Dia de jogo do Brasil na Copa. A partida, por questões de fuso horário, vai ser às quatro horas da tarde aqui. E isso dá o direito a diversas repartições, sejam elas públicas ou privadas, comerciais ou governamentais, de encerrar o expediente mais cedo. Às três. E contra patrão não se põe questão. Ainda mais quando envolve colher de chá. Aí nosso amigo sai do trabalho e vai tomar o ônibus pra gozar do dever cívico quadrienal de se torcer pela seleção. Só que ele não era lá muito fã do esporte bretão. Não tinha time, não se interessava. Pra ele, o Raí ainda jogava no São Paulo e gente como Kaká e Ronaldo ele só sabia quem era porque as notícias importantes eram intercaladas pelas novidades da Seleção. Chega ao ponto enquanto via lojas fechando e todo mundo indo pras suas casas e ele resolveu curtir uma pouco mais sua folga. O problema foi que ele estendeu e ao olhar no relógio já eram quatro e meia. Não tinha ninguém nas ruas. Fácil saber se o Brasil fez gol, bastava ouvir os rojões. Aí, ele foi pro seu ponto. Só um outro cidadão esperava o ônibus. Puxou conversa:
- Perdeu o começo do jogo?
- Perdi, mas deixa pra lá. Era contra quem?
- Não faço a menor ideia.
- Tudo bem. Futebol só me vale a final mesmo. E ainda assim... Só se não tiver coisa melhor pra fazer.
- Eu também não sou fã, não. Não tenho paciência.
- Eu também não. Futebol deixou de ser entretenimento. Virou negócio. E dos bons, que movimentam uma baba!
- Mas não é? Esses caras ganham demais pra ficar chutando uma bola e tomando canelada, onde já se viu?
- Absurdo!
- Pois é. O que o Kaká ganha por mês no time dele lá fora, eu sustento a minha família até chegarem os meus netos, que ainda estão longe de virem.
- Você tem filhos?
- Um pequeno, seis anos ainda. Deu pra ser corintiano só porque o Ronaldo joga no time. É fã dele. Sempre quer que eu leve ao estádio. Deixo pro tio, que adora essas coisas. Eu quero meu domingo pra descansar, sair com a esposa. Nada de futebol. E o senhor?
- Eu tenho quatro. Tudo mais crescido. Uma briga
- O senhor vê? O povo babando o ovo dessa gente e eles nem aí pra gente. E quando vão pedir atenção, autógrafo, tocam os seguranças em cima dos fãs.
- O que eles queriam, eles já conseguiram. Agora que se dane.
Calaram-se. O ônibus não chegava. Será que até as empresas de ônibus deram folga temporária pros seus choferes? Nosso amigo dava tudo por um banho fresco, um prato quente e uma poltrona. O outro estava com o olhar perdido no mundo. Nosso amigo puxou papo de novo.
- Acho que ninguém fez gol ainda. Não ouvi rojão estourando.
- Deve ser. Casa de fogos ganha uma baba em tempo de Copa. Cachorro é que não gosta. Lá onde eu moro, quando solta rojão, a cachorrada faz um barulho que vou te contar.
- Onde o senhor mora?
O outro se calou. Era discrepante as duas figuras. Nosso amigo todo arrumado e com roupas bem gastas. Talvez não quisesse falar onde morasse por vergonha de ser pobre. Coisa boba. Mas, com o assunto interrompido, o que estava no ponto retomou a conversa:
- Você trabalha onde?
- Sou funcionário público do governo do Estado. Trabalho num prédio virando a rua que cruza essa. Não é longe daqui.
- Sei qual é.
- E o senhor, trabalha em quê?
- Olha, eu trabalhava como auxiliar de limpeza numa empresa lá no Brás, mas aí teve corte de gente, fui mandado embora. Fiquei desempregado por um ano e virei assaltante. Agora me passa o relógio e a carteira que meu ônibus tá chegando e talvez dê tempo de eu pegar a metade do segundo tempo. Vai logo, playboy!
Francisco Libânio!
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