sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Amigos reais


Era estranho que ninguém conversava com ele. As pessoas passavam e era como se ele fosse invisível. E era mesmo. Ninguém o via, ninguém falava com ele na escola, no inglês e mesmo no almoço de domingo, poucos primos seus, que eram muitos, falavam com ele. Seu círculo, como ele, era todo invisível também. Sua diversão, então, era ler livros. Conhecia, mesmo aos oito anos, muita da obra de Machado de Assis, alguma coisa do José de Alencar, obras adaptadas de Victor Hugo, mas era fã, mesmo, do Trevisan, que leu um dia à toa na casa do seu avô. Sua entrega aos livros preocupava muito seus pais, mas não tomavam providência nenhuma. Era um exemplo de comportamento, uma criança adorável, educada e isso despreocupava seus pais.
Um dia, deu a falar sozinho pela casa e, aí sim, passou a preocupar pais e familiares. Criara um amigo com quem discutia os livros que lia. Com o passar do tempo, criou um verdadeiro círculo social invisível aos olhos dos seus. E eram verdadeiros debates acalorados. Seus pais perguntavam sobre isso e ele dizia coisas incompreensíveis. Como não queriam um filho maluco na casa, levaram-no para o melhor psicólogo e para o melhor psiquiatra do mundo invisível para que ele fosse analisado e, lógico, curado. Algumas sessões e os doutores chamaram os pais para passar o diagnóstico:
- O filho de vocês é uma criança perfeitamente normal, sadia, esperta e criativa. Um tanto tímido, mas é normal.
- E as conversas sozinho? – perguntaram os pais aflitos.
- Absolutamente compreensível. Algumas crianças fazem isso. Ele tem seus amigos reais, pessoas com formas definidas, corpos tangíveis, cores e um negócio chamado pele. Só que não conseguimos vê-las. Há quem diga que são anjos que aparecem pra dar alegria à vida das crianças. Fiquem tranqüilos.

Francisco Libânio,
11/02/11, 9:28 PM

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