chamando de gay. Ofendeu com a impertinência. Encheu o saco mesmo, desculpa meu português. E se me permite, vou dar uma circulada por aí, passe bem!
Passou bem mesmo. Soube pouco depois que o rapaz tinha ido embora da festa. Alguns dias depois, minha amiga disse que o encontrou num restaurante com um moço que ela não conhecia. Reconhecido, ele confessou que era uma espécie de namorado (espécie, como assim?) e que já estavam juntos há meses. Pediu pelo amor de Deus para não contar pra pai, mãe e ninguém, pois tinha um nome a zelar. Só de sacanagem, ela disse que ia contar só pra mim, que não mudou nada. Ainda não tenho nenhum amigo gay próximo e não será esse o primeiro. Muito falso pro meu gosto.

Francisco Libânio,
27/10/14, 7:54 PM

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