sexta-feira, 16 de abril de 2010

Metamorfose


Estou a poucas horas de tomar um ônibus para Caraguatatuba, em São Paulo. A viagem para cá foi cansativa, mas valeu a pena. Enquanto espero o carro que me leva para o litoral, uma crônica me visitou e era preciso colocá-la no papel. O problema é que, da hora que cheguei até o momento que tive tempo para atendê-la, ela simplesmente se metamorfoseou de um tanto que não lhe reconheço mais a cara. Coisas de São Paulo. Se, ao invés do terminal Tietê, eu estivesse no terminalzinho de Prudente ou mesmo em qualquer lugar, ela seria a mesma desde quando a concebi desde seu nascimento. Mas foram tantos rostos novos nesse interregno e tantos ares... De uma crônica sem rosto, ela passou a ter traços negroides de uma bela mulher que me acompanhou no ônibus. Depois descoloriu-se, ficou loira e teve olhos verdes iguais aos de uma mulher que me cruzou o caminho no metrô. Do nada, sua feição educada e casta, virou boquirrota e começou a falar palavrões que nem os dois sujeitos que vi discutindo na rua. Agora, que estou no Terminal Tietê escrevendo-a, tenho medo dela não ser a filha que imaginei. Difícil? Talvez. Mas sei que ela ainda tem alguns genes do pai que a gerou.

Até aqui, a crônica teve várias caras e vários comportamentos que me desagradaram como me encheram de orgulho. O que dizer dessa crônica? Não sei, ao certo. Parece que me obriguei a escrevê-la e lhe dar vida. Não que ela me obrigue ou que algo me coaja. Apenas quero ter a sensação do dever cumprido. Mas escrevê-la me assusta. Tantas caras vi nela antes de vê-la nascer que não sei o que virá. Calmo, escrevo tudo o que eu pude alinhar antes da distinta ter suas mil caras. Mas gosto do que sai. As belezas que eu encontrei ficaram guardadas em suas devidas proporções. Os acontecimentos de um dia corrido fora de casa também dizem presente nessa crônica. Relevantes ou não relevantes, com o sabor do almoço ou o gosto de pão de queijo que comi; com o negror da moça do ônibus ou a loirice da mulher do metrô; com a grosseira do desentendimento da rua ou as risadas da mesa ao lado do almoço, com o medo de me perder, a alegria em estar em uma cidade que amo, o prazer de ver tudo ao mesmo tempo... Uma crônica, assim, sai, nesse turbilhão de emoções. Não é a minha melhor crônica e está longe de ser a mais inspirada. Mas gosto de sua autenticidade. Ela fala pouco, é tímida em seus assuntos, talvez por ser atabalhoada demais. Mas sem dúvida, ela precisava nascer. Era uma crônica de pai solteiro, sem inspiração, sem história e sem graça. Graças a essa breve viagem a São Paulo e à pitada desvairada, ela veio dessa forma. Que me desculpem os desagradados. Mas essa crônica, mesmo sem ser o meu melhor, por tudo de bom que ela tem de si e tinha de mim, não podia ficar sem conhecer a luz do dia.


Francisco Libânio,

16/04/10, 2:14 AM



Um comentário:

Mila Lopes disse...

Eu sei muito bem como é isso, derrepente nos vem aquela idéia, aquela luz e estamos no lugar inapropriado, então ela vai se perdendo e derrepente, parece não ter sentido embora continue sendo a mesma luz de outrora...
Bjs
Mila