Feia, mas com história.
Podia até ser uma pessoa bem intencionada e que bom se
fosse. Mas algo ali afastava qualquer possibilidade de boa impressão.
Certamente era a cicatriz que lhe vazava a testa. Um traço reto, rente aos
olhos. Um corte feio, profundo e que cirurgia alguma foi capaz de remover ou,
ao menos, disfarçar. Agora essa pessoa estava sentada à minha frente num balcão
de bar em forma de U. E como sou péssimo em simulações, percebeu que eu o
fitava e logicamente decifrou o motivo. Veio ter comigo e a primeira reação que
pensei em ter foi correr. Só que eu me convenci que não devo me levar pelas
impressões. E que também não tinha terminado o meu caldo. Não teria tempo de
correr e sair sem pagar. Seria complicação.
- Eu sei por que o senhor está me olhando. – veio ele sem
qualquer cerimônia. – E sei que o senhor deve estar pensando aí “Olha, parece o
Frankenstein!”.
Frankenstein! Sabia que a figura não me era estranha. Foi o
que pensei no breve tempo dele respirar para continuar:
- Essa cicatriz, o senhor acredite ou não, foi de uma briga
feia que tive com um par de valentões que, só por eu ser baixinho, resolveu vir
de bullying pra cima de mim. Me cercaram, vieram com onda e até queriam me
fazer de mulher deles. Foi quando joguei um pro chão que a porca torceu o rabo.
A descrição da desinteligência foi feita em seus mínimos e
desnecessários detalhes. Vinham de dois pra cima do narrador e caíam de quatro
para tentar nova arremetida e ter igual sucesso ao chão.
- Não sou homem de violência, meu senhor. Respeito religião,
respeito opção sexual, posição política, filosofia, respeito tudo, mas me deixa
na minha. Aqui não é pessoa de guerra, mas se me chamar pra uma, que esteja
disposto. Licenciosidade comigo não cola. E covardia muito menos. E se vierem
de dois pra querer abuso só porque tem vantagem numérica, aí vão ver que número
nem sempre conta a favor.
Continuou a narrativa da contenda. Os tais dois ou não se
tocaram que a maré estava ruim pra eles ou gostavam mesmo de apanhar. Foi
quando um deles resolveu usar de uma navalha pra, além de machucar matar.
- Um deles deu uma cutilada na minha testa e deu nisso que o
senhor vê. Tive é sorte, porque podia me pegar no olho, mas não me abateu.
Ainda estava vendo e estava bom pra continuar a brincadeira. Foi uma traulitada
que dei no da navalha que ele caiu, perdeu navalha, perdeu sentidos e se eu não
fosse um homem do bem, teria feito um corte igual, mas na jugular do sujeito.
Quando ele se levantou e me viu com o negócio na mão, combinou com o colega de
me pegarem e tomar a navalha de volta. Vieram pra cima pra terminar. Um do lado
e outro do outro. Iam fazer sanduíche de mim. Só que eram fortes demais e
sabidos de menos. Correram e quando chegaram perto só tive o tempo de sair do
meio. Uma trombada que o senhor precisava ver. Um beijo que acabou com tudo que
foi dente ali. Ainda meio zonzos, dei mais um par de tapas em cada um que
beijaram a lona. Passava um guarda ali e dei parte deles. Entreguei a navalha,
pedi pra fazerem exame em mim. Processo tá correndo e os caras estão soltos em
condicional. Se se meterem em alguma confusão é cadeia sem perdão pra eles. De
qualquer forma, ficou a cicatriz pra contar a história. Pra eles acabou dente,
sobrou roxo e osso quebrado.
O valente Frankenstein realmente era uma pessoa de boa paz e
boas intenções como levantei ser. O cenho fechado e a cara de poucos amigos
ajudavam a construir um aspecto suspeito, mas de suspeito tinha nada. E nem
Frankenstein lhe valia a alcunha. Era feio, mas não era monstruoso. Não mais
que os dois que resolveram se meter com ele esquecendo que baixinho nem sempre
é um indefeso. Agora, a cicatriz era um prêmio de guerra. Não se envergonhava
dela, mas não sentia orgulho. Como disse, não era homem de briga. Pelo
contrário. Após contar a história, se ofereceu a pagar uma rodada e quis porque
quis pagar o caldo que era meu almoço, o que a muito custo convenci que não.
Fiz bem em não sair correndo.
Francisco Libânio,
13/03/14, 2: 44 PM
Nenhum comentário:
Postar um comentário