Tizgrila... Errei de novo!
Primeiro, foram os erros seguidos sobre o fim do mundo.
Depois, foram diversas mortes anunciadas que não aconteceram (nem safou ninguém
dos processos movidos pelos “morrentes”), ainda tiveram os filhos anunciados
que não nasceram (“Culpa dos pais incompetentes” se defendiam nos jornais) e,
por fim, foram todas as previsões que restaram infrutíferas. Foi o bastante
para o Grande Chefe da Ordem dos Videntes, uma confraria secreta, convocar uma
reunião em caráter especialíssimo. Todos os videntes, gurus, bidus e ditos
excepcionais tiveram que estar presentes.
A reunião foi num local secreto, completamente insuspeito:
Um templo de uma igreja protestante. Por acaso, o pastor dessa Igreja também
era um bidu, mas ninguém sabia. Para manter as aparências, a reunião seria um
culto de dia todo. Estava tudo certo e as aparências seguiriam as mesmas.
Esperavam-se cerca de duzentos videntes. Até o começo das
plenárias, só faltavam dois. Um dos que chegou atrasado alegou que tinha
perdido o ônibus. O outro não tinha chegado três horas após a hora marcada.
Resolveram abrir as conversas sem ele, que era justamente aquele que mais tinha
errado previsões e sofreria sabatina rígida.
- Deve ter sido medo! – falou um. Ligaram para ele, mas o
celular só dava caixa postal. Foi sem ele mesmo.
As conversas amenas e diplomáticas duraram só quinze
minutos. Depois disso, o templo se tornou um verdadeiro campo de críticas.
Primeiro entre os videntes e seus perseguidores, a imprensa, os clientes
(alguns eram pagos por previsões. A maioria devolvia o dinheiro em juízo), os
alvos de suas previsões.
- Eles não colaboram. Se aceitassem nossos oráculos sem
chiar, certamente o destino deles seria muito mais camarada. Mas não, querem
mudar o curso do rio. E quase sempre conseguem! Aí quem fica sem credibilidade
somos nós! – levantou um!
- Sinal que o Destino não é tão imutável quanto dizemos. Não
será hora de revermos esse axioma? – constatou outro!
- Jamais! – encolerizou-se um conservador que estava nas
últimas fileiras – O Destino é imutável. Se nossas previsões não aconteceram
agora não quer dizer que nunca irão acontecer. A vida é longa e o destino pode
esperar o momento oportuno. – e citou a história do rei Acrísio, avô de Perseu
para embasar sua razão. E não deu ouvidos para quem alegava ser mera mitologia.
Outro, para defender a ideia de rever a flexibilidade do Destino, lembrou que
havia previsões erradas há vinte anos que nunca se verificaram verdadeiras.
Alguns daqueles de quem se previram morreram sem ser acerto dos videntes.
- É mentira! – insistiu o conservador! E não tinha fato que
demovesse seu ponto de vista.
A flexibilidade do Destino já tinha convencido a maioria do
auditório. Alguns até já refletiam sobre a necessidade dos videntes no mundo. O
conservador e dois simpatizantes não agüentaram quando o presidente pôs em
pauta a dissolução da confraria e a proposição que cada um levasse uma vida
normal renunciando aos seus poderes.
- Canalha! Não se renuncia a uma dádiva! Somos escolhidos! –
disse o conservador e partiu pra briga com o orador. A partir dali, o templo
virou um palco de pugilato triste e patético. Senhores mais velhos e levemente
conservadores trocavam socos com meninos. Mulheres e homens se digladiavam como
iguais sem respeito algum. A confraria foi dissolvida e várias dissidências de
dois, três videntes foram criadas. Saíram do templo sem se falar, Inimizades
eternas, desafeições irreconciliáveis. O Grande Chefe da extinta confraria foi
o último a sair depois de limpar os destroços no templo. Na rua topou com o
vidente faltante cheio de roupas de marca e um BMW novíssimo na mão. Tinha
acertado sua única previsão em toda vida. Os números da Mega-Sena e desistiu de
ser vidente para curtir a vida sem preocupações.
Francisco Libânio,
04/06/11, 6:11 PM,
Mongaguá
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