Tantos amigos...
Tinha um problema grave em sua vida. Na verdade, eram quase
sete bilhões de problemas. Sem exageros ou hipérboles, no entanto. O caso era
que todos – e definitivamente todos! – no mundo o conheciam. Do Obama ao
catador de lixo do outro lado da cidade, qualquer pessoa vivente sabia quem ele
era. Não significa, no entanto, que ele conhecesse a todos. De muitos nem
sabiam o nome. Dos mais óbvios, por tê-los visto pela TV ou folheado em um
jornal, fazia pálida ideia de quem fosse. Mas a mão contrária era incômoda. E
não que tivesse feito algo errado, mas de qualquer forma todos o conheciam. E o
tratavam com familiaridade:
- Como vai, João Lucas?
- E aí, João Lucas? Como está a esposa?
- Você conhece o arroz de forno do nosso restaurante, João?
Aparece lá pra experimentar.
- Hey, Joao Lucas,
how’re you, dude?
E assim ia ouvindo cumprimentos, convites em todos os
idiomas. Monoglota de carteirinha, não entendia os frequentes chamamentos em
outros idiomas, mas seu nome era universal. E não era só na rua. Para ter
certeza que era conhecido além-mares, em dado programa de TV pescado no
controle remoto, pessoas diziam (ah, as legendas...) em várias línguas o quanto
admiravam o casamento do João Lucas com a Lucinha.
Aqui entra personagem, que deveria ser estranha, mas não é.
A Lucinha. Esposa há doze anos do João Lucas já o conheceu quando ele era
conhecido mundialmente... Sem ter feito nada. Ela também o conhecia, mas não o
tratava com a intimidade que todos (e todas) sempre o trataram. Ele admite que
isso fez com que ela fosse a escolhida. Logo após o enlace, tornou-se uma
mulher conhecida também.
Inveja? Não. João Lucas era um sujeito mundialmente
conhecido, mas não sexualmente desejado. Ainda que todos conhecessem seu
marido, nunca houve maluca ou depravada que desse em cima do seu marido.
Conversavam com ele no ônibus, no mercado, na rua, mas nunca houve segundas
intenções. Isso tranquilizava Lucinha.
Mas para o João Lucas a situação não era nada agradável. Não
parecia simpático ver seu nome cumprimentado a rodo por estranhos. Sempre em
vista isso. O estranho nunca era ele, que todos sabiam quem era, onde morava.
Os meninos, filhos do João Lucas, todos sabiam quais eram, mas não quem eram.
Sorte do pai. Não passou o gene da popularidade adiante. Lucinha acostumou. Ela
virou a “mulher do João Lucas” quando não sabiam o seu nome. O epíteto jamais a
incomodou.
- E sou mesmo. Sinal que ele está atrelado a mim como eu
estou a ele. – ela explicava.
O interessante é que João Lucas nunca fez nada de relevante.
Não acertou a paz entre os povos, não descobriu a cura de nenhuma doença, nunca
foi esportista nem popstar. Nada. Apenas um dia, alguém o viu, soube que
chamava João Lucas e dali a pouco a coisa alastrou. E nem havia internet
naquela época. João já contava com seus quarenta e dois anos e era esse boom de
popularidade desde os dezenove. Ainda se fosse homem bonito, modelo de revista,
mas nem era. Passou muito tempo sendo o João Lucas sem saber que por quê.
Acostumou. Conheceu Lucinha, que sabia quem era o João Lucas e se encantou.
Certa vez, resolveu sair pelo mundo e aproveitar a fama que
tinha. Já que era o João Lucas, conhecido, simpatizado por todos e convidado
pra tudo o que acontecia, decidiu usufruir da fama anônima. Daria uma volta ao
mundo. Dinheiro não seria problema. Não foi uma a agência de turismo a propor
patrocínio para sua aventura. Que honra para a casa ter o célebre João Lucas
usando de nossos serviços. Negociou e escolheu uma que melhor apetecesse. Iria
ser o João Lucas para o mundo e fazer bom-uso de seu nome. E assim fez. Foi aos
EUA, conheceu o presidente do país. Depois, pela Europa, foi aplaudido num
clássico espanhol. Conheceu a realeza britânica. Foi ao Vaticano pedir a bênção
ao Papa e – mais que isso – dar uma palavra pela paz mundial. Foi falar com
outros líderes religiosos e políticos também. Todos, sabendo de quem se
tratava, resolveram não medir esforços para acabar com conflitos de fé. João
Lucas passou o mundo todo. Realmente, era um sujeito conhecido e querido e,
agora mais que qualquer coisa, influente. Ele, justo ele, homem simples, do
interior, pai de família como qualquer outro, mas agora influente! Capaz de
reunir todos os chefes de Estado na ONU, falar meia hora de groselha e sair
aplaudido. Duvidava que conseguisse até realizar a coisa na prática.
Ao seu redor, João Lucas começava a formar um séquito de
admiradores. Coisa quase messiânica. Gente que aclamava João Lucas como um
líder, um novo Gandhi. Um cara que conseguiu fazer parar guerra por onde passou
e não se abalou com o peso que isso lhe conferia. Seus seguidores decidiram, em
reunião sem que João Lucas soubesse, que ele DEVERIA ser empossado Rei do Mundo
e que todas as nações deveriam curvar-se diante dele. De forma democrática,
claro. Nenhum presidente, rei ou ditador seria deposto, mas qualquer decisão
mais relevante teria de ter o crivo do célebre João Lucas.
Quando recebeu a notícia em uma ilha do Pacífico, onde
estava morando, deu de costas. Jamais aceitaria ser rei do mundo ou do que quer
que fosse. As coisas não podiam e nunca seriam daquela maneira. Não se
dependessem dele. Rei do mundo? Ora, essa. Logo João, que era um
antimonarquista. Dessa forma, o movimento arrefeceu, os seguidores o
abandonaram e ele voltou à sua vida normal.
Conta-se que João Lucas morreu há seis anos, mais ou menos.
E foi enterrado como indigente sem uma vela daqueles que um dia sabiam quem ele
era.
Francisco Libânio,
08/08/13, 7:38 PM