Hã... Foi mal!
Situação estranha aquela. Estava eu passeando por essa
Prudente quando, ao parar numa banca de jornal e folhear algumas revistas, noto
que uma moça conhecida também está lá. Paro pra vê-la, e notar que estava
igualmente olhando pra mim insistente. Quem será? Vem a resposta: É a ex-mulher
do Almeida, um bom amigo que, casos da vida, se separou após um duradouro
casamento. Uma pena. E uma vez solucionado o mistério retorno às revistas. Após
tempo folheando, percebo que a mulher ainda me observa demoradamente. Situação
embaraçosa. Escolho algumas revistas, pago e vou embora. Acaba-se o
constrangimento.
O grande problema é que Prudente não é uma cidade exatamente
grande e dali alguns dias, eu, em uma lanchonete no centro, longe da banca onde
estive, encontro, outra vez, a ex-mulher do Almeida. A princípio, ela não me
notou, mas quando notou a cena se repetiu. Outra vez ela ficava me observando
com uma expressão entre imaginativa e curiosa. Meu Deus, o que tanto essa
mulher repara? Esqueci de pentear o cabelo? Minhas roupas estão em alguma
espécie de desacordo? Talvez. O Almeida se orgulhava do bom gosto da sua
esposa. Ela entendia de moda e dava consultoria. Não era famosa só na cidade,
mas muita gente em São Paulo, Curitiba e outras cidades também a procuravam.
Nesse assunto, ela sempre foi uma autoridade. E eu, sinceramente, nunca me
ative a isso. Talvez fosse isso.
Talvez, também, fosse outras coisas. As más línguas sempre
disseram que a mulher do Almeida não era flor que se cheirasse. Lembro-me que
quando ia casar, alguns amigos comuns repreendiam o Almeida:
- Não vai casar, hein, Almeida?
- Vou!
- Olha lá, hein? Essa aí não é de boa bisca.
- Não quero saber. É intriga da oposição!
Casaram, abençoaram-se, fizeram lua-de-mel em Recife e constituíram
uma bonita família. Três filhos e catorze anos de enlace. O Almeida fazia
questão de levar os amigos à sua casa para mostrar o quanto estavam errados e
esfregar na cara de todos que sua senhora era uma mulher de respeito. Da minha
parte, nunca levantei suspeitas. Mas os amigos, às costas do Almeida,
futricavam:
- Eu vi a mulher do Almeida com um sujeito no Calçadão dia
desses.
- Devia ser irmão dela – dizia eu.
- Irmão, hein? Eu que sei. Irmão nem de Igreja.
A verdade era que muito desse diz-que-diz, na verdade, era
falação vazia. Acusavam a mulher do Almeida de tudo, mas nenhum dos amigos
provou foi é nada. Se ela saía com outros, nunca ninguém apresentou qualquer um
que fosse “dos outros”. Se ela gastava perdulária o dinheiro que o Almeida
botava em casa, nunca apareceu uma nota, um gasto desnecessário, uma pedra que
fosse muito cara. E a mulher, bom que se diga e todos sabiam, também trabalhava
e ajudava na casa. Então, a moça era, aparentemente, inocente de tudo que se
pudesse dizer dela. Inclusive da separação. Certo dia (foi o que contou o
Almeida na roda), ele chegou em casa mais cedo, aproveitou que as crianças
estavam fora e abriu o jogo com a mulher. Tinha uma fulana por fora, um casinho
que era pra ser um passatempo e virou um amor incontrolável. Não queria enganar
a esposa e disse que ela não merecia um cara que tivesse outra. Também que o
amor tinha acabado e estava pedindo a conta do matrimônio. A mulher do Almeida
agradeceu a honestidade do marido e disse que não seria obstáculo ao namoro.
Que os dois fossem felizes, mas que não faltasse com as crianças. Meses depois,
cada um foi pro seu lado. Como pai, o Almeida, de fato, nunca desapontou. Foi
um canalha honesto e probo. E a mulher saiu com a cabeça erguida, ainda que se sentisse
enganada, não deu o enorme prazer de se ver chorar, como disse o Poeta.
O lance é que a ex-mulher do Almeida estava, outra vez, me
observando enquanto eu recapitulava toda a história dos dois. Situação
constrangedora se repetindo. E ela me olhava e me olhava e eu a olha e a
olhava. A ex-mulher do Almeida não era uma mulher feia e já fazia um ano que
eles estavam separados. O Almeida, feliz com sua fulana, até mudou de cidade.
Não achei que ele fosse problema. Também não achei que fosse de mau tom
cumprimentar educadamente a moça. Meti a timidez no saco e fui:
- Oi, tudo bem, como você está?
- Oi, eu tô bem e você.
- Bem também. Desculpa perguntar, mas não é a primeira vez
que eu te vejo olhando pra mim. Foi a vez na banca e hoje. Aconteceu algo? Tem
algo errado?
- Não, é que eu tô tentando me lembrar de você. Você é amigo
do Almeida, né?
- Sou.
- Então, eu não lembro se você é o Galhardo ou o Xavier.
- Não sou nenhum deles.
- Não? Então acho que não me lembro de você. Era tanta gente
em casa... Me desculpa, tá?
Saiu. Fiquei pensando em como ela não se lembrava de mim.
Normal. De fato, éramos uma turma grande e o Almeida fazia questão sempre da
presença da turma toda. Outras vezes ainda encontro a ex-mulher do Almeida em
outros lugares, mas sempre que nossos olhares se cruzam, ela me dá um sorriso
simpático e educado e foge do meu olhar. Não me faz muita falta. A vida segue.
Francisco Libânio,
09/04/14, 2:48 PM