terça-feira, 20 de julho de 2010

Dia do Amigo


Assim que acordou e ia ao trabalho, Geraldo abriu a porta de casa e deu com uma bela e farta cesta de café da manhã à sua porta. Pensou ser trote de algum desocupado, prêmio de algum sujeito pródigo e logo voltou à realidade quando leu o bilhete que vinha junto com o inesperado presente:

Ao meu querido Geraldo pelo dia de hoje do sempre estimado amigo Rui

Ora, o Rui era um colega de repartição. Trabalhavam juntos há anos, conversavam às vezes, mas pouco. Amigo era querer demais. Sabia que o Rui era uma pessoa difícil. Os convivas comuns e mais próximos diziam que era intratável quando estava naqueles dias mordidos. Mas pessoalmente, com ele, Geraldo, nunca nenhum problema. Fora uma vez ou outra que se encontravam fora do prédio e ele fazia que não conhecia. Rui, com sua família – devia ser família, mulher e duas crianças –, não parecia que esquecia do mundo. Devia ser um grande distraído esse Rui. Trouxe a cesta para dentro de casa e fez, com ela, o café da manhã mais abastado de uns bons tempos. Na verdade, o segundo do dia. Isso roubou alguns minutos lembrados pelo ponto. Estava atrasado, mas valeu a pena.

Foi procurar Rui que, ao vê-lo, foi só mesuras. Um abraço apertado:

- Geraldo, meu velho! Recebeu meu presente?

- Sim, obrigado.

- Não agradeça. O que não fazemos pelos amigos?

- Mas deve ter doído no bolso...

- Dor nenhuma, meu camarada. Precisamos nos unir mais. Percebeu como essa repartição é? Trabalhamos há tantos anos juntos uns com os outros e nem sabemos direito os nossos nomes. Andei pensando nisso a semana toda. Precisamos fazer dessa casa uma casa de verdade, um lugar em que não nos vejamos como colegas de trabalho, mas como amigos.

Nunca imaginou ouvir tudo isso do Rui. Na verdade, nunca imaginou ouvir nada do Rui que não fosse um bom dia e um até logo no elevador. Mas ele buscou em sua mente. Rui estava tinindo de razão. Às vezes aquelas mesas próximas pareciam guardar uma verdadeira odisseia de distância afetiva e humana. Quem eram seus amigos em tantos anos de labuta? O Queirós? Mas o Queirós nunca tinha ido à sua casa. O Renato? Mas o Renato, que já fora à sua casa, nunca o chamou pra ir à dele embora vivesse com aquela ladainha de “precisamos nos visitar”. Percorreu todos. O Nogueira, o Ramiro, o Mendes, puxa... O Mendes quase foi padrinho do seu filho e hoje mal trocavam uma palavra na hora do cafezinho. Realmente, aquele departamento era mesmo um deserto de intimidades. O Governo trabalha tanto pra reciclar empregados e atitudes e nunca pensou em nada disso. Foi preciso um dos empregados mais sisudos e calados dar essa sacudida. Conversou com alguns colegas, que também receberam, senão uma cesta, uma garrafa de vinho ou, no caso das mulheres, um ramalhete de rosas. Todos estavam surpresos com o que o Rui fez. E todos concordavam que estava mais do que na hora daquele grupo de trabalho se unir e ser mais coeso. Durante aquele dia, recebeu mais cumprimentos do que todo o bimestre. Geraldo percebeu que a atitude do Rui contagiou mesmo o ambiente. Não entendia, no entanto, o lance do “dia de hoje”. Era alguma data especial e ele não sabia? Não pensou muito nisso. Voltou pra casa e contou que o clima no serviço estava como há muito ele não via.

No outro dia, ao topar com o Rui, resolveu vestir a camisa do seu propósito e partiu para um abraço como o de ontem. Estranhamente, Rui se esquivou. Disse que estava com pressa e depois conversariam. Foi o mesmo com todos os outros. Pouco a pouco, a aura positiva do dia anterior foi esmorecendo. A repartição foi voltando ao normal e ficando a mesma pasmaceira de sempre. Geraldo sentiu falta da festa que teve no dia de ontem. Foi quando pegou da pasta o cartão que Rui mandou. Leu atrás o que não tinha lido:

- Feliz Dia do Amigo.

E amassou o papel jogando-o longe mandando pro espaço essa amizade de dia marcado. Prometeu que jamais daria a mão ao Rui, esse canalha escroque que, para ódio de Geraldo, lançou-se candidato à Câmara Municipal, como se descobriu depois.

Francisco Libânio,

20/07/10, 9:13 PM


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