sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Zé Ruela

Essa aconteceu comigo num desses dias que eu voltava pra casa de ônibus. Eu estava no meu canto, já tinha passado a roleta muito bem vindo de algum lugar, como diria o poeta, com o carro parando no centro. Ele não estava muito cheio. Éramos eu e mais uns sete quando entra um sujeito maltrapilho, de camiseta aberta, calça rasgada e um boné seboso que pintaria de verde vivo qualquer bafômetro. Entrou por trás e queria que o motorista esperasse entrar, além dele, dois cachorros, o que o chofer achou um abuso. Um sem pagar o bilhete ainda vai, três não. Quando pôs o carro em marcha, ele foi interrompido por outro passageiro, esse mais bem alinhado, mas em igual estado de canjebrina.

- Esse ônibus vai pra Washington Luís?

- Não senhor, ele só cruza ela. Nem pára. – respondeu o paciencioso motorista.

- Qual o ponto final dele?

- O estádio.

- Então vambora! – ordenou o outro entrando pela frente estabelecendo um caminho lógico como se entre São Paulo e Rio de Janeiro estivesse Porto Alegre. O motorista, que não tinha nada a ver com isso cumpriu seu papel. Ao se sentar e olhar pra trás, encontram-se os dois que devem ter se desencontrado no mesmo bar por questão de minutos. A conversa fluía com aquela intimidade que só os manguaçados sabem. Mas por pouco tempo.

- Bão? E aí? Como vai a família?

- Vai bem, graças a Deus. Mulher bem, filhos bem. Todo mundo só me dando orgulho.

- Deus abençoe. Minha família vai bem também. Só minha mulher que me preocupa. Ela tá bem até demais, mas desconfio que ela tá me passando a perna com um zé-ruela que...

- Repete se for homem!

- É um zé-ruela que parece que me enfeita a cabeça e...

- Escuta aqui, como você me chama de zé-ruela, seu imbecil?

- Eu não estou falando do senhor.

- Ah, sem essa! Coisa que eu odeio são esses engomadinhos que olham a gente e só porque a gente somos pobre, o cara fica tirando. Isso não vai ficar assim!

O clima esquentava conforme o ônibus rodava. A situação ficava tensa ao mesmo passo que tomava ar de tragicomédia. E pior que encrenca gratuita em ônibus é gente que a fomenta. E nem isso faltava. O almofadinha da frente e o indigente de trás, rápido, já constituíam seus respectivos partidos. Dois moleques que chegaram um ponto depois deles e estavam sentados no banco da frente e outros três vindos comigo acomodados na parte de trás eram uma assistência vip para o embate que se arrumava:

- Ih, xingou a mãe. Ah, eu não deixava!

- Olha lá, te chamou de corno, rapaz! Vai deixar barato?

- Percebe a cara de sarcasmo que ele tá fazendo, nego. Ele quer cuspir em você.

Em dada hora, o maltrapilho, movido pelo álcool e pela exortação da torcida, não se segurou:

- Então vamos resolver isso que nem macho! Agora a coisa é no muque!

- Ah, sai pra lá, tio! Quebro sua fuça com a mão nas costas!

Se quebrou ou não quebrou, eu não sei. A valentia dos dois em ameaçar era tão grande e cerimoniosa que meu ponto chegou antes que os dois saíssem no braço. No dia seguinte, de manhã, perguntei para duas moças que estavam comigo àquela hora que fim teve a briga. Uma delas disse que um desceu num ponto, o outro desceu dois pontos depois dizendo que ia estraçalhar o primeiro. O que eu vi, ao chegar ao trabalho, foi a foto dos dois no jornal ilustrando a matéria em que dois homens foram internados com coma alcoólico, cada um em um bar diferente e, mais abaixo, os malefícios da bebida na vida moderna.


Francisco Libânio,

25/10/09, 8:54 AM



Um comentário:

Sandra Timm disse...

Morri de rir!!!!!!!!!!!!

Adorei a história, Chico. Tua narração é ma-ra-vi-lho-sa.

Conta mais!