Eu não posso fazer isso, mas ele explode.
Quando a pessoa sabe que eu me meto a escrever poesia logo
deduz que eu seja algum guardião do Vernáculo e vem tirar dúvida comigo. Se
descobre, então, que sou professor chega exigindo a autoridade de um Aurélio.
Dane-se que a minha formação é em Geografia. Da minha parte, não me nego à
ajuda. Tão raro o interesse em escrever certo que a curiosidade é louvável. Do
meu saber, se puder, a dúvida será dirimida. Aí veio um cidadão e me perguntou:
- Moço, como se conjuga o verbo explodir?
- Tu explodes, ele explode, nós explodimos, vós explodis e
eles explodem.
- E eu?
- O que tem você? – Não resisto à piada inoportuna com um
estranho.
- Você falou todas as pessoas, mas não falou o eu. O que eu
faz?
- Nesse caso eu não faz nada – falo sério – O verbo explodir
é defectivo. Não tem conjugação pra
todas as pessoas, entendeu?
- Então eu não explodo?
- De jeito nenhum.
- E nem expludo?
- Muito menos!
- Mas é esquisito isso, seu! Verbo que não tem todo mundo
faz algo. E como eu faço pra fazer explodir se eu nem explodo nem expludo?
- Use um sinônimo. Algo parecido.
- Difícil arrumar algo parecido com explodir. Jogar bomba,
mas aí seria bombar, bombardear. Não é a mesma coisa.
No ponto de ônibus, uma conversa filósofo-filóloga não era o
que eu pretendia. A dúvida do distinto já estava resolvida. Agora discutir o
que se faz e propor ideias não estava nos meus planos. No entanto, ele
continuava em suas divagações, mas não me atentei muito até ser chamado à
atenção:
- Desisto! Explodir não é mesmo pra eu!
- Pra mim.
- Não, moço. Não enrola com os pronomes agora. Aqui é eu
mesmo. Posso ser meio sem estudo, mas em português eu gosto de estar por dentro
e a diferença eu sei. Não tô usando errado, não. Só fiquei bolado com a
história do explodir. Verbo defectivo... Essa eu não sabia que tinha.
- Mas tem. Explodir, abolir, falir...
- Eu falo.
- Eu também, meu amigo. Falar até papagaio fala. Mas eu não
falo, de falir. No máximo, eu entro em falência. Só nós falimos e vós falis.
Eu, tu, ele e eles não conhecem o verbo falir.
- Que bom seria, hein?
A conversa não estava tão divertida quanto ele imaginava.
Mas o rapaz trouxe, de novo, o explodir à baila e ficou matutando uma forma de
eu explodir sem usar o explodir. Não achava o que pudesse substituir sua
explosão. Pediu ajuda, mas eu não estava com meu lado incendiário ligado. Pensou
mais um pouco e desistiu de vez. Mas ainda teve a audácia de me acusar:
- Quer saber? O senhor não é professor coisíssima nenhuma!
Não acha um sinônimo que preste pra explodir. E quer saber do que mais? Tô
achando que esse seu papo aí de defectivo é conversa pra não me ajudar. Que o
senhor esteja com pressa e tenha seus problemas, eu compreendo, mas uma ajuda
não tira pedaço. Vou é procurar um professor de verdade. Passe muito bem!
Quem passou foi meu ônibus. Fui pra casa, assisti ao jornal,
pesquisei no dicionário e, de fato, eu estava certo. Fui dormir e essa história
sumiu da minha mente. No outro dia, antes de ir ao trabalho, dei uma olhada no
jornal e uma manchete me chamou a atenção:
- Ladrão e professor de português são presos tentando
explodir caixas eletrônicos.
E eu fiquei cabreiro. Pra nós, explodir tem conjugação. Mas
devido à falta de sinônimo, acho que ele não quis tentar sozinho.
Francisco Libânio,
05/04/13, 9:33 PM
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