sexta-feira, 6 de maio de 2011

O dominó


Na ideia de agradar o filho de sete anos, o pai resolve aproveitar uma data aleatória para lhe dar um presente. Esperou o filho chegar da natação, uma das poucas atividades físicas que fazia e lhe chamou de lado:
- Aqui, Róbson. Um presente do teu pai. Um jogo de dominó. – Era uma caixa de madeira bonita, peças de ébano muito bonitas, enfim, um dominó tradicional como os da época em que o pai tinha aquela idade.
O menino pegou a caixa, abriu, tirou as peças as deitando no chão e ficou olhando aquilo com surpresa e dúvida. Dominó? Sim, mas como se faz agora? Um monte de peças pretas e pontinhos coloridos pintados e pra quê? As perguntas do menino não eram pescadas pelo pai que contava como se divertia quando era mais novo ao jogar quedas e mais quedas de dominó com os colegas da escola. Foi quando o menino interrompeu as reminiscências do pai:
- E como o senhor jogava isso?
- Como? Ora, coisa mais simples! A gente começa sempre com o carroção de seis ou outro. Aí tem que juntar as peças iguais.
- É tipo Tetris? – perguntou o menino.
Parada dura. Tetris? Na época do pai, esse negócio de Tetris não existia, mas para o filho era o jogo mais simples que se podia haver. Só que ele nunca jogou com peças desse jeito. Sempre no computador, no vídeo game. Ensinar o menino tão afeiçoado a botões e a playstation ia ser difícil. Mas se muniu de boa vontade e foi adiante:
- É assim, a gente pega seis peças cada um – e distribuiu com o filho – e quem tiver um carroção, a peça com números iguais, começa. – por acaso, o pai tinha o carroção de seis e jogou na mesa.
- Agora, se você tiver uma peça de seis pode colocar em qualquer um dos lados. – ensinou.
O menino tinha lá um seis e tacou na mesa. O pai seguiu a jogada com o dois disposto. Na sua vez, o menino tirou as duas peças coladas de dói.
- O que esta fazendo, Robson?
- Eliminando as peças, papai. No Tetris, quando acontece algo assim, elas se eliminam sozinhas. Aqui quem tem que fazer isso sou eu, né?
É claro, o pai esqueceu de falar para o filho que dominó e Tetris não tinham nada ver coisa com outra. Voltou as peças para o lugar e explicou que não tem que eliminar nada. Que agora, na sua vez, o menino tinha que jogar uma peça com qualquer uma das extremidades.
- Mas eu não tenho.
- Então compra.
Antes que o menino fosse esvaziar o cofrinho, o que estava em vias de fazer, o pai explicou que era pra ele pegar uma peça no monte. Pegou três e nada. Passa a vez para o pai que joga. E assim a primeira partida de dominó da vida de Róbson significou uma retumbante derrota. O pai explicou que é assim mesmo, mas que logo ele ia pegar o jeito e seguiria a saga vencedora do pai, campeão do bairro há trinta anos, um grande orgulho para o pai. Depois da partida, foram jantar, conversaram sobre outras coisas. O pai perguntou sobre a natação para o filho, que estava de poucas palavras.
Quando o pai estava vendo o jornal, o filho o chamou do seu quarto e intimou:
- Papai, quero jogar Guitar Hero com o senhor!
- Mas eu... – e nem adiantou dizer que não sabia como se jogava aquilo. O menino também não sabia jogar dominó e aprendeu meio a contragosto e perdeu. O pai, na mesma situação, cedeu. Tiraram uma música e o pai foi humilhado na primeira vez que se metia com o jogo predileto do filho que se sentia leve e vingado.

Francisco Libânio,
01/05/11, 7:42 PM

Um comentário:

Angelus disse...

É engraçado como as coisas mudam com o avanço da tecnologia. Esse é, para mim, o pior mal da evolução: as coisas boas caem no esquecimento, como produtos descatáveis, com uma data de validade.
Será que quem derrota o pai no Guitar Hero hoje, tem conciência de que amanhã pode estar sendo vencido pelo filho em algo ainda mais moderno?