sexta-feira, 4 de abril de 2014

Os delatores

Foi ele! Quer dizer...

Foi um crime barbaríssimo. Horrendo! Só que foi um crime, até àquela altura das investigações, perfeito. O delegado que estava no local não achava impressões digitais, evidências, provas. Apenas o de-cujus esfriando a cada instante. Não houve testemunhas. O safado escolheu um momento deserto para apagar seu oponente, e o fez sem que ninguém soubesse. Os presentes eram curiosos, mas ninguém viu nada. Foi quando um dos policiais se chegou ao delegado e sussurrou:
- Tem um moço aí dizendo que viu tudo. Quer falar com o senhor.
O delegado foi ter com o cidadão. Sujeito típico “cidadão de bem”, insuspeito de tudo. O delegado foi direto às falas:
- Me falaram que você sabe quem cometeu o homicídio. Pois diga!
- Digo, sim – disse ele – Digo porque vi com esses olhos que a terra há de comer. E porque eu conheço o desgraçado que matou o presunto aí. É o maior pilantra da face da Terra. Meu inimigo declarado. Sou de boa paz, amigo da humanidade, mas esse... Se o Diabo bater na minha porta atrás dele, sirvo cafezinho e embrulho o homem pra presente.
- Mas eu não sou o Diabo, meu amigo. Olha que te prendo por desacato. – irritou-se o delegado.
- Longe de mim, senhor. Sou amigo da Lei. Mas esse faço questão de entregar. Ele nunca imagina que eu assistiria ao crime de camarote.
- Pois se assistiu, me conta o filme. E logo, que eu não tô pra conversa! – apressou.
- Então, doutor. O sujeito, ele é, mais ou menos da minha altura. Tem cabelo preto e é gordo. Um leitão, um porco fedido.
- Sua altura e gordo. Cabelo preto. O que mais?
- O cara trabalha numa serralheria aqui perto. O homem maneja uma serra com muita destreza, isso eu tenho que admitir. Nesse negócio, pode ser um grande nó-cego, mas é um artista de mão cheia. Se não fosse tão safado...
- E por que vocês são inimigos? De onde vem essa briga? – o delegado e a perícia notaram que a arma do crime era uma serra sem impressões. O corpo estava retalhado. Praticamente um boi pra açougue.
- Porque eu fiz uma encomenda com ele e o safado me pediu adiantado dizendo que era um trabalho grande, que precisava de um sinal. Dei o sinal e ele falou que, já que estava fácil assim, queria o pagamento completo, mas que eu não me arrependeria. No dia combinado, até antes, as peças estariam na minha casa. Nunca chegaram, doutor. Se não fosse minha esposa, eu teria ido até lá e metido a mão na cara dele. Me roubou.
- Quanto tempo isso?
- Uns cinco meses. Fui pedir meu dinheiro de volta, mas com a mulher pra não entrar em confusão. Ele disse que dinheiro pago é dinheiro pago e que eu tivesse paciência e não enchesse o saco ou ele não faria era nada. Disse que ele enfiasse o dinheiro naquele lugar e que isso não ia ficar assim. Eu falo que o Destino é cruel com os safados. Olha aí.
- E o que ele vestia no momento do crime?
- Ah, doutor, aí o senhor me apertou sem abraçar. Não lembro. Era alguma coisa entre verde e violeta, sabe? Não lembro. A descrição que era ele eu sei porque a silhueta bate muito com a dele. Só tem um gordo daquele jeito. E que mexe com serra então. Certeza que foi ele, só não lembro o que ele vestia.
O delegado agradeceu a ajuda. Já era alguma coisa, melhor do que nada. Anotou onde era a serralheria em que o suspeito trabalhava e dispensou o delator. Nesse momento, o policial chamou o delegado de novo. Parece que havia outro delator. Confirmou que o assassino era gordo, de altura tal que batia com a do outro, tinha cabelos prestos e vestia, sim, verde. O delegado coçou a cabeça e mandou o policial pegar o outro, que ainda estava próximo à cena. Trazido de volta, o delegado perguntou à segunda testemunha:
- Você conhece esse homem?
- Sim. Ele é o serralheiro escroque que me fintou uma grana e não me entregou uma cadeira.
- Ele vestia algo dessa cor?
- Exatamente o que está vestindo agora!
- Mas vocês disseram que ele tinha cabelo preto e esse aqui é loiro?
- Minha mulher é cabelereira e ontem disse ter recebido um cliente pra pintar o cabelo. Só não imaginava que ela fosse tratar, justamente, do meu maior inimigo! E nem que além de nó cego, ele fosse assassino também. Por favor, delegado, ela não tem nada a ver com o peixe, mas quando eu chegar em casa, vou ter uma conversa séria e ela vai escolher melhor os seus clientes.

Francisco Libânio,
15/02/14, 2:09 PM  

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