Vixe!
- Mirtes!
- Romualdo?
- Quem é esse homem?
- O que significa isso?
- Oh!
A cena mais rodrigueana possível. Enredo idem. Estavam ali
esposa, marido e amante. Cada um errado em sua dose justa de culpa e sem
explicações plausíveis. Um segundo homem na cena nunca é algo normal quando se
trata de um casal. As bocas abertas, os olhares surpresos... A situação
mostrava quão tenso estava aquele quarto. Um movimento em falso seria
catastrófico, mas não sanguinário. Para ser menos rodrigueano, nenhum dos
cavalheiros portava uma arma, o que não descartava uma possível luta corporal
de mãos nuas. Nus como estava o casal na cama e o terceiro, que não se
conformava.
- Exijo uma explicação! – dizia um dos homens.
- Explicar o quê? – Mirtes, resignada de culpa e patética
diante do fato renunciara a qualquer argumento. A cena falava por si própria.
Assumia com o silêncio o papel de mulher de dois homens. Adúltera. Aquela que
seria para sempre apontada na rua como a mulher que tinha outro homem além do
seu marido. Não havia o que explicar.
- Meu Deus! Como nossos filhos encararão a mãe deles, Mirtes?
Me explica isso? – Romualdo pensava menos na mulher adúltera naquela cama. Era
um homem de visão mais holística. Aquela cena era apenas um elemento dentro de
um todo. Uma mulher na cama com um homem, e outro embasbacado a observá-los,
tomada isolada e separadamente era uma mulher como muitas outras dadas a
aventuras extraconjugais. Nos dias de hoje, fatores mil explicariam isso. Bem
conversado, com ajuda ou não de um profissional, cavoucando aqui e ali a
confiança, tudo poderia se resolver e ser superado. Mas Mirtes não era só uma
mulher atrás de aventuras. Era uma mãe de família, mãe zelosa e exemplar de
dois filhos menores. Os amiguinhos deles de escola admiravam a mãe legal que
Mirtes era com os filhos e eles. Por sorte – ou por pensado oportunismo – as
crianças estavam fora. Dormiriam na casa de uma tia. Nenhuma chance deles
correrem até o quarto como fez o homem a contemplar a mulher nua e o outro.
Romualdo também se preocupava com Mirtes frente aos pais dela. A filha caçula
depois de dois irmãos sempre foi a joia da casa. Romualdo agradece todo dia ao
sogro linha-dura por ter permitido levá-la ao baile em que eles começaram a
namorar. E conhecia Mirtes. Ela não sabe mentir. Nunca soube. Na certa deixaria
escapar esse episódio num almoço em família. Mirtes nunca foi muito boa em
contar, ou não contar, coisas inapropriadas. A tranquilidade familiar daquela
casa, que Romualdo admirava, e se sentia muito honrado em tomar parte, estava
por um fio.
Nesse episódio todo, esquecemos o terceiro elemento. O
inoportuno. O que não devia estar naquele quarto em momento algum na vida.
Aquele que encarava assustado Romualdo sem entender o que estava se passando e
olhava Mirtes com um misto de decepção e nojo. Mentira pra ele. Nunca disse que
era casada, que tinha um marido, que tinha filhos. Não era a primeira vez que
se encontravam. Pelo menos duas foram num motel e outras três na casa dela.
- Agora entendo porque você ficava cheia dos dedos
escolhendo horários, cronometrando nossos encontros. Era essa a tia velha de
quem você cuidava? A que estava dormindo no quarto ao lado e não podia ser
acordada? – Mirtes era meticulosa. Equacionava bem as horas em que marido e
filhos não estariam em casa pra receber o namorado. Sempre às quintas-feiras,
dia em que seu marido, ortopedista renomado, estava ocupado com duas ou três
cirurgias seguidas. Nesse mesmo dia, seus filhos tinham, em carreira, aulas de
reforço à tarde e inglês. Ela os deixava na escola e de lá iam com outra mãe ao
inglês. Da escola, Mirtes pegava seu amante e iam namorar. Quando não o
buscava, telefonava contando que a barra estava limpa e que ele podia ir vê-la.
Obviamente, nunca houve uma tia velha. Se Mirtes pedia silêncio era para a
vizinhança não ouvi-los. Mais tarde confirmou-se que o rapaz nunca tinha sido
visto no apartamento do casal. O porteiro o viu uma vez e acreditou quando ele
disse que era um parente vindo de Sorocaba da moça do 306. Foi ligar número e
pessoa e lembrou que o referido apartamento estava vago. Era distraído demais o
porteiro.
Amante e marido se encaravam. Mirtes se sentia a pior mulher
do mundo. Mentiu para o marido como mentira para o amante. Os dois homens de
sua vida enganados estavam naquele quarto olhando-se sem ódio, sem revolta.
Apenas surpresos e desapontados com a mulher que se deitava ora com um ora com
outro. Aos olhos do marido, Mirtes era a mulher que traiu a sua confiança e
punha a perder onze anos de feliz casamento. Para o amante, Mirtes era mais uma
dessas mulheres sedentas por sexo fácil atrás de homens mais novos. Só que ele
tinha brio. Não estava com ela apenas pelo belo corpo que os anos não lhe
roubaram, mas pela conversa agradável, pelo humor perspicaz da mulher que um
dia encontrou nas andanças da vida. Pior que ser um amante ele era um amante
apaixonado. Ambos esperavam de Mirtes qualquer reação, um pedido de desculpas,
um choro convulsivo, um pulo da janela do quarto. E ela estava tão letárgica
quanto eles. Ou até mais. O silêncio foi quebrado pelo marido:
- Sei quando estou sobrando. Vou arrumar minhas malas e
vou-me embora dessa casa. Ade...
Foi cortado pelo amante:
- De jeito nenhum! Quem sobra nessa história sou eu! Aliás, eu
nunca devia estar aqui. Não se dê ao trabalho de arrumar malas, meu caro.
Vou-me embora eu, que estou só com a roupa do corpo. Esta cama em que você está
é sua, a esposa também. Adeus, Mirtes! Que você e o Romualdo sejam felizes. Continuem
o que eu interrompi.
E de raiva, ele jogou a chave do apartamento, a mesma que
ela jurou que ele podia usar e jamais encontraria ninguém por lá além dela o
esperando.
Francisco Libânio,
25/04/13, 11:40 PM
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