sexta-feira, 17 de abril de 2015

Indiscrições

A história se passou há muitos anos, quando fui fazer um exame médico admissional para um trabalho temporário. A Agência recomendou que eu fosse a um dado médico recomendado pela Empresa à qual eu pretendia me engajar. Deram nome e endereço e que eu fosse vê-lo o quanto antes e entregasse o laudo o quanto antes. Dito e feito. Assim seria.
Dia seguinte, fui pela manhã ver o doutor. Não fui o único. Muita gente estava lá. A Empresa precisava de muita gente para trabalhar. Quase pegando no laço. Desde que tivesse boa saúde. E isso quem definiria seria o médico.
A secretária foi fria e sucinta:
- É muita gente, mas fica tranquilo. A consulta com o doutor é rápida.
De fato. Desde que cheguei, o entra-e-sai da sala do Doutor era rápida. Não demorava dez minutos. Resolvi cronometrar. Só um colega que foi mais demorado. Demorou doze minutos. Os outros ficavam entre sete e oito minutos. O laudo – curioso pedi os de alguns – estava sempre carimbado garantindo apto ao trabalho. E, de fato, a saúde de todos, parecia ótima. Tirando um que eu achei que parecia ter hepatite e outro que tinha a cara manchada. Torci para que – caso eu também fosse aprovado – esse não trabalhasse no mesmo setor que eu.
Eis que chega a minha vez. A secretária chama meu nome de forma impessoal e fria. Até impaciente, eu diria, já que eu me distraía com um jornal. Tomei assento. O médico era um homem velho, careca, manchas de idade e voz de fumante, mas daqueles que o vício fazia o que bem entendia. O clima era de total estranheza. Não havia afabilidade nem simpatia. Perguntou meu nome e confirmei. E começou um pingue-pongue:
- O senhor bebe?
- Pouco, só nos fins de semana.
- Fuma?
- Parei há uns quatro anos.
- Pratica exercícios?
- Jogo futebol com os amigos duas vezes por semana e faço caminhada quando posso.
(A caminhada sempre foi muito mais terapêutica que exercício físico pra mim. Quando podia ou estava nervoso ou triste eu fazia). O médico anotava sem olhar para meu rosto. Continuou:
- E sua vida sexual, como está?
- Como assim?
- Sexo, meu amigo. Trepação. Falando o português cristalino, foder. Como anda se saindo nas fodas?
Achei um absurdo. Não sou casado há um bom tempo e não tenho namorada fixa há alguns meses, quase um ano. Decidi que mulher não seria minha prioridade. Precisava arrumar um trabalho para pagar as contas e mulher não me pagaria pra isso. Tive um e outro rolo, uma noite casual. Contei que andava parada e fiz a besteira de falar que não foi aquelas coisas.
- O senhor broxou?
O limite tinha sido pra lá de ultrapassado. Quis bater na mesa com uma mão e acertar o Doutor com a outra, mas me contive. Era um homem de idade e devia estar numa situação pior que eu nesse aspecto. Respondi que não, mas, como não era um menino, a coisa não tinha sido o espetáculo dos filmes.
- Entendi. Faltou o senhor dar uma lambida na checa delas. Faça isso que a língua desperta o pau. – falou o médico que assinava um laudo me declarando apto para trabalhar.
Em uma semana dali eu começaria em meu novo emprego temporário que ficou sendo permanente e que é onde estou até hoje. Devo tudo a esse emprego. Graças a ele, consegui comprar minha casa e foi nele que conheci a mulher que é minha segunda esposa. Segui o conselho do Doutor. Língua e despertou o pau. Foi uma das melhores trepadas da minha vida e ela está grávida do meu primeiro filho, o Renato. Não ter filhos foi o que arruinou meu primeiro casamento e é o que está dando todo o gás a este. Tudo de bom. E o cara das manchas na cara não trabalha no mesmo setor que eu, o que é bom, pois vai saber... Tenho medo.
E a quem interessar possa, minha consulta demorou oito minutos cronometrados.

Francisco Libânio,
07/04/15, 9:30 PM

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