sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Nomes e ofícios

Negócio interessante esse dos sobrenomes, que oficialmente são conhecidos por nomes. Conta-se que eles não existiam na Antiguidade. As pessoas tinham apenas o nome e, para designar a família ou a origem, associava-se à pessoa ou o local onde ela nasceu (daí vários sobrenomes com a partícula “de”) ou o local onde vivia (o que resulta os vários Costa, Ribeiro, Silva – que vem de selva – dentre outros) ou, ainda, a profissão do sujeito, um bom exemplo disso é o Ferreira, que vem de ferreiro, que no inglês vem de Smith, o Silva deles de tão comum que é por aqueles lados. Por exemplo, o heptacampeão de Fórmula Um, Michael Schumacher, traz consigo uma corruptela do inglês shoe maker, sapateiro. E por aí vai.

O legal é que hoje, ainda, vários sobrenomes poderiam casar muito bem com a profissão do seu detentor. Pense só como podem ser prósperos os pomares da sociedade Pereira & Nogueira, cujos sócios nasceram pra tal feitio. E que juiz sensacional seria aquele que tem por sobrenome Justo. Advogados com tino marqueteiro poderiam explorar genialmente esse acaso familiar. Um marinheiro da família Marinho, ou mesmo Lemos, com a devida adaptação, poderia ser contratado por qualquer navio mercante de qualquer nacionalidade. Não haveria numerologia mais eficiente. O senhor Leite seria dono da Batavo ou da Parmalat e teria sucesso. Por fim, a família Casagrande, além de um craque no futebol, teria arquitetos mundialmente conhecidos.

Claro que os sobrenomes, dependendo da combinação, poderiam ser o jazigo moral e social de alguém. E a criatividade do brasileiro ajuda pra isso. Pense o incômodo que sofreria o jovem Rolando Rocha na hora da chamada? Outro nome, cujo sobrenome bem encaixado pode gerar problemas é Armando. E para os maliciosos de plantão quão não devem ser divertidos os Pintos, Regos e Costas da vida.

O mau sobrenome na profissão também pode acontecer. É o caso do dr. Roberto Durão, que, apesar do sobrenome, teve cacife e competência pra se formar em medicina e ser ginecologista. Seu nome estampado na fachada do consultório era um tanto incômodo, mas, se a má associação não matou o dr. Durão de fome, reduziu bem sua clientela. Mulheres mais pudicas e conservadoras não iam se tratar com ele, pois achavam que tudo não passava de uma piada de mau gosto. As que tomavam coragem de vencer os preconceitos e os fantasmas das gracinhas posteriores eram obstadas pelos maridos ciumentos que preferiam ter uma úlcera a ver suas esposas sendo tratadas por um Durão da vida. Assim, as pacientes do dr. Durão eram mulheres solteiras, sem preconceitos, de cabeça aberta e as casadas cujos maridos eram dobrados por elas, pois conheciam de antanho a competência do seu ginecologista. E, sem qualquer maldade, segunda intenção ou linguagem figurada, não trocavam o Durão delas por nenhum outro. Pior que a cabeça pequena das pacientes em potencial perdidas, era a gozação dos colegas. Toda reunião na Casa do Médico, o dr. Durão era alvo de chacota. Os novatos recém saídos da residência faziam questão de conhecê-lo pessoalmente, achavam que era gozação. E ele não estava nem aí. Essa fama de durão nem lhe mordia os pés. Era orgulhoso do seu sobrenome e o foi até o dia em que resolveu abandonar o sacerdócio da saúde feminina. Outra festa na Casa do Médico e depois dos brindes de despedida, do discurso (que a cada vez que se citava o nome do homenageado, um risinho ecoava no salão), seus amigos mais próximos foram ter com ele:

- Roberto (os amigos não lhe chamavam de Durão por nada), depois de quarenta anos clinicando, mesmo não tendo tantas clientes, você nunca se deixou levar pela gozação. Todos os encontros, simpósios você era o alvo e você nunca se abalou, como conseguiu isso?

- Não deixo me atingir. Durão é meu nome, trago comigo a marca da família portuguesa da qual descendo. Fui um ótimo ginecologista, minhas pacientes, mesmo sendo poucas, nunca tiveram uma reclamação de mim. Poderia ser pior. Eu podia ser proctologista e, aí sim, morrer de fome. Ou algum de vocês deixaria o Durão fazer o exame de próstata?

Os amigos, mesmo médicos cultos e conscientes da importância de tal exame não responderam. Essa era uma hipótese deveras constrangedora.


Francisco Libânio,

06/11/09, 9:41 AM



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