E o Viriato, que era um sujeito tranquilo e de hábitos
quietos, viu na folhinha que o Carnaval estava batendo na porta. E ele era
categórico: Pular Carnaval ele só pularia se houvesse algo que o fizesse ejetar
da quinta-feira (porque pra ele sexta-feira, mesmo não sendo, também era
Carnaval) pra outra quinta feira pós-cinzas (porque a quarta-feira sempre tinha
um chorinho de festa, uma saideira, um bloco temporão). Não curtia a data. Até
se arriscava a ver algum desfile na televisão, mas eram os vinte minutos
necessários pra encher o saco e desligar o aparelho:
- Essa joça nunca acaba! Cansei!
Só que como tal máquina não foi inventada, o Carnaval chegou
e não teve jeito. Não foi dessa vez que o Viriato pulou o Carnaval como
pretendia. Pelas ruas, o colorido se fez mais contrastante com sua alma
acinzentada. Não bastavam os blocos que já há dez dias impedia de andar
tranquilamente pela rua e fechava rua por onde ele pretendia passar. Tome
ginástica pra achar caminho alternativo pra onde quer que fosse e escapar dos
desocupados que pulam suados pela rua. Ócio incentivado pela mídia e de vícios
combatidos por ela. Mas se ela mesma o criou – pensava ele – como combater?
Enfim, estava em casa ao virar a folhinha e a sexta feira de carnaval dar o primeiro
grito de seu martírio anual.
E como se não bastasse, ainda morava num prédio cuja rua
passavam foliões indo para um carnaval de rua. Resolveram fazer um festejo numa
praça próxima e a população das imediações aderiu sem qualquer resistência.
Primeiro ano de muitos. Não era o bastante tudo na TV, jornais, internet falar
de Carnaval. Ele ainda vinha visita-lo sem sua anuência nos andares de baixo. E
como não adiantava mais ir atrás de lugares pra fugir, pacotes de viagem e não
havia tempo hábil pra construir um bunker mais seguro que o seu, resolveu se
exilar onde estaria mais frágil: A rua. Correu atrás de algum boteco longe de
carnavais de verdade, de festas, de foliões. Achou um, outro lado da cidade. O
que tinha de carnaval ali era a TV ligada nos desfiles.
- Dos males o menor, pelo menos, o volume tá baixo e não
incomoda. – pensou e pediu uma cerveja e depois outra. E mais outra e uma
porção de torresmo. A comilança estava boa demais e o grau etílico até fez
esquecer o carnaval. Do nada, eis que entra no boteco, uma mulher com penas na
cabeça, fantasia completa. Pensou: Até aqui ele me persegue?
A moça sentou ao seu lado, pediu um torresmo de sua porção
ao fim. Resolveu ser educado (ou hipócrita) e pediu uma para os dois. Eis que
ela, ao beber uma cerveja (parecia já ter iniciado os trabalhos noutro lugar),
abre o coração:
- Odeio o Carnaval!
E contou que era rainha de bateria da escola do seu bairro.
Era porque a escola destituiu a moça sem quê nem porquê. Chegou fantasiada e
recebeu a notícia. Estava fora. Podia ser uma passista ficar numa ala especial
devido aos serviços prestados, anos desfilando a frente da furiosa de sua
agremiação. Mandou a agremiação, a ala especial e os serviços prestados para
onde eles quisessem enfiar. Estava fora e estava fora por toda. Sem prêmio de
consolação.
- E por que tá vestida assim se nem vai desfilar nem nada?
Quer chamar a atenção?
- Chamar a atenção vestida assim? Meu filho, nem que eu
ficasse nua em pelo, sem tapa-sexo, sem nada eu ia chamar a atenção. Passista
sozinha não atrai olhar nem de mendigo. Eu tô assim pra mostrar pro Carnaval
que eu posso ser rainha querendo ele ou não. E sem precisar dar pra ninguém.
Quer saber de uma coisa? Eu sou o Carnaval. Eu sou a alegria.
- Mas você disse que odeia o carnaval, então que história é
essa?
- Eu odeio esse Carnaval que está aí, que não sou eu. Essa
festa ordinária que me tirou pra colocar uma zinha que nem do meu bairro é. Uma
mulher de peito siliconado e cheia dos aditivos e dos bolsos cheios que
resolveu ser do povo por quatro dias, mas nunca foi na nossa quadra. Então eu
resolvi ser o Carnaval sozinha e quem for brasileiro que me acompanhe. Quem não
for que fique com esse Carnaval e arreganhe a bunda pras câmeras que eu tô
fora.
E continuou comendo o torresminho convidado enquanto ele,
que também odiava o Carnaval beliscava em silêncio alguma outra coisa. Não se
falam mais até ela perguntar onde ele morava. Pediu que a levasse pra casa
dele. Ele, movido pela cerveja, pela carência e por alguma compaixão recôndita
a levou. Mais que isso, a acomodou pelos quatro dias em sua casa, em sua sala e
em sua cama. Pela primeira vez passou o Carnaval animado. Quando ela foi embora
na Quarta de cinzas, sem fantasia, ele lembrou que não sabia seu nome, mas
sempre se falavam por telefone e por comunicadores. E sempre a tratava pela
forma que ela mesma se chamava: Carnaval.
Francisco Libânio,
11/02/15, 11:17 AM
Nenhum comentário:
Postar um comentário