sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Almas Gêmeas

Formavam um belo casal. Andavam pela rua de mãos dadas como dois namoradinhos adolescentes, mas já tinham lá uma boa idade. Ele contava com trinta e quatro anos e ela com vinte e nove. Namoravam há oito meses e tinham sérios planos de casar, morar juntos. Constituir família, que não tinham ainda, coisa rara nesses tempos em que casais se desmancham deixando pra trás filhos. Enfim, era um casal normal, um desses tantos que a gente vê na rua aos beijinhos e em conversinhas meigas e risos animados. Ou seja, essa crônica seria mais uma de tantas sobre as coisas que tanta gente vê e não escreve sequer uma linha.

Acontece que esse casal não era, digamos, um casal exatamente atraente. Ele era um sujeito farto de carnes, daqueles que o politicamente correto aconselha (com um advogado a tiracolo) a chamar de obeso mórbido. E além disso, era careca com uns bravos resistentes a povoar a cabeça, mas uma fartura capilar ao sul. E tinha o peito cabeludo e fazia questão de ostentá-lo com a gola da camisa aberta. O sorriso, esse tão aberto quanto a gola que lhe revelava a pilosidade peitoral, lembrava aquelas torres de castelo medievais. Mesmo assim não lhes bastavam os sorrisos. Eram muitos. Eles e o peito cabeludo (além da simpatia, claro) conquistaram a mulher, essa uma simpática morena trigueira que se orgulhava dos olhos de Juliana Paes que tinha. E realmente pareciam. Tanto que se orgulhava, depois de mulher, do apelido que tinha quando criança: Mantena. Ela leu em algum lugar que La Paes tinha o mesmo apelido. O corpo, por sua vez, não lembrava em nada sua ídola. Poupando as descrições pormenorizadas, vale dizer, somente, que ela não era o tipo de mulher que chamaria a atenção se vestisse um biquíni. O sorriso da moça, tão farto e fácil como o do amado namorado, revelava aquilo que os maldosos chamariam de 1001. E ela nem dava por isso. Como ele, ria assim mesmo.

Encontrei esse notório casal na fila do banco. Como a agência estava cheia e até nossas vezes chegarem íamos cozinhar, puxei papo. Achei interessantes os carinhos indiscretos, mas comportados deles. Apresentamo-nos, eles me contaram que iam tratar da conta conjunta e dos planos de casamento. O simpático casal gostava de falar. Ele sempre guiava a conversa com ela a acrescentar uma coisa ou outra. Discretamente, eu percebia que o casal chamava a atenção no banco e, talvez, eu também por dar tamanha confiança a pessoas tão fugidias do que se convencionou chamar de bonito. Era difícil não perceber as risadas, as conversas de rabo de olho e o olhar curioso dos que observavam nossa mini conferência.

Ele contou que já tinha passado dos trinta anos e que tinha consciência que não era o sonho de consumo das mulheres. Então resolveu tocar sua vida sozinho trabalhando com assistência eletrônica e informática, saindo com os amigos pra tomar chope e petiscar. Assim, sozinho, não abriria mão de um dos seus poucos prazeres: o teatro. Adorava ver peças. Numa dessas, encontrou aquela que seria o amor da sua vida. Sozinha, achegou-se à fila, perguntou se ela era a última e respondeu dizendo que ela não era mais, que esse posto agora era dele. Ela disse que achou engraçada a abordagem dele. Ambos disseram que não se tratava de paquera.

- Quando eu a vi, nem pensei em nada nem ninguém. Eu queria vir o teatro. Ela puxou conversa e eu fui gostando do jeito dela. – ele explicou. E ela adorou o jeito dele, brincalhão, extrovertido e sagaz. À peça, não assistiram juntos, mas marcaram de irem à da semana seguinte. E enquanto o outro sábado não chegava, foram trocando telefonemas, recados. Após à peça romântica que foram ver juntos, resolveram comer alguma coisa e ele a pediu em namoro quando soube que ela não tinha filhos:

- Eu pensei que ela fosse separada, tivesse filhos e um marido chato atrás. Não queria problema pra minha vida.

Chega a vez dos dois no caixa, eles resolvem tudo bem como eu e, ainda nos despedimos na saída do banco. Eu tomo meu rumo e eles o deles. A platéia que assistiu o papo ainda me olha de través. Agora o engraçado. Todos estavam sozinhos ou nem aí pras suas namoradas, esposas, o que fossem elas.


Francisco Libânio,

22/12/09, 10:22 PM


extraído de http://somuchdamage.com/stuff/ugly%20couple.jpg


2 comentários:

Juliana Matos. disse...

Isso demonstra que o amor verdadeiro ainda existe neste mundo louco!
Bjos Francisco e venha conhecer meu outro cantinho de poesias:
htt://www.palavraemvao.blogspot.com
espero vc!
Sempre lindas palavras aqui!

Cristiano Contreiras disse...

Carissimo,


Muito bom o contexto do seu blog!

te sigo, voltarei!