Me deixa em paz, diabo!
Não é que fosse uma mulher antipática ou grosseira, mas dona
Eustáquia era uma senhora que, involuntariamente, conseguia ser o cúmulo da
inconveniência. Aquela que falava as coisas mais impróprias nos momentos mais
inoportunos. E isso juntava dois partidos em torno dela, o dos desafetos, que
queriam ver o Diabo cantando Calypso e não a dona Eustáquia falando o que fosse
e os que sentiam por ela uma compaixão do tamanho do mundo:
- É o jeitão dela. Deixa pra lá.
Já virando os quarenta e sete anos, dona Eustáquia
continuava solteira. Suas colegas da escola se casavam, eram mães, as que
pareavam em idade com ela já falavam até de serem avós e ela seguia lá sozinha.
Dizia ser opção. Talvez fosse mesmo. Opção dos homens. As colegas da escola, da
Igreja diziam pra ela maneirar, fechar a boca se ninguém falasse nada ou falar
apenas seguindo o fluxo das conversas. Algumas até apresentaram partidos legais
pra dona Eustáquia, mas não sobreviveram a um terceiro encontro. Sua lábia
estragada punha tudo a perder.
Um dia, numa das festinhas de confraternização da escola,
eis que aparece dona Eustáquia com um cacho pelo braço. Menino novo, pelo menos
uns quinze a menos que ela, bonitão, alto, cabelos castanhos e um ar de
intelectual. O choque foi grande. Logo dona Eustáquia, que não gostava de falar
sobre política nem sobre assuntos mais densos arrumar um figurão desses? Foram
conversar com a Eustáquia. Aí, hein? Demorou, mas desencruou. Ela estava toda
pimpona. Era o assunto da mesa. O partido segurava a mão de dona Eustáquia
apaixonadamente e dava beijinhos no rosto e selinhos discretos, afinal dona
Eustáquia não era dessas que gostava de se expor. Verdade é que foi o único
encontro da turma que andava com ela e o namorado. Dona Eustáquia se recusava a
ir a qualquer outro lugar com o namorado e as amigas.
- Ah, é que agora quero curtir meu moço, vocês entendem, né?
Não entendiam. Achavam uma tremenda falta de consideração.
Agora que namorava ficava que nem adolescente e esquecia as amigas? Não, isso
não podia ser assim. Lembravam que ela nunca mais chamou ninguém para as quedas
de buraco, para o café de fofocas e para as noites de vinho em sua casa. Agora,
fim de semana com a dona Eustáquia só o namorado tinha pleno e irrestrito
direito. Decidiram visitá-la de surpresa. Azar que dona Eustáquia estivesse
vendo filme com o namorado no DVD, comendo pizza ou mesmo num amasso daqueles
que deixava ela toda felizinha na segunda-feira. Não podia descartar as amigas
assim. As amigas que salvaram de tantas saias justas. Elas podiam fazer um
furdunço na casa de Dona Eustáquia, promover um vexame inesquecível, mas elas
tinham direito de participar da vida da amiga.
Marcaram, então de bater na casa da dona Eustáquia às nove
horas da noite e fazer uma surpresa. Deixaram os carros a uma quadra, foram em
procissão. Ao chegar, luzes da sala apagadas e um barulho rouco vindo de algum
lugar, duas vozes. Mas a voz não era a da dona Eustáquia e sim a do namorado. E
a outra? Era de mulher. Achavam que ele estava aprontando. Forçaram o portão,
acharam a porta aberta e entraram em turba casa adentro. Acharam dona Eustáquia
na cozinha fazendo um jantarzinho especial e o namorado no quarto conversando
com a mãe. Estavam armando o casamento da dona Eustáquia, que não gostou nada
da surpresa, da invasão e muito menos da suspeita. Quando contaram a ela que
cogitaram do namorado ter outra, ela tocou as amigas à vassouradas. Que
absurdo. Nem mesmo a dona Eustáquia em seus momentos mais absurdamente
inconvenientes e desagradáveis faria tamanha besteira e diria tamanha loucura.
O casamento foi dali vinte dias e nenhuma das amigas da dona Eustáquia foram
convidadas. Elas, no entanto, ficaram mais eustaquianas que a dona Eustáquia e
todo dia aparecia uma fofoca nova. O clima na escola ficou insustentável.
Francisco Libânio,
18/02/11, 11:28 AM
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