Tá legal. É preciso que eu escreva uma crônica, um conto, uma poesia, um verso que seja – desde que não seja batatinha-quando-nasce – pra cumprir a cota de hoje. Vamos a ela. Ou ele. Como fazer? Pergunto pra minha consciência, e ela, naquela preguiça de sexta-feira, responde com educação marinheira:
- E eu que sei? Quem se meteu a ser escritor aqui foi você, não eu! Cuida aí dos seus poemas que eu tenho mais o que fazer. E não se esqueça de me chamar pra hora do almoço. Passe bem!
Certo, certo... Segunda, vou colocar essa subversiva numa escola de bons modos. Já que ela não pode me ajudar, vamos buscar inspiração em outro lugar. Nessas horas, um livro do Drummond sempre ajuda. Leio duas crônicas dele, dou boas risadas e alguma idéia aparece. Isso é bom. Já dizia o Chacrinha que nada se cria, tudo se copia. Mas não vou ser desonesto
Aliás... É isso! IMAGEM! Tudo o que eu preciso é uma imagem. Mas não imagem de foto ou procuraria um livro do Sebastião Salgado. Vou dar uma volta pelas redondezas e ver o que meus olhos captam. Para que a coisa saia a contento, dou um rolê pelo São Judas, que é perto de casa, mas termino indo ao Parque do Povo mesmo. O que vejo são jovens correndo, madames levando cachorrinhos pra passear e sol. Muito sol! A primavera chegou aqui nos rincões do Oeste com o cartãozinho do verão. A coisa vai ser tórrida. O lado bom é que calor e roupa são grandezas inversamente proporcionais, principalmente para as mulheres, e ver o mulherio andando com tops e shortinhos é um colírio para os olhos. Mas não dão um bom texto. Melhor voltar pra casa.
Mais Drummond, um pouco de conversa. Alguém precisa ter uma idéia para eu roubar. Roubar, não, que é muito feio. Tomar emprestado surdinamente é melhor. Mas parece que tanto a TV quanto os que me cercam andam tão vazios de idéias quanto eu. Mais Drummond. A idéia que eu tive no primeiro encontro com o poeta mineiro caiu em algum lugar do meu passeio e não vou procurá-la na rua. O solo onde eu devia plantar uma coisa escrita está nu. O rei está nu, mas ele pelo menos tinha um orgulho enganado pela vaidade. Eu não posso ficar pimpão por estar nu. Nem tenho motivos pra isso.
Vou ao computador e ele custa a ligar. Nem ele me ajuda. A sexta promete... Uma folha branca aparece na minha frente e hoje a tática vai ser oposta. Normalmente escrevo pra depois dar nome. Hoje vou dar nome e escrever. Assim, o título já existe: Desenvolvendo. Mas desenvolvendo o quê? Não sei... Ô inferno! Então, eu me meto num colóquio telepático entre mim, minha necessidade de escrever e o computador com a tela branca virgem esperando ser deflorada com alguma idéia: “Tá legal. É preciso que eu escreva uma crônica, um conto, uma poesia, um verso que seja – desde que não seja batatinha-quando-nasce – pra cumprir a cota de hoje...”
Francisco Libânio,
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