sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O fim


- Sônia, precisamos conversar.

Ela já sabia que vinha coisa feia por aí. Quando o marido a chamava pelo nome era sinal que o dia ia ser longo.

- O que significa isso? – Ele quis saber.

- Amor, não é o que você está pensando.

- Então me explique porque seus vestidos estão assim rasgados? E logo os dois que eu mais gosto!

- Meu bem, foi um acidente...

- Acidente?! – Ele não se conformava – Acidente?! Ontem foi sua calcinha, a quarta nesse mês; semana passada a sua camisola e agora seus vestidos? E justo aqueles com os quais você ficava mais linda? Desculpa, Sônia, isso não pode continuar. Eu já fui tolerante, já fui compreensivo, já passei até pela fase da compaixão. Eu sei que você precisava de fazer isso porque era uma necessidade sua a de ajudar o próximo! Mas assim não dá pra continuar.

Ela tentou, mas não conseguiu conter o choro. Ele estava transtornado com aquela situação, mas não lhe tirava um fiapo de razão. Certo, certo, que as roupas menores e a camisola fossem rasgadas, despedaçadas, mordidas, arranhadas, ele transigiria porque são substituíveis, mas aqueles vestidos rasgados daquela forma... Não dava nem pra inventar uma desculpa pra poder se safar ou quem quer que fosse. O vestido azul ele deu de presente de dez anos de casamento, o vermelho colante que realçava as belas formas da esposa, era jóia daquele armário. Ela sabia cada pormenor da história dele. Que quando ele estava numa viagem de negócios a Buenos Aires, andando pela Recoleta viu aquele vestido numa vitrine e, de cara o imaginou vestindo sua linda mulherzinha. E nem que tivesse que voltar da Argentina a pé, compraria aquele vestido. E agora estava ele lá com um rombo inconsertável e muito bem disfarçado pra que ele não visse. E pior... A mulher foi cúmplice nesse crime. Ele saiu do quarto sem dizer mais palavra enquanto ela tentava se recompor.

Passaram-se uns vinte minutos, ele estava assistindo TV quando ela chegou com a feição totalmente mudada. Chamou-o para o mesmo quarto e apontou:

- Eduardo, que manchas são essas?

Ele ficou branco. Não sabia como tinha deixado passar aquelas manchas na camisa. Deus do céu. Sua camisa predileta. A primeira coisa que lhe veio a cabeça foram as pessoas olhando para ele na rua com caras abismadas. Aquelas manchas nas costas para quem quisesse ver... Onde já se viu um pai de família, cidadão responsável andar com uma camisa naquele estado? Ele pensou, pensou e voltou para a mulher em tom acusador:

- Isso tem a mesma causa dos seus vestidos rasgados!

- Não me venha com essa conversa, Eduardo! Você sabe muito bem que não tem nada a ver uma coisa com a outra!

Acuado pela desconfiança da mulher, Eduardo sacou de uma gaveta outras camisas, camisetas, bermudas com manchas iguais piores, quando não rasgadas e meladas.

- Está vendo isso? Sabe desde quando essa rouparia toda está assim? Desde quando eu vi suas calcinhas esfarrapadas do nada. Eu estou guardando isso, tentando ser maior que isso tudo, mas não dá. E você agora vai fazer o quê? Como vai se defender nessa situação. Sinto muito, Sônia, mas acho que estamos caminhando para o fim.

Ela chorou copiosamente. Não acreditava que a situação chegasse àquele nível. Os dois brigando por conta de roupas manchadas e rasgadas. Logo eles, um casal maduro quase se matando. Ela não podia deixar isso assim e foi ter com ele na sala:

- Eduardo, você acha mesmo que estamos indo para o fim?

- Acho, Sônia... Sabe, não dá mais pra continuar assim. Vamos sempre ser incomodados por nossas roupas destruídas. E sabemos que a tendência é piorar.

- Mas, Eduardo, e as crianças?

- Elas irão entender, Sônia. É muito melhor tomarmos essa decisão dura. Não vamos conseguir esconder delas o óbvio. E outra, vai doer, mas eles vão aceitar e vão nos dar razão. Se não hoje, um dia.

Doeu no coração da esposa, mas ele tinha razão. No dia seguinte, demitiram Janete, a lavadeira de confiança da família, xodó dos filhos, mas que andava relaxada no serviço há tempos. Mas rei morto, rei posto e Nair começou ontem a lavar roupas na casa.


Francisco Libânio,

20/12/09, 10:34 AM


2 comentários:

Sandra Timm disse...

Eu me achando burra, que não estava entendendo o texto...

hajhahaha

foi ótimo! Vc foi demais!!!!!!

Adorei

Bom findi

Beijo

Juliana Matos. disse...

Tem presente pra ti no meu palavras em vão!
beijos!!