sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Casa Nova



Batalharam muito pela casa nova. O bairro estava longe de ser uma Barra ou os Jardins, mas estava lá. Sairiam do aluguel e do financiamento, poderiam fazer as reformas que bem entendessem sem dar satisfação a ninguém e o dinheiro de um financiamento seria usado para um passeio mais caprichado. Era um jovem casal recém nupciado que conseguiu realizar seu sonho. Entraram na casa nova (e mobiliada. O que podia estragar o passeio caprichado era o carnê, mas se planejaram) em grande estilo. Ele pisando com o pé direito e carregando a mulher ao colo, como devia ter sido na lua de mel.

Aliás, lua de mel pode ser a expressão a definir a primeira semana deles na casa nova. Apesar dos dois anos de casados, primeiro numa casinha emprestada pelos pais dela e depois noutra melhorzinha alugada, comportavam-se como se tivessem saído da igreja. Cheios de momomós e nhenhenhéns, até o lanche da tarde, um simples sanduichinho de mortadela, era iluminado a luz de velas. Romantismo absoluto e verdadeiro. Brigaram? Claro que sim. Algumas vezes, mas prometeram na lua de mel – a primeira – que nunca iriam levar essas brigas pra cama, afinal, já dizia a mãe do moço que em cama de casal nunca pode ter três, seja o terceiro homem, mulher, bicho ou mágoa.

Na segunda semana, teve o dia que o carro empacou no congestionamento e ela ligou preocupada pra saber e aliviada ao ouvi-lo. Também teve o dia em que ele chegou pra jantar e ela perdeu a hora na casa dos pais conversando. Ele ficou feliz com um rissole de palmito e uma coca cola. O que vale é que eles fechavam a noite abraçados na cama contando seu dia. Mas, de problema mesmo, foram só essas vezes. E de mais a mais, que casal não tem seus contratempos?

Falavam muito sobre alguma reforma na casa nova, mas como presente de casamento para as bodas que viriam. De aço, de pérola, até as de ouro, se eles chegarem até elas. Hoje em dia tantos casamentos sucumbem logo que, com dois anos, já se sentiam quase sobreviventes matrimoniais. E se Deus quisesse, a casa seria testemunha do desenrolar. Festejaram o terceiro ano de casamento, mas não fizeram nenhuma reforma a não ser decorar o quarto vago. O terceiro elemento da família estava a caminho. No quarto ano, a festa do menino foi na piscina nova.

Os anos iam passando e a casa nova ia deixando de sê-la. Fora alguma reforma, mão de tinta ou móvel novo, a casa continuava a mesma e os amigos, vendo que o casal prosperava no batente, aconselhavam uma casa nova. Que fosse maior, mas eles não arredavam pé. Aquela casa era tratada mesmo como bem de família. No sétimo ano de casamento, após o nascimento da filha caçula, decidiram que a prole já estava de bom tamanho. Resolveram esperar e fazer a primeira reforma grande, a dos dez anos de casados. A casa ia perder um pouco do quintal, mas um quarto novo e uma suíte apareceriam. Durante os meses em que ela se deu, voltaram pra casinha emprestada dos pais dela. Foi quando tiveram suas primeiras desavenças sérias e foi, temporariamente, esquecido o lema de não levar brigas pra cama, afinal durante uma semana, ele dormiu recolhido num sofá. A coisa realmente ficou muito feia. Os amigos temiam pelo pior. Dez anos de casamento, a primeira grande reforma na casa nova (apelido carinhoso do cantinho) e aquele simpático casal sobrevivente se debatia nas garras do cotidiano. Separação? Falava-se implicitamente nisso, mas nunca com essa palavra. A expressão mais branda era “dar novos ares a nosso casamento”. Mas a coisa corria complicada. Os filhos pouco sabiam. Diante deles, o casal encenava muito bem a família de comercial de margarina. Longe, o clima entre eles beirava os melhores filmes do Tarantino. Mas sem sangue nem instrumentos cortantes. O clima foi feio até o dia em que, finalmente, a reforma teve cabo. Voltaram à casa nova com suíte, quarto extra pra menina e brinquedos para as crianças. Os amigos davam como esforço inútil, mas não. A visão da nova casa nova serenou todos os ânimos. Chegaram às quatro décadas juntos e aos netos com outras reformas e o mesmo filme. Fora da casa, tensões verdadeiras e falsas – eles, às vezes, adoravam simular as brigas só pra deixar a impressão de que fora da casa nova se instaurava o caos. E fora os mais chegados, todo mundo acreditava. Mas todos sabiam que a casa nova tinha uma aura especial.


Francisco Libânio,

11/12/09, 10:33 AM


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