sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Tempos Antigos


Deu-lhe na veneta a idéia de comprar uma máquina de escrever. Não que quisesse aposentar seu laptop, mas, talvez, dar-lhe um descanso. Talvez pela precavida intenção de dar menos dinheiro à Companhia Elétrica, mas muito mais que tudo isso por um repentino surto nostálgico. Bateu a todas as portas procurando uma e encontrou, pela qual pagou uma pechincha. Só não lhe saiu de graça porque o seu ex-dono queria fazer algum lucro. Mas o objetivo foi alcançado e logo ele arrumou em sua mesa um espaço para sua aquisição.

A máquina lhe trazia lembranças. Quando falava em infância, lembrava-se dos bom-bocados de sua avó todo domingo e dos estalares sempre acabados com o som metálico da máquina no escritório de seu pai. Para estrear em grande estilo e fartar sua saudade, deu de escrever uma carta para a filha que estudava fora. Talvez ela nunca tenha visto uma carta datilografada. Escreveu-a ocupando uma folha toda. Novidades pra encher tanto papel? Não, não tinha tantas, mas se demorou em descrever os dias lindos que fizeram bem como minuciou as idas ao Centro para fazer compras. Como se a moça nunca conhecesse os hábitos metódicos do pai.

Quando a esposa viu a máquina em casa, perguntou dela e ouviu uma arenga pela volta de certos hábitos, mas ele jurou que não abandonaria seu laptop, afinal, apesar de ter lá seus quarenta e cinco anos, sentia-se a verdadeira ponte de mão dupla entre a modernidade na qual cresceu a filha e os costumes em desuso que regaram sua infância. Quando descansou da máquina, estava assistindo ao jornal da noite com a esposa e pensou por que não ter uma outra televisão. Não igual à imensa tela plana da sala, que rivalizava com a janela, mas uma menorzinha e, melhor, em preto e branco. Claro, afinal se as melhores coisas que ele assistiu quando criança eram nesse sistema, por que mudar? Deixou no ar a idéia para a esposa, que rechaçou. Mas era decidido. Apareceu dali três dias com uma TV do seu gosto e a esposa disse que só no quarto. Ele topou. Ficou meio chateado porque a TV era boa, mas a sua programação era a mesma da outra, só que sem o multicromo. Mas não reclamou. E assim era seu dia. Trabalhava com a máquina de escrever (e fazia serão em casa feliz só pra poder ouvir o delicioso som das teclas) e à noite assistia ao jornal e às novelas na sua pequena televisão. Isso afastou o casal, claro. A mulher não entendeu esse repentino e, desagradavelmente, duradouro desejo de se ver numa outra época. Por ele, muitas outras coisas na casa mudariam. Algumas, a contragosto dela, foram surpresas com as quais teve que se resolver. O laptop, que ele não abandonaria, foi vendido para que pudesse comprar um toca discos. E discos, claro. O gramofone que ele sonhava, não achou. O casamento se viu ao final quando ele pensou seriamente (pois a mulher jurou que ele estava brincando, mas não) em reformar a cozinha para fazer um fogão à lenha. Ele e a esposa se separaram, a filha preferiu não tomar partido, pois achava interessantes (pra não dizer engraçadas) essas novas manias do pai em querer viver como noutra época. Ele dizia que a tecnologia, apesar de todos os benefícios, de ter aproximado as pessoas com a Internet, ter dado mais rapidez àquilo que se demorava dias ou meses pra se fazer e facilitar sobremaneira a vida das pessoas, tornou o homem quase um autômato lhe devolvendo estresse como prêmio pela comodidade. E ele queria se livrar disso tudo. Certa forma, a menina saiu ganhando com isso. Desgostoso de ser encontrado a todo e qualquer momento, ele deu pra ela um celular que batia fotos, filmava, entrava na Internet, tinha TV e rádio e, também, servia pra fazer ligações. Apesar de desfeita, a família manteve-se num clima amistoso. Foi amigo de sua esposa por toda a vida, inclusive do novo marido dela. E todos se divertiam ao visitá-lo em seu sítio conversando sob a luz de lampiões até o amanhecer.


Francisco Libânio,

10/12/09, 3:15PM

2 comentários:

Игорь disse...

Bem interessante teu conto .

Procura na internet o programa "sound pilot" - simula o som da máquina de escrever . Quase fiquei maluco . A nostalgia se desfez ....

Agora , uma lamparina e bom fogão de lenha ...Algumas memórias não se desfazem .

Obrigado por despertá -las .

abraços

Cristina Coutinho disse...

parabens pelo blog!