sexta-feira, 9 de abril de 2010

O telefonema

Não tem nada que mais assuste que um telefonema avulso no meio da madrugada. Pode ter certeza que ele quase sempre é um Plantão do Jornal Nacional mandado em particular. A menos que você seja um desses rabudos a quem a Fortuna lhe reservou no sorteio vampiro da Loto o primeiro prêmio. Mas a Loto não faz sorteios na alta madrugada, então voltamos à estaca zero. Seja como for um desses me pegou dia qualquer. Toca o aparato, vejo no rádio relógio. Quinze pras quatro da manhã. Atendo.

- Valdir, tá acordado?

Esqueci dessa terceira via. Além do mensageiro de catástrofes e do surreal lance de felicidade tem também o engano. Não preciso de mais nada. Mas a noite foi pro saco, meu sono foi com ela e, se não fosse uma mulher do outro lado da linha, juro que teria lhe deixado aquele palavrão que está maturando desde que tomei um zero da minha professora de física há uns quinze anos. Decidi entrar na dança. Já que estou acordado, vou me divertir:

- Estou (claro, oras, nunca vi um sonâmbulo atender um telefone), fala!

- Liguei pra dizer que eu pensei naquela nossa conversa e decidi voltar atrás. Você não é tão canalha quanto eu falei. E sabe...

Não, não sei. Não sei quem é o Valdir da história, não sei nem o nome da moça, que tinha uma voz bonita, até, mesmo com aquele tom de quem já chorou tudo que tinha pra chorar. Mas confesso que a coisa me interessou. Uma mulher ligando dizendo que repensou a atitude de um cafajeste? Quis saber o fim do negócio.

- ... Sabe... Eu não consigo viver sem você. Desculpa minha crise de ciúmes. Sei que você tem seus deslizes, mas sei que sou a única mulher da sua vida. Fala que me ama?

- Eu te amo. – respondi. Eu diria o que ela quisesse. Era tudo o que eu precisava pra minha noite, uma mulher cheia dessas melosidades piegas. A coisa tava começando a ficar chata.

- Sabia, Valdir. Por trás desse homem duro e fraco pela carne existe um romântico incurável. Nós fomos feitos um para o outro, percebeu? Eu sou a mulher da sua vida, meu rabanetinho. Fala que a sua ervilhinha é a mulher da sua vida, fala.

Aqui quase que meu logro foi pras cucuias, pois custei pra não rir. Rabanetinho? Ervilhinha? Que diabo é isso? Um amor hortifrutigranjeiro? Tomei fôlego, retomei a postura do começo e afirmei que, sim, a minha ervilhinha era a mulher da minha vida. Ela deu um longo suspiro e pensei que ia desligar. Pelo menos, o telefonema serviu para uma boa ação. Reatei um relacionamento que, pelo visto, tinha acabado horas antes. Mas quando eu ia pôr o aparelho no gancho, ela diz:

- Espera!

- Fala, amor. – respondi com o todo o pouquinho de boa educação que o sentimento de bem me dera.

- Eu vou aí te ver. Quero passar a noite com você, tô me sentindo sozinha e quero dormir nos seus braços.

- Beleza, vem que eu to te esperando. A cama fica fria sem você. Vamos fazer que nem fizemos sábado passado.

- Como assim? – ela perguntou enérgica – Sábado eu fui pra Colorado visitar minha tia Úrsula! Valdir, com que vagabunda você dormiu sábado passado e me confundiu? Fala agora, imprestável, cachorro, sem vergonha!

Desliguei. O pequeno Valdir que criei nesses vinte minutos de conversa aprendeu bem com o verdadeiro e desconhecido. Falou mais do que devia e de rabanetinho virou um punhado de enormes animais. Pois que ela procurasse outro Valdir pra soltar as broncas. Ou mesmo, o legítimo. Isso era problema dele. Eu só queria voltar a dormir.


Francisco Libânio,

09/04/10, 12:36 AM



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