sexta-feira, 14 de março de 2014

Uma mulher mais velha

Trocando duas de vinte.

Cai-me nas mãos uma revista com algo que, em tempos de internet, eu julgava encerrado: Uma sessão de correio sentimental. Homens e mulheres procuram em cartas o amor da vida e usam de determinada revista como intermediadora. Em tempos de chats carregados de desconfiança é um recurso anacrônico, mas válido embora igualmente arriscado. Folheio a sessão movido pela curiosidade e pela solteirice. Vejo a foto de uma linda mulher e, antes de saber quem ela é, parto para um jogo de adivinhações comigo mesmo.
A mulher é vivida. Chuto que tenha quarenta e oito anos, embora aparente menos. Decreto comigo mesmo que seja separada. Também concluo, logicamente, que tenha filhos adultos ou, pelo menos adolescentes. Avó? Penso que seja, mas invento em minha imaginação que seus possíveis filhos resolveram não ter filhos. Negaram à mãe essa graça dos netos. Jamais ela ensinará à filha como se troca uma fralda ou qual o melhor remédio para cólicas.
Pelo cenho sem sorriso dessa mulher, penso que seja alguém sério. Uma mulher que não perde tempo com gracinhas. Talvez a idade e a maturidade não a exponham a aventuras. Minha colega não quer curtição, não quer trocar beijos e muito menos uma noite de sexo. Na foto, ela veste uma peça decotada, mas discreta. Tem um corpo muito bonito, muito bem fornido. Seios fartos e firmes. “Silicone!” cravo movido pelo lugar comum. A pele branca não tem muitos sinais. No colo algumas sardas. Deve usá-las como charme atrativo para complementar a beleza. Sim, é uma mulher bonita e conservada, como já disse. Como é mais velha e não quer perder tempo com rolos e aventuras libidinosas com garotos recém-desmamados ou que acabaram de ter os primeiros fios de barba e já se arrotam homens. No entanto, a foto minimamente provocante e o busto farto em um comportado, mas atraente, decote dão a entender que o fogo dos desejos ainda não se apagou. No entanto, a idade e a maturidade fazem com que escolha com muito e rigoroso critério quem se deita com ela. Quem a vir na revista e quiser aliviar instintos, certamente, vai se dar mal.
Penso em outras tantas especulações sobre a bela mulher da foto. Já disse que ela deve ser separada. Pessoa que teve um casamento que foi feliz até certa altura, mas que a rotina desgastou. Ela transmite um ar calmo. Logo, não deve ter sido traída ou trocada, o que traria uma aparência mais soturna. Tem fumos de profissional liberal. Penso ser advogada e não deve morar em cidade pequena ou logo ficaria marcada como a “’doutora da revista”. Profissionalmente, poderia ser seu túmulo. Deve ser de uma grande capital. Vêm outras especulações, mas não aguento. Resolvo ler como essa mulher se anuncia, como ela seduz um incauto leitor que se interessa além da foto, atraente por si só.
Ei-la: O nome, evidentemente, fica resguardado, mas ela tem cinquenta e dois anos e não quarenta e oito como imaginei. Muito melhor conservada que eu supunha. A linda mulher é de uma cidade média do interior de São Paulo, mãe de três filhos adultos e avó de quatro netos, dois são bebês, um acerto e um erro. Diz ser uma mulher muito divertida, tranquila e avessa a badalações. Isso não faz com que ela dispense um barzinho com música ao vivo, MPB de preferência. Muito bem! Procura relacionamento sério, honesto e comprometido. Acertei outra vez. Não quer farras. Dispensa homens casados e tarados. Limiar etário entre os vinte e seis até os sessenta e dois anos. Tem a cabeça aberta para conviver com jovens e relacionar com eles caso aconteça já que trabalhou como assistente social e durante muito tempo viveu com moços em abrigos e hospitais os ajudando contra diversos vícios. Hoje está aposentada e se ocupa pintando quadros. Sobre o busto, o corpo bonito e a vida íntima não há nada, o que concluo ser uma mulher reservada que não divide pela aí a sua história entre paredes. Se tem silicone ou não, também não consta, e muito surpreenderia – negativamente - se constasse. Seu estado civil é, como eu presumi, separada e não há detalhes. Isso seria motivo para uma conversa melhor. Ela deixa várias meadas interessantes para um pretende conhece-la melhor. Sabe até onde se revela. Pessoalmente, confesso, ela me interessou. Anoto o endereço em algum lugar e praticarei o antigo prazer de escrever cartas. Espero que ela me responda. Estou dentro do interregno das idades que ela procura. Já é um começo.

Francisco Libânio,
04/03/14, 10:01 PM

Um comentário:

Helena Bueno disse...

:) gostei bastante, Chico... linguagem simples, envolvente. Parabéns!