segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Quando me falta a poesia

Glauco Mattoso, um dia chego lá. Se eu não desistir antes.

Inescrupulosamente me chamo de poeta. Na verdade, eu adotei isso quando, mais novo e um poema mais outro, alguém me chamou de poeta e eu ingenuamente acreditei. E quando acreditei nisso, arrogante, dei a escrever mais poesias. E, mais arrogante, faço isso até hoje.
Gostar de poesia sempre gostei. Sempre estiveram em minha estante gente do calibre de Camões e Vinicius de Moraes. Logo fui conhecendo Pessoa, Augusto dos Anjos, Gregório, Bocage e cheguei a Glauco Mattoso. De um lirismo puro, romântico e etéreo cheguei à lama, à sujeira e ao escárnio. Sei que posso chegar ao alto de novo, mas o chulo e o irreverente do rés do chão não me desagrada. Talvez seja esse o problema. De qualquer forma, lendo os líricos ou os chulos, a poesia faz parte de mim, mas me acometeu esse efeito colateral de me achar poeta. E outro, que é escrever.
Mas foi lendo especialmente Glauco Mattoso que a coisa me fez um mal estranho. Explicando rapidamente quem é o rapaz, trata-se de um excelente poeta, sonetista, cego e que, na falta de visão, passou a escrever incessante. Nessa, o rapaz chegou a mais de cinco mil sonetos. A maioria muito bons, mas com chulice, pornografia e fetiche à mesma proporção da genialidade e do rigor métrico, coisas que definem os grandes poetas e me excluem desse grupo. Seja como for, inspirado pelo bardo cego fescenino, resolvi eu me meter a escrever sonetos até onde aguentasse. Mais uma vez, arrogante, achei que poderia dobrar os cinco mil como ele. Houve um grande problema, no entanto: A falta de inspiração.
Claro que da mesma forma que Roma não foi construída num único dia, Glauco não escreveu seus cinco mil sonetos numa sentada. Nem teria como. Mas tem vezes que numa sentada não sai absolutamente nada. Tento escrever e um verso, um único verso, me faz festejar. A mente exaure, a inspiração seca. Não sei se Glauco tem esse problema. Acho que não. Só sei que nesse exato momento cheguei a 1190 sonetos – começados há quase dois anos com maiores e menores interrupções – e me falta material pra continuar. Falta-me completamente a poesia.
Quero escrever mais sonetos, mas já conclui não serem tão sonetos assim. Falta métrica, falta tonicidade em sílabas, mas tem sua forma. No entanto, falta inspiração. A fonte secou. Nem lendo o próprio Glauco vem uma luz, um insight, uma ideia que garanta um soneto a mais.
Falta a poesia. E quando falta a poesia é que eu noto o quão arrogante sou me chamando de poeta. O quanto esse dom que imagino ter não existe. Surge a dúvida. Será que devo parar? O que eu faço com toda poesia que fiz (ou cometi) até aqui? Será que devo renunciar a isso? Agora que me falta a poesia e eu, humildemente, volto ao mundo dos mortais do qual não devia ter saído, a reflexão é dura. Falta-me a poesia e escasseiam os sonetos. Deverão vir? Escrevo outro – e outros – caso a ideia volte a vicejar? Quando me falta a poesia, o senso critico parece um verdadeiro déspota a rasgar todo esboço que encontra. Caio da arrogância poética à dureza apoética em velocidade sônica. E me machuco.
Agora me falta a poesia e aqui escrevo uma crônica, uma forma diferente de poesia. Uma forma marginal de raspar qualquer inspiração que vier para que eu faça sonetos. A crônica é uma forma de me manter no chão sem querer escalar aos céus da poesia, lugar que, aqui do chão, eu penso não pertencer.
Enquanto escrevo essa crônica, a cabeça fervilha. Um soneto timidamente sussurra. Um verso se constrói solto esperando ser encaixado num soneto que aparecer. Qualquer um, não precisa ser o melhor deles. Sinto-me como se quisesse escalar outra vez o Olimpo dos poetas ao mesmo tempo que me recrimino. Não posso ir, mas quero. Não é meu lugar, mas quero teimosamente entrar na festa que não fui convidado. Quero conversar com Vinicius num soneto como quero contestar Bilac num verso. Eu não devia, mas enquanto a poesia volta, um outro soneto firma pé. E ao passo que odeio isso também me excita a continuar a escalada clandestina. E assim sigo.

Francisco Libânio,
17/08/13, 5:22 PM

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