sexta-feira, 1 de abril de 2011

Primeiro de Abril


Era desconfiado até da própria sombra. Nunca aceitava nada de ninguém porque podia ser golpe, gracinha ou descaro. Presente nem mesmo dos amigos. E o pior dia do ano era, sem dúvida, o Primeiro de Abril. Evitava ao máximo contato com outras pessoas e nunca deixava nada para ser feito ou contado por outra pessoa. Aquele ano, depois de ver a folhinha no dia anterior, ao acordar, a primeira coisa que fez foi se apalpar para ter certeza que estava vivo. Sim, estava. Tomou banho olhando para os lados e só um copo de café. Não queria correr o risco de ser envenenado. Não considerou que morava sozinho e ninguém poderia ter aprontado nada contra ele. E se tivesse entrado em casa durante o banho e esparzido veneno no pão? Nunca se sabe.
Foi ao trabalho a pé e recusou carona de um amigo. Vai que ele resolvesse aprontar alguma? Nesse dia, todo mundo sempre apronta alguma. Chegou e foi direto à sua mesa e meteu a cara no batente assinando papéis, carimbando notas e atendendo telefonemas. O pessoal da seção resolveu almoçar junto e ele foi? Nem em sonho. A tudo que lhe diziam, a resposta era um “você está brincando” e tudo que lhe perguntavam recebia um “não sei”. Fez seu trabalho a contento e sem brincadeiras. Sexta feira, dia para um happy hour, chopada e petiscos? De jeito nenhum! Voltou pra casa a pé, outra vez, recusou caronas, conselhos para tomar ônibus. Não queria cair em nenhuma brincadeira de Primeiro de Abril.
Em casa, vendo TV, não acreditou em uma notícia que passou no jornal nem em nada. Pegou algum livro e foi ler antes de dormir. E não demorou muito. Veio o sábado, dia em que mais se permitia a ser solto e menos armado. Ao ligar a TV para ver a programação matinal deu com a fala que balançou todo seu dia:
- E a oferta desse tênis, parece Primeiro de Abril, mas não é. Vale para hoje, dia três até o fim da semana.
Então ontem não foi Primeiro de Abril? De jeito nenhum. Foi ver na folhinha e se lembrou que tinha esquecido de arrancar algumas. Casava certinho, sábado três de abril. Fez todo o ritual no dia errado passou o Primeiro de Abril, que lhe contou mentira no dia seguinte, desarmado. Desde então se viu curado de todos seus traumas.

Francisco Libânio
01/04/11, 3:01 PM

Um comentário:

Angelus disse...

Também escrevo para um blog voltado para produções textuais chamado "Versos, Prosas e Colóquios" que procura descrever situações comuns (ou nem tanto)sobre o comportamento humano.
Achei muito legal seu texto. É interessante tentar descobrir como funciona a mente das pessoas, o que as leva a ter superstições e o que faz com que elas se curem de uma hora para outra.