sábado, 20 de julho de 2013

O namorado de dona Eustáquia


Me deixa em paz, diabo!

Não é que fosse uma mulher antipática ou grosseira, mas dona Eustáquia era uma senhora que, involuntariamente, conseguia ser o cúmulo da inconveniência. Aquela que falava as coisas mais impróprias nos momentos mais inoportunos. E isso juntava dois partidos em torno dela, o dos desafetos, que queriam ver o Diabo cantando Calypso e não a dona Eustáquia falando o que fosse e os que sentiam por ela uma compaixão do tamanho do mundo:
- É o jeitão dela. Deixa pra lá.
Já virando os quarenta e sete anos, dona Eustáquia continuava solteira. Suas colegas da escola se casavam, eram mães, as que pareavam em idade com ela já falavam até de serem avós e ela seguia lá sozinha. Dizia ser opção. Talvez fosse mesmo. Opção dos homens. As colegas da escola, da Igreja diziam pra ela maneirar, fechar a boca se ninguém falasse nada ou falar apenas seguindo o fluxo das conversas. Algumas até apresentaram partidos legais pra dona Eustáquia, mas não sobreviveram a um terceiro encontro. Sua lábia estragada punha tudo a perder.
Um dia, numa das festinhas de confraternização da escola, eis que aparece dona Eustáquia com um cacho pelo braço. Menino novo, pelo menos uns quinze a menos que ela, bonitão, alto, cabelos castanhos e um ar de intelectual. O choque foi grande. Logo dona Eustáquia, que não gostava de falar sobre política nem sobre assuntos mais densos arrumar um figurão desses? Foram conversar com a Eustáquia. Aí, hein? Demorou, mas desencruou. Ela estava toda pimpona. Era o assunto da mesa. O partido segurava a mão de dona Eustáquia apaixonadamente e dava beijinhos no rosto e selinhos discretos, afinal dona Eustáquia não era dessas que gostava de se expor. Verdade é que foi o único encontro da turma que andava com ela e o namorado. Dona Eustáquia se recusava a ir a qualquer outro lugar com o namorado e as amigas.
- Ah, é que agora quero curtir meu moço, vocês entendem, né?
Não entendiam. Achavam uma tremenda falta de consideração. Agora que namorava ficava que nem adolescente e esquecia as amigas? Não, isso não podia ser assim. Lembravam que ela nunca mais chamou ninguém para as quedas de buraco, para o café de fofocas e para as noites de vinho em sua casa. Agora, fim de semana com a dona Eustáquia só o namorado tinha pleno e irrestrito direito. Decidiram visitá-la de surpresa. Azar que dona Eustáquia estivesse vendo filme com o namorado no DVD, comendo pizza ou mesmo num amasso daqueles que deixava ela toda felizinha na segunda-feira. Não podia descartar as amigas assim. As amigas que salvaram de tantas saias justas. Elas podiam fazer um furdunço na casa de Dona Eustáquia, promover um vexame inesquecível, mas elas tinham direito de participar da vida da amiga.
Marcaram, então de bater na casa da dona Eustáquia às nove horas da noite e fazer uma surpresa. Deixaram os carros a uma quadra, foram em procissão. Ao chegar, luzes da sala apagadas e um barulho rouco vindo de algum lugar, duas vozes. Mas a voz não era a da dona Eustáquia e sim a do namorado. E a outra? Era de mulher. Achavam que ele estava aprontando. Forçaram o portão, acharam a porta aberta e entraram em turba casa adentro. Acharam dona Eustáquia na cozinha fazendo um jantarzinho especial e o namorado no quarto conversando com a mãe. Estavam armando o casamento da dona Eustáquia, que não gostou nada da surpresa, da invasão e muito menos da suspeita. Quando contaram a ela que cogitaram do namorado ter outra, ela tocou as amigas à vassouradas. Que absurdo. Nem mesmo a dona Eustáquia em seus momentos mais absurdamente inconvenientes e desagradáveis faria tamanha besteira e diria tamanha loucura. O casamento foi dali vinte dias e nenhuma das amigas da dona Eustáquia foram convidadas. Elas, no entanto, ficaram mais eustaquianas que a dona Eustáquia e todo dia aparecia uma fofoca nova. O clima na escola ficou insustentável.

Francisco Libânio,
18/02/11, 11:28 AM

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