quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uma crônica sobre a minha crônica

A dura arte de escrever...

Tenho por hábito, gosto e, até mesmo, teimosia a mania de escrever poemas. Daí pipocam alguns sonetos e eventuais haicais. A grande maioria mal sai da minha cabeça. Como sonetista, a única regra a que obedeço é a clássica de todo soneto, duas quadras e dois tercetos. De resto, métrica, tonicidade, redondilhas... Acerto por mero acaso, e se acerto. Alguém me disse, certa vez, que é um absurdo que em pleno século XXI, quase cem anos após a Semana de Arte Moderna, a pessoa ainda se prender a rimas, a modelos. Noutra leitura, o que me disseram foi: Quer ser poeta, seja. Mas seja moderno! Ora, se Mário de Andrade, pai da revolução toda, já maduro, reviu esse posicionamento e se Manuel Bandeira, outro modernista aclamado, escreveu mais tarde poemas no mais arcaico dos portugueses, por que eu, mero leitor deles, deveria seguir com essa bandeira tão radicalmente?
De qualquer forma, o fato de escrever sonetos não me tira um gosto que sempre vem: o de ser cronista. Mais novo, sempre quis ser poeta. Acreditei que tinha esse dom e, incentivado por familiares e amigos, toquei o barco adiante me alimentado de bons poetas. Agora, mais velho, ouso me chamar de poeta, mas me bate a desagradável sensação de que não era bem isso o que eu queria. Sabe o sujeito que se forma médico para agradar aos pais, mas no meio de uma consulta descobre que queria ser pintor? É mais ou menos o que eu sinto procurando uma rima:
- Se eu proseasse não teria que me preocupar com uma palavra que rime com “estupendo”. E que não seja verbo no gerúndio.
Não sei se o leitor compreende onde eu quero chegar. Se ele leu até aqui já se convenceu que o Cronista está enchendo linguiça, rodeando porque não tem aonde chegar, mas vamos ver onde isso acaba. Acaba que cada crônica que escrevo, ao seu fim, é uma vitória pessoal. Um sonho realizado. De certa forma, a crônica, essa maravilha sem a qual o leitor cotidiano de jornal ou de blogue não fica, é algo complicado de sair. A explicação é meio óbvia e muito tola, pra não chamar de desculpa barata: Tem hora que eu penso que tudo que deveria ser posto em crônica já foi posto. Então como sair dessa? Como falar de algo que não foi falado ainda? Tudo bem, a crônica nada mais é que uma fotografia em palavras de fatos pitorescos do dia-a-dia; um “causo” com alguma pompa e circunstância que termina sendo lido no jornal. Enfim, uma conversa fiada que o cronista tem com o leitor, que aguarda aquele momento para ouvir o que o outro tem a dizer. Mas nem sempre se tem.
Escrever crônica é um prazer quando a pessoa é cheia de histórias pra contar. Se a imaginação do cronista é fértil ou ele tem a sensibilidade de tirar até de uma criança brincando na praça um texto primoroso, temos aí um grande cronista, um Rubem Braga redivivo. Ainda mais se o cronista tiver um dia-a-dia interessante e animado, pelo menos uma crônica razoável é extraída. Há a contrapartida de o sujeito ser visto como um grande egocêntrico, que só fala de si mesmo e ama a primeira pessoa mais do que a própria mãe. Será que é por isso que muitos cronistas escrevem das coisas que acontecem com “o Cronista” na terceira pessoa?
O fato é que o cronista é um camarada de grande percepção e sensibilidade. Qualidades que muitos atribuem aos poetas. Como poeta autodeclarado (e autodescarado), digo: Nesse ponto, o cronista dá surra no poeta. Um poeta escreve lá dois versos aleatórios, desconexos, incompreensíveis, pega aquilo, chama de pós-vanguarda, vende esse peixe aos compradores certos e sai incensado como o futuro da poesia contemporânea. E se vender bem, ainda por cima termina tendo aqueles que não o entenderam como ignorantes já que “sua poesia não é para o homem comum”. Ou seja, a qualidade está lá. Você é que não tem cabedal pra compreendê-lo. A culpa é sua, não dele.
O cronista não. Embora já tenha lido crônicas de frases desconexas em que o sujeito resolveu bancar o Joyce, a função primeira do cronista é ser palatável ao cotidiano, ser interessante ao homem comum, ao cara que lê o jornal indo ao trabalho. A linguagem para conquistar esse simples leitor varia do divertido ao informativo; do lúdico ao sutilmente engajado. O primeiro tipo de cronista se restringe às publicações especializadas ao lado do poeta vanguardista. O segundo, quando bom, é disputado a tapa pelos grandes jornais e portais.
E é lendo os grandes cronistas do passado, o já citado Rubem Braga, Sabino, Drummond que me vem a danada da vontade de ser cronista. É tendo aquele “insight” que eu fecho o livro e corro a escrever e que se desespera quando vê tudo sumir na segunda linha. Quando isso acontece, pego o que sobrou e parto pra poesia, pro soneto. Não era o que eu queria, mas foi o que deu pra salvar e, em tempos de reciclagem, nada deve ser desperdiçado. Nem ideias. De qualquer forma, esta minha crônica está saindo bravamente. Não lamento o fato de perder nela um soneto, mas adoraria que o que acaba de acontecer nesse momento fosse mais frequente.

Francisco Libânio,
28/02/12, 4:44 PM

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