Glauco Mattoso, um dia chego lá. Se eu não desistir antes.
Inescrupulosamente me chamo de poeta. Na verdade, eu adotei
isso quando, mais novo e um poema mais outro, alguém me chamou de poeta e eu
ingenuamente acreditei. E quando acreditei nisso, arrogante, dei a escrever
mais poesias. E, mais arrogante, faço isso até hoje.
Gostar de poesia sempre gostei. Sempre estiveram em minha
estante gente do calibre de Camões e Vinicius de Moraes. Logo fui conhecendo
Pessoa, Augusto dos Anjos, Gregório, Bocage e cheguei a Glauco Mattoso. De um
lirismo puro, romântico e etéreo cheguei à lama, à sujeira e ao escárnio. Sei
que posso chegar ao alto de novo, mas o chulo e o irreverente do rés do chão
não me desagrada. Talvez seja esse o problema. De qualquer forma, lendo os
líricos ou os chulos, a poesia faz parte de mim, mas me acometeu esse efeito
colateral de me achar poeta. E outro, que é escrever.
Mas foi lendo especialmente Glauco Mattoso que a coisa me
fez um mal estranho. Explicando rapidamente quem é o rapaz, trata-se de um
excelente poeta, sonetista, cego e que, na falta de visão, passou a escrever
incessante. Nessa, o rapaz chegou a mais de cinco mil sonetos. A maioria muito
bons, mas com chulice, pornografia e fetiche à mesma proporção da genialidade e
do rigor métrico, coisas que definem os grandes poetas e me excluem desse
grupo. Seja como for, inspirado pelo bardo cego fescenino, resolvi eu me meter
a escrever sonetos até onde aguentasse. Mais uma vez, arrogante, achei que
poderia dobrar os cinco mil como ele. Houve um grande problema, no entanto: A
falta de inspiração.
Claro que da mesma forma que Roma não foi construída num
único dia, Glauco não escreveu seus cinco mil sonetos numa sentada. Nem teria
como. Mas tem vezes que numa sentada não sai absolutamente nada. Tento escrever
e um verso, um único verso, me faz festejar. A mente exaure, a inspiração seca.
Não sei se Glauco tem esse problema. Acho que não. Só sei que nesse exato
momento cheguei a 1190 sonetos – começados há quase dois anos com maiores e
menores interrupções – e me falta material pra continuar. Falta-me
completamente a poesia.
Quero escrever mais sonetos, mas já conclui não serem tão
sonetos assim. Falta métrica, falta tonicidade em sílabas, mas tem sua forma.
No entanto, falta inspiração. A fonte secou. Nem lendo o próprio Glauco vem uma
luz, um insight, uma ideia que garanta um soneto a mais.
Falta a poesia. E quando falta a poesia é que eu noto o quão
arrogante sou me chamando de poeta. O quanto esse dom que imagino ter não
existe. Surge a dúvida. Será que devo parar? O que eu faço com toda poesia que
fiz (ou cometi) até aqui? Será que devo renunciar a isso? Agora que me falta a
poesia e eu, humildemente, volto ao mundo dos mortais do qual não devia ter
saído, a reflexão é dura. Falta-me a poesia e escasseiam os sonetos. Deverão
vir? Escrevo outro – e outros – caso a ideia volte a vicejar? Quando me falta a
poesia, o senso critico parece um verdadeiro déspota a rasgar todo esboço que
encontra. Caio da arrogância poética à dureza apoética em velocidade sônica. E
me machuco.
Agora me falta a poesia e aqui escrevo uma crônica, uma
forma diferente de poesia. Uma forma marginal de raspar qualquer inspiração que
vier para que eu faça sonetos. A crônica é uma forma de me manter no chão sem
querer escalar aos céus da poesia, lugar que, aqui do chão, eu penso não
pertencer.
Enquanto escrevo essa crônica, a cabeça fervilha. Um soneto
timidamente sussurra. Um verso se constrói solto esperando ser encaixado num
soneto que aparecer. Qualquer um, não precisa ser o melhor deles. Sinto-me como
se quisesse escalar outra vez o Olimpo dos poetas ao mesmo tempo que me
recrimino. Não posso ir, mas quero. Não é meu lugar, mas quero teimosamente
entrar na festa que não fui convidado. Quero conversar com Vinicius num soneto
como quero contestar Bilac num verso. Eu não devia, mas enquanto a poesia
volta, um outro soneto firma pé. E ao passo que odeio isso também me excita a
continuar a escalada clandestina. E assim sigo.
Francisco Libânio,
17/08/13, 5:22 PM
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