Extraído de http://argoul.blog.lemonde.fr/files/2007/07/androgyne-peinture.1183971974.jpg
Às vezes me imagino como se eu pintasse um quadro. No começo, há rabiscos, traços bem amadores, uma coisa que é bonitinha aos olhos dos pais, mas logo nos será um rascunho do que será desenhado depois. São esboços de um grafite aceitável, mas que logo some a cor, mas os traços, mesmo sem se ver, são notados.
Depois vem a fase das cores. É a mais difícil. É aquela em que continuo a desenhar, mas agora os rascunhos estão mais bem acabados. Os esboços se vão com o pó da borracha e vem os tons alegres de azul, do marinho ao celeste, o vermelho sangue dos amores que ficaram e o verde, a esperança em tons dos mais utópicos aos mais reais. O quadro se pinta e me vejo nele. Vejo cada olhar do quadro, cada detalhe... Vejo-me tão perfeito, tão mestre nessa arte que não há outro quadro frente ao meu. Aliás, não entendo como nenhum Guggenheim me procurou até agora.
Vem, então a fase final, a fase em que deve se dar o acabamento ao quadro. Está na hora de encaminhar minha obra prima às molduras. Quero definir o traço no pincel atômico de forma que nenhuma natureza venha e roube Esses traços tão belos. E é nessa hora que, ao olhar mais demoradamente meu quadro percebo falhas. Um erro na perspectiva, uma imprudência que comprometeu a luminosidade do fundo, um borrado que invadiu os olhos, uma marca de mão, um tom de cor que discrepa das demais. O que fazer? O quadro não poderá ser redesenhado. O pincel atômico é definitivo e as tintas irremovíveis. Rompê-lo? Quebrá-lo? Nem pensar. Esse quadro será a minha herança, será o meu legado. Eu nunca me dei tanto a uma obra quanto a essa. Só posso corrigir os erros. Alguns consigo salvar, outros são maquiados, mas perceptíveis. E outros, a correção mais estraga.
Este quadro é a minha vida. Todos pintamos um quadro ao qual nos entregamos. Os erros são os passos em falso, as mágoas, os tropeços. Recuperá-los? Difícil, mas a contemplação de nossa obra – visível somente a nós mesmos – ficará na mente das pessoas, que não viram o quadro, mas o tem vívido em suas mentes porque foram elas que nos deram as tintas e os modelos.
Francisco Libânio,
2 comentários:
Legal tu descreveu o surgimento do teu livro...viu só como a vida não é má tu atira no que vê e até acerta no que não vê e assim como o quadro tua estrada vai surgindo diante dos teus olhos!bjs
Adoramos seu blog, continue assim...
=)
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